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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Do fundo do lago

João-Afonso Machado, 20.06.18

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Vieram escoceses com a incumbência de escavar o lago e torná-lo o desejável mistério, algures entre o convidativo e o assustador. Vieram de kilt e picareta e gaita de foles, vieram do frio carregados de histórias antigas para semear nestas bandas. Isso contou-me o meu Bisavô, um certa noite em que nos avistámos no futuro e conversamos sobre inovações de então. Era necessária a lenda, o drama submerso no breu de águas profundas.

Foi como chegou a temível Barbadão, a todos arranhando o coração, por alguém jamais visto. E uma mão cheia de serpentes, sobretudo depois dos nenúfares e dos jacintos, os tritões trepando as espirogiras para respirarem, logo voltando ao fim dos infernos, e as rãs coaxando nas margens, nas folhas poisadas na água. E os peixes e o silêncio das libelinhas. Mais o fantasma do velho texugo que uma noite se afogou de cansaço, incapaz de saltar cá para fora.

Mas, ainda assim, atravessa-o a força dos remos da miudagem, em botes de borracha, um mais recente toque tropical, amazónico, do grande lago do lodo insondável.

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De resto, o lago rotinou-se neste ciclo, como viver sem um segredo por descobrir, bom ou mau seja ele? As gerações sucedem-se umas às outras e os episódios de antanho, morrendo, levam-nos para o sepulcro consigo. A obstar a tal crueldade, lá está o lago, ou não se desse o caso de a Vida ter emergido da água há milhões e milhões de anos. Talvez tivesse sido de algum antepassado deste, numa primavera pré-câmbrica, logo depois do jardim, cinzento de calhaus e poeira, vermelho da insuportável temperatura onde voava o fogo dos ventos.