Tempestade na Terra Quente
A caçada correra pessimamente. Salvou-nos o excelente almoço e essa nobre arte de estar entre amigos. Já velhotes, caturras... Enquanto isso, lá fora, o céu azedava cinzento, o ar abafava e a trovoada parecia iminente - mas seca, porque nenhuma divindade chora por aquelas terras.
Em menos palavras, chegara a hora da sesta, tão justinha quanto um bloco de granito em cima de um colchão.
No regresso à vida, ainda era dia. E Assares ali ao lado, rogando uma visita. Cumpriu-se a sua vontade, e a primeira família com que nos deparamos foi a do presidente da Junta. Sentada, mastigando o sábado num banco do largo principal, de braços abertos à nossa chegada, a invocar a sagrada hospitalidade transmontana.
Por isso ao Egas coube em sorte uma pratalhada imensa de ração, a do molosso de guarda, muito pouco resignado com a cedência. O Egas alambazou-se com tal dose e tudo aquilo, sobre dever ser saboroso, era suspeito. A noite confimá-lo-ia.
As notícias provenientes do litoral alarmavam: o País estava à mercê do furacão. Nessa incerteza nos deitámos em pleno planato longínquo. E em breve o vento rugia, esperneava entre as frinchas das portas e janelas, enquanto o Egas, no meu quarto, era acometido de uma súbita e letal flatulência.
Foi terrível. Não apenas pelo - inquestionável - monóxido de carbono libertado. Mas por todos os sulfuratos e sulfuretos que rodopiaram entre paredes, exalados pelo Egas, atiçados pelo vento. Percebia-se agora porquê: o biscoito que lhe fora oferecido em abundância era, afinal, feijoada à transmontana para canídeos. Prensada, enlatada. Destas coisas modernas de quem vai à guerra e tem de matar de qualquer maneira.