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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"Nossa Senhora do Rosário de Fátima"

João-Afonso Machado, 31.10.18

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Muitos são ainda desses anos remotos em que a literatura sobre Famalicão, à sua passagem por Santiago da Cruz, apontava como local de visita o miradouro sobre “S. Cosme”. Isto é, todo aquele fundo que inclui as freguesias de Vale (S. Cosme e S. Martinho) e de Telhado, até começar a trepar as pedreiras de Portela e as encostas de Vermoim, Pousada de Saramagos… Algo que actualmente nos faz, decerto, bastante confusão – parar em determinado ponto da EN14, sob o trovejar do trânsito automóvel, e espreitar para rebanhos sem fim, coloridos, de casario e buzinas, de molossos fabris. Para a antiga imensidão, afinal, de agricultura, bouças de pinheiros, ribeiros imaculados – saudoso Pelhe das mil trutas! – que outro mundo… E os sinos das igrejas e das horas, dos dias de Páscoa e do toque a finados, submergindo na vastidão do vale… Como se infere, só com farta dose de imaginação se atingirá o bucolismo desse quadro de então.

Mais a mais, a A3 anda logo ali abaixo… Seria impossível vivermos hoje sem ela. Mas o seu contributo – com as barreiras verdes a resguardar do ruído os moradores próximos – para o embelezamento da paisagem nada contribuem. A vida é como é, o saudosismo em excesso pernicioso, e há sempre um modo de, face ao com que nos confrontamos, descobrir pequenos (ou grandes…) remedeios.

É o que agora me ocorre quando conheci o Parque da Nossa Senhora do Rosário de Fátima. Um primeiro comentário – o nome é muito bonito! Foi ele inaugurado no passado dia 13 de Outubro, aqui na freguesia de Cruz. Não pensem, não se trata de uma grande superfície. Mas a arborização em redor é já uma realidade. E, no centro do programa, a imagem da Senhora de Fátima. Tendo como fundo uma vasta massa escura, virada a nascente, conferindo ao conjunto o instante de uma reflexão, a seriedade e o respeito pelas convicções da grande massa dos portugueses Futuramente, quem sabe?, não será um local de repouso e convivência, de tranquilidade de cada um com os seus…

Acima de tudo, entre casas abastadas que ali nascem, fica esse poiso. O de Nossa Senhora. A resultar da boa vontade de quem cedeu os terrenos e da Junta da freguesia que delineou a obra. Porque a Senhora de Fátima diz muito aos portugueses!

Eu não espero haja da parte de determinadas facções políticas uma manifestação contra. (Na política, o sentido de oportunidade é fundamental…) Espero é continuar a passar por ali, Deus queira. E perante a imagem, perante o cenário, me lembre do bom da vida, em que creio absolutamente a Rainha de Portugal está por nós, portugueses. Perdoem-me a minha confissão de fé. Esta: Deus é demasiadamente grande para que o alcancemos; Jesus, o Filho, algo que a nossa matemática de espírito, se calhar, também sente dificuldade em captar; mas Nossa Senhora é a Mãe. E quem não se arreiga ao coração da Mãe?

Bem vinda a Aldeia Nova, freguesia de Cruz, Nossa Senhora do Rosário de Fátima, nossa Mãe!!!

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 31.OUT.2018)

 

 

 

Quis o Destino, Tino

João-Afonso Machado, 28.10.18

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Tomávamos o pequeno-almoço, manhãzinha cedo, em Oldrões, Penafiel. Quando, de súbito, a pastelaria entra em alvoroço: tinha chegado lá o famosíssimo Tino de Rans. (Oldrões e Rans são duas freguesias vizinhas.) Foi um momento de política à séria.

Muitos abraços aos cavalheiros, grande troca de beijos com as senhoras presentes. O cidadão Vitorino da Silva irradia simpatia. Cumprimentei-o efusivamente: - sou um seu eleitor - disse-lhe logo.

(Parece que Tino não acreditou. Mas um parceiro, muito das minhas relações, convenceu-o - eu votei nele para as últimas Presidenciais. Monárquico como nasci, sou, e hei de morrer, só o candidato Vitorino da Silva poderia assegurar um mínimo de respeito e coerência por Portugal nesta desastrosa República. E o Tino obteve o mais fantástico resultado eleitoral, ele sozinho.)

Vinha precavido com a sua lista de assinaturas para a formação de um novo partido que almeja. - Desejo cumprir o meu sonho de ser de deputado à AR, - confessou.

Ora, a sinceridade para mim é tudo. A gente conhece as guerras intestinas nos partidos, quando se trata de formar as listas de candidatos ao cargo. Ninguém quer - mas, em boa verdade, todos querem e se guerreiam por tal. O Tino parte do zero - e ouvi-lo no Parlamento é, ou devia ser, a derradeira esperança dos portugueses da Província, em particular, e do Planeta em geral.

Não sei se foi a Oldrões a pé, ou se regressou de táxi a Rans. Sei que o vi, abracei "com afecto", e seguimos ambos, depois, os nossos caminhos. Trouxe os seus papeis. E com a mesma certeza que mandava um Santana Lopes bugiar, eu subscrevo a petição do Tino. Lembrei Marinho Pinto (cruzes!) e mais cresce em mim a crença no Senhor de Rans. Assim como este se despediu desejando apenas que Deus nos acompanhasse na nossa viagem.

Para que se saiba, nada do que digo é brincadeira ou ironia. Ver e ouvir este homem na AR, deixando sair pela boca fora o que achar não poder ficar calado, seria (será?) um lavar da alma.  Há muitos minhotos, trasmontanos e beirões a pensar assim. Oxalá nenhum escândalo superveniente anule a meta do cidadão Vitorino da Silva.

 

 

Isto do histerismo e dos comícios

João-Afonso Machado, 25.10.18

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Começar escrevendo que existem dois tipos de políticos - os maus e os piores - é muito pouco. Prosseguir sustentando a possibilidade de alguém converter alguém ao seu credo partidário, a mais rematada tolice. E que a política se discute como o futebol - uma evidência.

Portanto, há os políticos, a política e os estádios - os comícios - ou a mesa de café. As ideias assim já ganham alguma forma. No futebol e na política, a demagogia e a hipérbole fazem absolutamente parte do jogo. Este tem é de ser disputado entre amigos. Os do Porto contra os do Benfica, os da Direita contra os da Esquerda. Ou vice-versa - a ordem dos factores é arbitrária. Chamam a isso democracia.

Mas às vezes a democracia parece que não é. Sobretudo quando chega a nossa vez de perder. Ou até de ganhar nas urnas eleitorais o que depois, mercê de engenharias recentíssimas, se vê fugir no Poder. Aí a democracia periclita. Os amigos, de diferentes matizes partidárias, podem até exaltar-se nessa animada mesa de café. Perigosamente... E surgem as vozes do exterior, a quererem participar também. O comício está prestes a começar. Com a agressividade que o caracteriza. Fujamos, fujamos!

Fujamos da intromissão, claro. Esta, por norma, vem carregada de louvores aos povos oprimidos, cantados por paladinos da paz no mundo e da guerra sindical. Gente pequenina, que transfere para os outros as suas desventuras e assim as sublima. É complicado.

Ou não é. Tudo depende de uma senhora que já nasceu respeitável, e por isso reina sobre a democracia e as referidas suas vicisssitudes, jamais foi eleita - e é a boa educação, assim se chama a dita senhora.

 

 

 

O minuto que foi nada

João-Afonso Machado, 23.10.18

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As gerações estão cada vez mais gordas. Disparatam a comer, sem pensar no badagaio, na famigerada trombeta que lhes dá a ordem - pró lar. As gerações são o mundo, o mundo é o Homem, e o Homem é tosco. As gerações têm somente o doce da memória. Que, usualmente, de nada lhes serve.

Tenhamos por exemplo um quase findo caminho de uma geração toda. Para cá e para lá, há muitas décadas, no rumo de uma amizade - essa sim! - a ultrapassá-las no vento, velas hasteadas sem passado, nem presente, nem futuro. E abra-se o livro na página da adolescência viajando à boleia, ao largo de invernos e verões. Eram sempre os mesmos edifícios rurais, cheirando a gado, a rampa subida e descida essses anos muitos. Atente-se naquele parágrafo - o a égua branca de través, montada pela loirinha de cabelo longo, muito amazona. Em plena calçada.

A Mitologia deteriora-se na crueza da realidade. Mas ela, a amazona, olhou.Talvez esperasse o rapazito encostasse à berma. Nada! Duas palmitas no focinho da égua, um assobio a provocar, e o caminho pela frente. Num breve relance de olhos nos olhos.

Teria bastado a palavra que não foi dita. Ignora-se se a égua saltava obstáculos. Mas a amazona dá agora aulas no Secundário. As gordas gerações de ontem, hoje e amanhã passaram-lhe ao lado. Não cavalgaram a calçada os netos das boas recordações deixadas para trás. 

 

 

Fradelos, enquanto ainda é

João-Afonso Machado, 21.10.18

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Foi um trabalho muito mais demorado do que o milho e a semeadura da erva juntos. Os lavradores são homens e mulheres sem tempo, senão a lavrar ou a colher, agarrados às ordenhas e aos maus tratos que o destino lhes inflinge. Há, nos seus braços, a musculatura própria do esforço fisico diário e algumas veias mais salientes, pela revolta ante os altos e baixos de uma vida que, não obstante, não encaram de outro modo.

Por isso foram dois anos. De casa em casa, de quinta em quinta, de tractor em tractor. A saber como se agricultava em Fradelos, a maior freguesia do concelho famalicense. Um vale extensíssimo onde, se o Ave deixar, se as suas margens não se pentearem com madeixas coloridas de porcaria e maus cheiros, lá arribam, subtis, os aromas da maresia. O litoral é já ali adiante.

O potencial de Fradelos, no meu modesto entender, é venatório. Depois daqueles montes a eucaliptos, depois da "Volta do Corvo", como se a caminho de um reino perdido, a várzea é grande e as perdizes voariam até se cansarem.

Entretanto, a pecuária. Os milhares de litros de leite, a tirania do Estado, o eterno fantasma dos custos de produção e das dificulades de escoamento. Os filhos dos lavradores fradelenses já optaram pelos estudos, são médicos, advogados, engenheiros, bancários, e aquele será um modo de vida em extinção. Enquanto não, convinha retratá-lo.

Ajudou-me a memória do meu Pai e da sua intervenção nas iniciativas associativistas. Os fradelenses respeitavam-no muito, mesmo porque - era eu criança - vinham de lá as matilhas para as batidas às raposas. Entraram na conversa os nomes de tantos - homens e cães - que a idade já levou. Visitei casas onde estivera com o meu Pai mais de quarenta anos atrás.

A Câmara Municipal achou interesse no trabalho e publicou-o no seu Boletim Cultural. Fez mesmo uma separata. Está aí.

 

 

Tempestade na Terra Quente

João-Afonso Machado, 19.10.18

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A caçada correra pessimamente. Salvou-nos o excelente almoço e essa nobre arte de estar entre amigos. Já velhotes, caturras... Enquanto isso, lá fora, o céu azedava cinzento, o ar abafava e a trovoada parecia iminente - mas seca, porque nenhuma divindade chora por aquelas terras.

Em menos palavras, chegara a hora da sesta, tão justinha quanto um bloco de granito em cima de um colchão.

No regresso à vida, ainda era dia. E Assares ali ao lado, rogando uma visita. Cumpriu-se a sua vontade, e a primeira família com que nos deparamos foi a do presidente da Junta. Sentada, mastigando o sábado num banco do largo principal, de braços abertos à nossa chegada, a invocar a sagrada hospitalidade transmontana.

Por isso ao Egas coube em sorte uma pratalhada imensa de ração, a do molosso de guarda, muito pouco resignado com a cedência. O Egas alambazou-se com tal dose e tudo aquilo, sobre dever ser saboroso, era suspeito. A noite confimá-lo-ia.

As notícias provenientes do litoral alarmavam: o País estava à mercê do furacão. Nessa incerteza nos deitámos em pleno planato longínquo. E em breve o vento rugia, esperneava entre as frinchas das portas e janelas, enquanto o Egas, no meu quarto, era acometido de uma súbita e letal flatulência.

Foi terrível. Não apenas pelo - inquestionável - monóxido de carbono libertado. Mas por todos os sulfuratos e sulfuretos que rodopiaram entre paredes, exalados pelo Egas, atiçados pelo vento. Percebia-se agora porquê: o biscoito que lhe fora oferecido em abundância era, afinal, feijoada à transmontana para canídeos. Prensada, enlatada. Destas coisas modernas de quem vai à guerra e tem de matar de qualquer maneira.

 

 

"O nosso enclave em Esposende"

João-Afonso Machado, 18.10.18

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Muitos dos que andaram na Guerra Colonial – como não foi o meu caso – lembrar-se-ão daquele território vagamente separado do colosso angolano, a norte, chamado Cabinda. Rodeavam-no os Congos e o Atlântico. Era um enclave. Igualzinho ao que está na soberania de V. N. de Famalicão no concelho de Esposende, em Gemeses.

Gemeses situa-se na margem direita do Cávado, rodeada das ferozes tribos de Palmeira de Faro, Perelhal, Vila Cova e Gandra. Mas resistindo sempre, aquele baluarte famalicense de que é capital a Quinta da Barca, debruçada sobre um troço alargado, quase lagunar, do rio, ali tão pacífico como o Céu de Jesus. Nas imediações, um pequeno ajuntamento de casas (umas de comprovada antiguidade, infelizmente em ruínas), vivendo, presume-se, de algum turismo e dos sonhos todos de quem faz justiça ao silêncio. Dá sempre gosto passear por aquelas bandas, assim como quem tira férias do seu próximo e dá a mão ao Cávado e à ausência de vivalma. No nosso enclave famalicense, na salvação do nosso espírito e da nossa carne, até que a barriga dê horas – até havermos de comparecer ante a rainha da Quinta do Lago, a Sra. Peliteiro, de pronto a acolher-nos no seu palácio ou, se quiserem, no seu restaurante.

A Sra. Peliteiro nasceu Paula e criou-se em Cruz, a minha freguesia. Trabalhou na Câmara Municipal até rumar o Brasil, onde abriu o seu primeiro estabelecimento de comes e bebes.

Tudo palavras dela. Proferidas com simpatia e simplicidade, quando veio à mesa onde almoçava um grupo de prestigiados famalicenses de passagem pelo enclave.

O dito grupo papara um belo caldo de legumes, um arroz de peixe, a sua sobremesa (fruta ou chocolate). A regar, um branco duriense, «biológico». Confesso, não sei explicar esta “biologia”, mas unanimemente o vinho foi considerado muito agradável. Enquanto tal, prosseguia a saga da Sra. Peliteiro:

Depois do sucesso no Brasil, foi o tempo de regressar à Pátria e inaugurar um novo espaço de restauração, em Fão, na outra margem do rio. E a velocidade a que o negócio andou foi o salto para a banda norte, a conquista daquela Gemeses meio pasmada que tentava, mas não conseguia, vingar um campo de golfe. A Sra. Peliteiro tomou essa praça, fê-la o seu castelo, o tal seu palácio, a embaixada famalicense naquelas paragens. E baptizou-a com o seu próprio nome – Sra. Peliteiro.

O restaurante não esqueceu a lição brasileira, sendo, por isso, muito hábil em moquecas e coco nos doces. Mas a cozinha tradicional portuguesa está ali bem vincada e estudada. Saboreada com os olhos poisados no Cávado, através dos janelões da grande sala, em almoços que se prolongam e escutam também novas experiências gastronómicas. Porque a Sra. Peliteiro é, em tal ciência, uma investigadora. E uma docente. Reproduz o seu saber em três programas televisivos, conseguindo ainda espaço para ministrar formação profissional. Finalmente, à noitinha, parte para Braga (mais uma urbe qualquer dia nossa…), e dá despacho no seu – das cinzas renascido - Ignácio, outra proeza, outra aposta ganha.

A gente escuta esta agenda e toma-lhe as dores. Cansamo-nos nós, no lugar da imparável Sra. Peliteiro. (Venha daí mais qualquer coisinha para restabelecer as forças…) Mas fica o gosto e o orgulho por todo o afã desta nossa conterrânea, hoje uma personagem nacionalmente conhecida. Que as suas forças se mantenham por muitos e muitos anos. E a nossa admiração por ela, outros tantos, também. O enclave famalicense da Sra. Peliteiro, consta, voltará em breve a ser visitado por aquela distinta congregação da nossa terra que, pelo sim, pelo não, não prescindiu da fotografia da praxe com a dona da casa.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 18.OUT.2018)

 

 

 

Vila Flor

João-Afonso Machado, 14.10.18

Um surpresa, Vila Flor, para quem chega depois de tanto tempo.

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A terrinha parece condenada à condição de velharia. Resignada a ir pelo melhor preço. Numa mercancia junto do jardim público com gasolineira e tudo menos algo que se aprecie.

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Depois aparecem tímidos sinais de vida. Ainda haverá jornais, política, futebol e cerveja em Vila Flor. Há, pelo menos, esplanadas de cedo recolher...

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E, de súbito, a imponência da Matriz. Percebemo-lo logo - ali é que é, e sempre foi, Vila Flor. O resto é caminho de viandantes. Toca a esgalhar o morro!

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Nesse curso, a Rainha Santa. Diz-se que D. Dinis, no trajecto para Trancoso, onde casou, passou por aqui e encantou-se com as amendoeiras em floração. Daí o nome da vila... A Rainha D. Isabel não necessitou o escultor incluísse rosas na estátua - são os de lá que sempre as colocam vivas, coloridas no seu regaço. De enternecer qualquer descrente!

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Atrás da igreja principal, o Largo do Paço dos Condes de Sampaio. Que estes foram os senhores de Vila Flor, é certo. Da história actual sei o pouco que recomenda me cale. Mas, na esquina do «Paço», lá estão, em pleno, as armas daquele apelido.

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Indo sempre, são muitos os recantos de bem repousar. Como só na Província. Pena é tanto automóvel a emburrar o cenário. Ainda assim, percebe-se, para lá do imediato, prolifera a pacatez, um tempo menos apressado.

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E imenso para arranjar, polir, rechear, habitar, imenso para fugirmos da maluqueira que grassa por aí. Vila Flor: outra praça forte da nossa paz um dia, se Deus quiser.

 

 

 

 

 

A calamidade

João-Afonso Machado, 11.10.18

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As máquinas roncam. A ruralidade já as aceitou, ainda com as pernas doridas de tantos séculos atrás da vaca e do arado; ou avariada das costas e farta das foucinhas indo longe de mais, cortando o milho e os dedos dos utilizadores.

Milho de oiro, milho-rei, milho encofrado no celeiro. Era. O de agora verde nasce e verde morre, no desvaste das ceifeiras mecânicas. Trucidado, feito em bocadinhos, rapado a eito como se a peste invadisse o campo todo. E o acaso confunde-se com a heroicidade se um ou outro pé que lá consegue escapar ao massacre.

A vida dos humanos foi assim e tende a tornar a ser. As chacinas vêm vindo do passado para o futuro. Do tempo em que os romanos maldiziam a calamitate, a doença que lhes atacava os caules das plantas, até ao domínio da tecnologia de amanhã. Pé que escapasse, pé que ficava, símbolo de resistência. Mas não, o homem em breve descerá do tractor e virá com as suas próprias mãos...

(Ouve-se um longo troar, é a máquina devorando e arrotando. Há bocados de cereal espalhados por toda a parte, torno a ver o nosso destino  - uma calamidade).

 

 

Apanhados (XVII)

João-Afonso Machado, 08.10.18

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Foram gerações de reinado para os menos remediados e os aventureiros. O Citroen 2 CV marcou a gente e as suas memórias. Eis, então, que dou com um, na casa da minha Família, fresco como uma alface. Fui a perguntas: viera na década de 80 do passado século de França, «pelo seu próprio pé». Chegado a Portugal, para não estragar a estatística, esbarrou-se contra uma parede. Nessa incómoda posição, o seu actual dono conseguiu comprá-lo.

O seu actual dono obrou um restauro como manda o preceito. Inscreveu-se no clube dos fãs e passeia por aí. Só não sabe é que tem uma viatura muito anterior à época que imagina ser a a sua peça. Os faróis redondos da máquina marcam a diferença entre os originais e o revivalismo de há uns anos. Gostei de o ver a sair do nosso terreiro!

 

 

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