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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Machado, Fm

João-Afonso Machado, 29.07.18

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Foi em 1975 que travei conhecimento com Eric Clapton. Uma oferta de um amigo - Eric Clapton's Rainbow Concert - como se depreende um LP alive e acompanhado de Peter Townshend, Steve Winwood, Jim Capaldi e uns outros. Uma delícia! E depois foi sempre a ouvir, por estes anos todos adiante.

Agora, no Hyde Park, Clapton terá realizado um dos seus últimos espectáculos em palco. (Steve Winwood também lá estava.) Os anos não perdoam - tocou Layla muito devagarinho, Lay Down Sally nem tanto, gozando sempre aquela sua wonderful tonight. 

E finalizou em grande, a encher o parque inteiro, com o Cocaine que aprendeu com o J. J. Cale! Memorável!

 

 

 

"As «máquinas infernais»"

João-Afonso Machado, 26.07.18

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Vão lá muitos anos, a malta do INA fugiu às aulas e veio a Famalicão assistir à passagem dos craques do Rali Vinho do Porto. Tenho bem presente o episódio. Parte de nós posicionou-se em Moço Morto, porque os concorrentes seguiam na direcção de Guimarães, e foi aí – relevo o momento – a última vez que vi em vida e conversei com o saudoso Director do Ninho, o colégio da minha Primária, o Dr. Mário Victor de Oliveira. Um amante e praticante do desporto automóvel, enquanto a saúde lhe permitiu, sempre “brincando” com o seu Morris 850 azul-bebé e depois com o NSU laranja.   

Nesse 1977 (o seu último ano cá) falámos de trivialidades, do seu mal-estar, de coisas que me ficam na memória ditas por aquele Amigo já tão debilitado. 

Era o tempo de “volantes” célebres como Walter Rohrl, Markku Alen, Henri Toivonen ou Hannu Mikkola. Ele, o Dr. Mário Victor, coitado, assistia á passagem sentado no seu Citroen GS.

Foi nessa altura, entre tantos dizeres sábios da rapaziada, em ouvi da boca de um figurão, colega de Santo Tirso, a expressão - «máquina infernal». Quando um desses Fiat, Talbot, Escort ou Mercedes – já não sei precisar – troava na sua rota. E, de imediato, as dúvidas existenciais atropelaram-me no caminho da minha vida.

Pensei cá comigo - «infernal», vinda dos infernos. Logo castigadora, má, imprestável para a prestabilidade. Mas ali não cheirava a sulfuratos, nem ardia o calor do pecado. Seria porque nos baldámos às aulas? Não, nem assim. O Colégio nos ensinou depois isso. Entenderia, - «infernal» porque infalível. O contrário da Teologia.

Poderia ser só um dito tirsense, sempre “malaico” (no dialecto deles), assinalando um caminho íngreme para as trevas do resultado final da competição. Um resultado inexcedível.

O termo pegou. A velocidade automóvel em competição ficou pejada de «máquinas infernais» Seriam essas que, ainda agora, participam no Rali de V. N. de Famalicão.

Uma prova que aspira a um lugar no Campeonato Regional do Norte de Ralis. Decorreu recentemente e assisti à classificativa entre Mouquim e Jesufrei. Junto a uma bonita curva, onde tirei belos retratos e apanhei um susto quando um Clio começou a fugir de traseira e bem me podia ter apanhado. Aliás, não presenciei, mas soube de uns tantos despistes.

Foi um dia de secar o leite às vacas, caso as houvesse ainda. De muito ruído, de motores a falharem aos estalos, intestinalmente incorrectos, subidas fora pedindo a ajuda das caixas de velocidades. Para manterem o ritmo. Com algumas máquinas de antanho persistindo num “sim!” histórico, português.

Recolhido ao sossego do campesinato, ainda assim bato palmas a este evento. Que me faz lembrar outros de antigamente, sob o terreiro da minha Família, loucura absoluta, porque Famalicão gosta de automóveis e corridas, eu também, e quem sabe conduzir desta maneira é mestre, logo tem de ensinar.

 

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 26.JUL.2018) 

 

 

 

 

A florzinha do MI5

João-Afonso Machado, 25.07.18

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A multidão era a perder de vista, comemorava-se o centenário da Royal Air Force, e a Grã-Bretanha, como toda a gente sabe, tem-se visto aflita com o terrorismo. O policiamento estava severíssimo, profissionalíssimo.

Britânicos (cada um com a sua Union Jack) e turistas, aos milhares e milhares. Comprimidos contra as grades, enquanto não os sobrevoavam as venerandas esquadrilhas. Os guardas, impávidos, também aguardavam.

Nesse interim, a máquina fotográfica entrou em missão. Entretendo-se. Mas ao terceiro retrato de um polícia carrancudo, nem aqueles chapéus impares lhe valeram: enfastiou-se.

Foi então que a viu. Sobre o baixinho mas muito bem proporcionada. (Devia ser uma sumidade em artes marciais.) Trazia na mão uma granada, destas mais modernas, mesmo parecidas com uma garrafa de água. O restante armamento com certeza o esconderia no seio, seguro pelo colete anti-balas.

Aquela fotografia seria a flor rara da sua colecção!

Mas a agente, movida por um sexto sentido qualquer, de cada vez que a máquina lhe era apontada, resguardava as faces, cabriolava, como se em seu redor fosse já só fumo e estilhaços, o holocausto.

Era uma agente secreta, um elemento do insondável MI5!... Treinada para tudo - tão secreta que se disfarçara de uma vulgar passa-multas. E nisto - nessa vigilância quase cândida e nessa aparente timidez - se andou a manhã inteira.

Chegou, enfim, a hora de desmobilizar as hostes. Numa derradeira tentativa, a máquina focou-a. Uma máquina portuguesa, inofensiva, sofredora, só não cantando o fado por carência de voz. Campesina, bucólica, muito parola...

Então a agente especial condescendeu. Um olhar, um sorriso (esplendoroso) a aproveitar a distracção do chefe. Sempre com a granada na mão e a mão na cavilha. Mas linda, linda (perita em artes marciais), tão simpática e acolhedora, exclusiva para a pobre máquina portuguesa.

 

 

Apanhados (XVI)

João-Afonso Machado, 23.07.18

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Os Bm's. Assim a rapaziada e a meninada se habituou a tratá-los. Revejo-me nos tribunais - até os meus Colegas também usavam estas abreviaturas. Eram (e são) parte das magníficas artes automóveis alemãs.  Caíram de pára-quedas em Portugal na Década de 70 do século passado - cronologia ainda difícil de adoptar - e imperam como só essas gentes sabem.

Aqui, pelas estradecas do concelho famalicense, um BMW 2002. O suprassumo de então. Note-se: está em competição. É num rali, mano a mano com as máquinas mais possantes da actualidade.

 

 

 

Uma vida que volta

João-Afonso Machado, 20.07.18

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Naquele fim de tarde, andava lá um rato na manduca da comida do canário. Espertissimo, os olhos maiores do que ele (aliás, mínimo), fugiu sem dar tempo de lhe lançar as unhas à cauda. Os ratitos usam os dentes, a coisa não pode ser à mão fechada, mas depois rapidamente se habituam a correr ao longo dos braços e outras proezas mais. São um brinquedo.

Esta é a vida escolhida, não seja ela tolhida. Canários, ratos, gatos e cães. E o que mais vier. Naquele quarto pequenino, duas janelas para o terreiro e os sonhos. Usando uma expressão fácil, corriqueira e inconsequente - vivendo um dia de cada vez. Estão lá os livros dispensados da biblioteca. Mais um Cristo sem braços. Armas, duas de colecção, na parede, e uma automática para o fogo de alguma noite acidentada. A cama é de ferro (os ratos não a sobem) e uma mesa a um canto para a escrita, com um lusicús a alumiá-la. Se tudo falhar há ainda o recurso ao candeeiro de petróleo. Chama-se a tudo isto o felicíssimo regresso à vida no campo. O tal sonho.

A vida no campo!... Ah!, em quantas páginas ela não se esgota em vivência, mais não seja à varanda, agora que os milhafres cuidam dos seus ninhos, O tempo o Pai levou, e cada arbusto é uma história!

Assim cada dia seja a vez que anuncia o dia seguinte. Até ao fim dos dias. Com o passarinho, os ratos, a espingarda e a ameaça tola dos "zés do telhado". 

 

 

 

Machado, Fm

João-Afonso Machado, 17.07.18

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Depois de muitos anos de vinil e CD's, finalmente ao vivo - Carlos Santana! Foi no Hyde Park, uma hora (a passar) inesquecível. De trazer lágrimas de comoção e saudade daqueles velhos tempos.

 

Ouvimos muitos dos seus sucessos de sempre. Para nós, latinos, estava destinado este Oye Como Va.

Bem, obrigado. E até sempre!

 

 

"António Feijó - um poeta monárquico"

João-Afonso Machado, 15.07.18

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Admitindo a dúvida – isto é, erguendo-se alguma voz questionando as convicções monárquicas de António Feijó – sempre poderíamos retorquir – se nunca se afirmou republicano é porque não o era… Ou – se manteve as amizades que foram suas toda a vida, será de deduzir comungava do mesmo credo político; o lado aguerrido, aquele que necessitava manifestar-se, marcar presença, era o dos minoritários próceres da República. Haja em vista Guerra Junqueiro, por exemplo; os demais limitavam-se a fazer a sua arte, ou a cumprir o seu ofício, e assim foi com Feijó. Sem embargo – enquanto poeta – da sua académica inclinação para o positivismo, do seu posterior parnasianismo, do sempre seu essencial lirismo. Onde outros viam a sociedade macerada, a severidade do quotidiano na cidade, António Feijó regalava-se – ou sofria as saudades – do seu rio Lima.

Escrevi há anos um livro intitulado Minhotos Diplomatas e Amigos – A Correspondência (1886-1916) entre o 2º Visconde de Pindela e António Feijó. Trata-se de um trabalho transversal à história política do País e à familiar dos dois intervenientes, conforme ambas emergem das cartas que trocaram ao longo de 30 anos. Frise-se: um e outro unidos por fortíssimos laços de amizade, sem qualquer cerimónia em defenderem pontos de vista opostos, exteriorizando um notável sentido critico, muitas vezes pondo em causa certas e determinadas atitudes do Rei, mas jamais deixando cair qualquer dito contra a Instituição Real.

E, realçando essa fraterna ligação entre o Visconde de Pindela e António Feijó, aqui deixo um poema que este, lá de Estocolmo, enviou ao amigo comum, Isidoro de Magalhães, comandante de uma unidade militar aquartelada em Valença:

 

Aqui tendes, major, numa estrofe mortiça

O desejo, a ambição destes dois retratados:

Oito ou dez colossais melões da Vilariça

E dois toneis de vinho verde engarrafados.

Se em Âncora ou Caminha houver Pedros e Paios,

Pelos ferros-carris, sem hesitar, mandai-os.

O vinho é para mim; Pedros, Paios e aquela

Delícia de melões – tudo para o Pindela.

 

Neste enredo, poderão introduzir-se ainda outros personagens. O principal dos quais, o Conselheiro Luís de Magalhães, sem dúvida, decerto o mais íntimo de Feijó. Este um dado muito importante, atenta a acidentada e assertiva vida política do filho do célebre José Estevão. Quer quando sobraçou a pasta dos Negócios Estrangeiros, durante a governação de João Franco, quer pela sua actividade conspirativa após 1910.

Mas dois simples excertos de uma carta transcrita do sobrecitado livro, com data de 24 de Abril de 1906, chegarão para comprovar a fidelidade do poeta limiano ao Trono. No primeiro, não deixa de abordar a intriga político-partidária que tanto desgastou o regime: «De Lisboa só me escreve teu Irmão [o Conde de Arnoso], e esse, coitado!, a política causa-lhe tantos dissabores, que nem dela me fala. [José Maria d’] Alpoim raríssimas vezes me escreve, e sempre de fugida. Resta-me como informador o Luís de Magalhães. Este, porém, há imenso tempo que me não escrevia, muito ocupado com variadíssimos negócios. Recebi ontem, porém, uma carta dele falando-me da fusão confidencialmente. Confidencialmente também te digo que o Luís se opôs, como era de prever a essa híbrida aliança e que se recusou a ir à Câmara com votos dos progressistas». E adiante, a propósito da vinda a Portugal do presidente da República francesa: «A visita de Loubet foi uma coisa pavorosa pela exibição das forças republicanas. Ninguém fez caso disso e continuou todo o mundo a asnear. Agora foi a Marinha, amanhã serão as forças da terra, e um belo dia a guarda municipal. Depois será o que Deus quiser

Absolutamente premonitório!

A 19 de Maio desse mesmo ano de 1906, em outra missiva, manifestava a sua esperança em, no novo governo, «o nosso Chefe será o Luís de Magalhães, se ele aceitar, o que duvido». Tem palavras pouco simpáticas para com o dirigente regenerador, Hintze Ribeiro, e outras de expectativa, relativamente a João Franco, não crendo que «os republicanos se acalmem porque é ele o seu maior inimigo». E dois dias após, em outra carta, declara abertamente o seu franquismo: «O Governo actual pode fazer muito se não tiver a pretensão de fazer coisas grandes e se contentar em fazer coisas boas. Portugal é um doente combalido. Se lhe derem remédios enérgicos acabam com ele. Tenho uma esperança, embora ténue. Deus queira que me não engane».

Em muita outra correspondência transcrita naquele livro vamos encontrar sinais evidentes do monarquismo de António Feijó. E da lúcida visão política, às vezes tão pouco expectável em alguém tão essencialmente poeta. Justamente em 1906 morre, muito novo, o 2º Conde de Arnoso, João Maria Rodrigo Pinheiro da Figueira e Melo, oficial da Armada e sobrinho do Visconde de Pindela. Pertence-me um original manuscrito, datado e assinado por Feijó, de um soneto que lhe dedicou:

 

Como um dos seus avós em justas e torneios

- Pais de Abranches, que foi dos Doze de Inglaterra,

Com uma ânsia de glória, em altos devaneios,

Corre o mundo, de mar em mar, de terra em terra.

 

Não leva escudo, o moço ilustre, nem couraça,

Que o tempo é vil; mas como arnês de paladino,

Leva a honra e o valor de toda a sua raça

- Grande exemplo a apontar-lhe o mais nobre destino!

 

Mão na espada, a entrever combates, a alma pura,

Já belo, dessa estranha e amarga formusura

Que o fim próximo imprime aos vencidos da Sorte,

 

Vai na tolda a sonhar, - sonho feito em pedaços!

 - Pais de Abranches voltou com a noiva nos braços,

Ele… voltou também, mas nos braços da morte!

 

Uma questão final ainda. Qual o percurso de Feijó após a implantação da República? Mais um adesivo ao novo regime? É certo, manteve-se no seu posto, à frente da legação portuguesa em Estocolmo. Necessariamente passaria a obedecer à República e a republicanos. Mas não havia como evitá-lo. Era um homem casado, pai de dois filhos e sem fortuna pessoal. Ainda assim, não mais regressou a Portugal senão após a sua morte, quando foi trasladado para Ponte de Lima. Mas, enquanto vivo, manteve sempre a troca de cartas com o amigo de Pindela. E, sabedor do aproximar do fim do 1º Conde de Arnoso (Bernardo), buscava novidades dele através de Luís de Magalhães: «Há dias tive um pressentimento de que o mal se tinha agravado e telegrafei para Pindela a pedir notícias. Já o nosso querido Bernardo tinha morrido! Imaginas a minha atribulação. Tudo se desmoronou em volta de nós

 

Realmente assim tinha sido. Com toda a sorte de males e o tempo muito empenhado em levar as pessoas. António Feijó entregaria a alma ao Criador em 1917; o Visconde de Pindela em 1922. Antes, todavia, nos seus tempos gloriosos de vate limiano, dedicou-lhe em Sol de Inverno o poema A Cidade do Sonho:

 

Sofres e choras? Vem comigo! Vou mostrar-te

O caminho que leva à Cidade do Sonho…

De tão alta que está, vê-se de toda a parte,

Mas o íngreme trajecto é florido e risonho.

 

Vai por entre rosais, sinuoso, e macio,

Como o caminho chão duma aldeia ao lugar,

Todo branco a luzir numa noite de estio,

Sob o intenso clamor dos ralos a cantar.

 

Se o teu ânimo sofre amarguras na vida,

Deves empreender essa jornada louca;

O Sonho é para nós a Terra Prometida

Em beijos o maná chove da nossa boca…

 

Visto dessa eminência, o mundo e as suas sombras,

Tingem-se no esplendor de um perpétuo arrebol;

O mais estéril chão tapeta-se de alfombras,

Não há nuvens no céu, nunca se põe o sol.

 

Nela mora encantada a Ventura perfeita

Que no mundo jamais nos é dado sentir…

E um beijo só colhido em seus lábios de Eleita,

A própria Dor começa a cantar e a sorrir!

 

Que importa o despertar? Esse instante divino

Como recordação indelével persiste;

E neste amargo exílio, através do destino,

Ventura sem pesar só na memória existe…

 

É, nas exímias estrofes de Feijó, o hino melhor cantado ao sonho de ambos, à razão de tanto criticismo e azedume político nas suas missivas – a distância a que se sentiam do almejado Portugal perfeito. Mas, insisto a terminar, sem uma palavra de ambos contra a Instituição Real, que sempre serviram fielmente.

 

(In Real Gazeta do Alto Minho, nº 16)

 

 

 

Londres

João-Afonso Machado, 14.07.18

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São todos os monumentos e lugares célebres que desde as aulas de Inglês nos ficaram nos ouvidos, visitáveis uma, duas, três vezes. Os ícones de um reino único. Mas Londres é muito mais.

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Desde logo, é a Família Real, na varanda de Buckingham Palace ou algures, em qualquer ponto do mundo britânico. Sempre perante o clamor geral que se alevanta com o seu surgimento. Turistas? Há-os muitos, mas a maioria dos tantos milhares de seus admiradores é britânica.

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É ainda uma história onde pululam momentos de horror, longos trechos literários. Porque Londres tudo conta, com todos os pormenores. Mormente a partir da sua "sinistra" Tower e da ponte vizinha, a mais afamada.

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E é, finalmente, os parques, os animais, o descanso das gentes e um almoço feito de sandwichs, uma mescla alucinante de povos, modas e bizarrias. Onde - regra santa -  impera o respeito pelas tolices de cada um, nesta cidade onde habitam tantos quantos são os nossos portugueses no nosso Portugal.

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Mais continuaria a escrever, não for a certeza de ter visto Fagin e a sua tropa canalha, dobrando a esquina com ares de quem prepara grossa patifaria. Corro a gozar o momento dickseniano...

 

 

 

 

"A limpeza da poça das rãs"

João-Afonso Machado, 12.07.18

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Quando os verões se portavam naturalmente, a rega das culturas nos campos e hortas tornava-se uma questão premente, regrada por rigidíssimos costumes. A água do ribeiro era pouca mas era a dividir por todos, conforme usos ancestrais praticados por gerações e gerações consecutivas. E as poças eram os reservatórios dessa água escassa e milagrosa. Urgia, pois, tratar delas, quero dizer, limpá-las, expurgá-las de tantas plantas aquáticas que as transformavam numa reduzida superfície alagadíssima, pantanosa, pouco recomendável aos distraídos.

De todas, a poça das rãs seria a maior. E, uma vez por ano, os interessados (ou os seus assalariados) reuniam-se, arregaçavam as calças até aos joelhos, descalçavam-se e metiam-se ao lodo. Com engaços, enxadas e forquilhas. A libertar as águas daquela floresta rasteira onde os batráquios eram ruidosos e aos milhares; para lhes abrir caminho através dos regos que serviam as quintas vizinhas. A limpeza da poça das rãs era, para a miudagem, uma manhã de festa.

As mãos firmes nas enxadas arrancavam os tufos de ervas com as respectivas raízes; os engaços ajuntavam-nos; e as forquilhas lançavam-nos às garfadas para o carreiro que ladeava a poça. Sobrevinha um cheiro a lama, a águas estagnadas e castanhas de tão revolvidas. Uma papa a querer escorrer para a origem. E rãs e mais rãs e mais rãs – centenas delas, vindas nesses arremessos das forquilhas – aos saltos com molas, dirigidos ao seu elemento natural. Já por aqui se percebe o nome da poça… A brincadeira consistia, então, em apanhá-las, nesse tremendo exercício de destreza.

Mas não só. Havia ainda a caça grossa, encargo que recaía sobre aqueles valentes que se lançavam às profundezas da poça de pés descalços. Invariavelmente, em cada caçada, – isto é, em cada limpeza – uma cobra velha, dessas compridas e coleantes, autênticas jiboias; e uma enguia – um eirogo – como o braço de um homem de tamanho, que por ali pararia para a engorda com a bicheza menor. Era uma tradição que não me ocorre alguma vez fosse quebrada, a da cobra e do eirogo. Logo mortos à sacholada, ela atirada à nossa observação atenta, num canto qualquer onde em breve zuniam as moscas; ele levado à cozinha e despojado da pele, pendurado num ganho do tecto, como um troféu orgulhoso, - um apetecido petisco.

Porque assim rematava a manhã: com o almoço na cozinha da lavoura da minha Família. Precedido do indispensável lava-pés no tanque do quintal e do retorno aos socos de madeira, que estávamos ainda no tempo deles. Não no actual, em que os motores de rega extraem a água do ribeiro e os aspersores lançam-na sobre o milho. A poça das rãs é agora delas apenas. E das cobras e talvez mesmo dos eirogos; e, nos invernos, de uma garça que poisa ali e se sacia à vontade.

Há quatro décadas não faltavam voluntários para tratar dela. E saborear uma malga de caldo, umas tantas de vinho tinto, mais a travessa toda do presigo.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 12.JUL.2018)

 

 

 

Quase mártires da liberdade

João-Afonso Machado, 11.07.18

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O episódio é verídico, rigoroso, ocorrido em plena Lisboa. Eles eram três democratas com a cabeça a prémio. A fuga tornara-se imperiosa. Valendo-se de alguns sofisticados meios tecnológicos (felizmente ao dispor), o mais novo, mais afoito, conseguiu estabelecer contacto com um resistente destacado para auxiliar a evacuação (salvo seja) dos aflitos.

A cidade dormia quando o operacional surgiu silenciosamente, num automóvel vulgar, conquanto limpo e dotado de boa música na telefonia, completa a ausência de futebol no seu habitáculo. A viagem para o aeroporto decorreu sem sobressaltos, rapidíssima. Nada de palavras de ordem, de diatribes políticas, de populismos travessos. Tudo fora combinado, o desembarque processou-se discreto, instantâneo, mesmo nas barbas das viaturas verde-negras ou bejes dos guardiões do regime.

A ditadura taxista sofrera mais um revés, sobretudo quando, muito ao longe, ouviu gritar:

- Uber alles!!!

 

 

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