À la minuta
A pergunta era constante - Avô, como é possível? - e a resposta a mesma, sempre, - A caixinha é mágica... - Enfiava então a cabeça naquele garruço preto, uma mão a ajudar, a outra poisada na caixa, e - Atenção, vai sair o passarinho!
Nesse tempo já tão longe, o povo fazia fila para tirar um retrato. Às vezes famílias inteiras; muito frequentemente, um parzinho amoroso, a derreter-se no olhar, as mãos abandonadas, seguras a dele à dela por um dedo apenas; ou então, sofregamente abraçados, assanhados, como se incapazes de esperarem - vá lá - por chegar a casa. Eram domingos engravados, cheios de ouro a reluzir no colo das mulheres, domingos de muito afã que rendiam bem uma notita de cem paus. Dinheiro gordo, na maré.
O Avô andou sempre em tal vida, mesmo quando precisava já das minhas forças para transportar o "realejo". A caixinha mágica... E foi assim que me ensinou a manejar a varinha de condão. Focar a lente, colocar o negativo, o papel junto, abrir à luz, dar-lhe o banho da revelação... Tudo à velocidade de quem não exaspera o romeiro na sua tarde de romaria.
Conhecem todos os avanços recentes da fotografia. Mas o Avô deixou-me o ofício... E lá calha... Em dias de festa, duas crianças empurradas para cima de um cavalo-baloiço (tive de arranjar algumas destas negaças), as ferozes beijocas dos namorados - a gente embrulha-as num coração com a data escrita e a localidade: Santa Luzia, S. Torcato... - de olhos fechados, mãos como sardaniscas naquelas costas, sem quererem saber do passarinho. Aqui atrasado, no S. Bentinho da Porta Aberta, eram dois marmanjões, a cabeça rapada e a barba de três dias, mas tal como fossem homem e mulher!!! A falarem francês, os sem-vergonha. Só por isso largaram mais dez euros pelo retrato. Ide lá dar beijos pró...