"O Ignacio que renasce"
Nos Anos 60 do século transacto, a catequese em S. Tiago da Cruz era uma instituição. Capitaneava-a um grupo de senhoras da terra que buscavam em Braga contingentes, mais ou menos empenhados, de jesuítas noviços, a ajudar à festa. Todos de batina e cabeção ainda… Quem, na freguesia, não se lembra do moçambicano Irmão (hoje Padre) Ezequiel? Ignoro ao certo porquê, a catequese dava-se melhor com o frio do inverno do que com um clima mais aliviado, e era a manhã toda de domingo, depois da missa das nove e meia. Lá comparecia a miudagem oriunda dos quatro cantos de S. Tiago da Cruz, sem hipótese de dispensa, praticando ainda o uso da roupinha de ir ver o Senhor, o manual exegético e uma sebenta para apontamentos debaixo dos braços, estes muito coladinhos ao corpo para que a papelada não caísse, e as mãos a refugiarem-se nos bolsos das calças daquelas terríveis temperaturas matinais. Em boa verdade vos digo: o início dos domingos, essa época, não eram particularmente divertidos.
Mas tanta conversa para quê? Apenas porque entre tanta criançada, tantas existências depois dispersas pelo planeta, em busca de dias melhores, uma se destacava, a Paula, também ela chamada, mais tarde, ao cumprimento do dever moral de catequizar.
Catequizou na medida que entendeu a razoável e deixou S. Tiago da Cruz. Haverá aqui uma lacuna de quase trinta anos, sobre a qual omito palpites. Reencontrei-a um dia no Facebook. Era a Sra. Peliteiro. Tinha então um pequeno estabelecimento – uma pastelaria – em Fão. Não muito depois, um restaurante na Quinta da Barca, em Esposende. Eis, então, encontro ocasionalmente em Famalicão o seu Pai, o Sr. Amadeu Peliteiro, e o amável convite surge pronto – que comparecesse (no passado dia 6) em Braga para a inauguração do Ignacio, agora debaixo da batuta da Paula.
Do Ignacio? O santuário bracarense do bacalhau? A catedral gastronómica da cidade dos Arcebispos?
Esse mesmo. Parece que o culto atravessara momentos difíceis, de descrença, e a Sra. Peliteiro entrou em negociações, ficando com o restaurante. A reabrir muito em breve.
Evidentemente, fui. Agradecido, curioso e orgulhoso. Ainda por cima, o Campo das Hortas é de acesso facílimo, estaciona-se bem, e eu queria saber daquele velho prédio granítico de esquina, que uma minha conterrânea acabara de conquistar de faca e garfo em riste, a impor a marca da gente de cá na sede do distrito. Assim fui espreitando e tomando notas de memória.
Do antigo, a arquitectura mais característica fora preservada. A novidade estava em outra luz, outra cor que parecia movimentar-se com outra alegria. A ideia é a da cozinha tradicional minhota, com o toque pessoal da Sra. Peliteiro. Explorando subtis diferenças como, por exemplo, as que opõem as papas de sarrabulho bracarenses às famalicenses. E, servidas as ditas papas, todos percebemos muito melhor esse apuro, senão à primeira, à segunda ou à terceira tentativa…
Mas – frisando sempre a excelência do lanche servido – sensibilizou-me particularmente o momento em que a Paula subiu uns degraus da escada de acesso ao andar superior e, rodeada do seu staff, anunciou o renascido Ignacio. Explicou os seus objectivos, agradeceu a quem lhe era merecedor de agradecimentos, cumprimentou o Presidente da Câmara de Braga, os demais presentes. Sempre sorridente, com a maior simplicidade, com graça, à-vontade e muita afabilidade. A cativar ali, fatalmente, o carinho da assistência. Por isso lhe prometi uma visita para breve, com amigos de fora, de longe. Ainda El-Rei de Portugal jantará um dia no Ignacio!
Muitos parabéns, as maiores felicidades a este empreendimento da Sra. Peliteiro!
(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 14.JUN.2018)