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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

O tuc-tuc patriota

João-Afonso Machado, 02.06.18

TUC-TUC.JPG

Lembrara-se daquele triciclo motorizado que o pai utilizava no transporte de bilhas de gás e foi uma start-up, talvez a primeira lá da terra. O Celestino, sempre mágico, e umas horas de chaparia e solda, mais uns retoques na pintura e nas coberturas, fizeram o resto. Viveu a vizinhança, então, uma sensação ímpar - nascera o primeiro tuc-tuc ao norte do Douro!!!

Cheio de fé em tão afinadinho motor, pôs-se à coca na estação dos comboios, onde sempre desembarcavam um ou outro turista sem destino e, por isso, sem horizonte para taxistas.

Ainda assim, à cautela, trazia consigo o penico. Daqueles com abas em couro das orelhas para baixo. À moda do grande Giacomo Agostini, obviamente sem a bandeira italiana pintada. Não, a sua peniqueira dividia-se em duas metades, uma vermelha e a outra verde, com algo amarelo no cimo, assim a modos de uma omolete. Isto porque o dono do quiosque da central de camionagem, volta e meia, ligava-lhe para o telelé, a avisar - acabavam de sair do autocarro uns estrangeiros de mochilas às costas, olhar perdido. E ele, empenicado, arrancava desabridamente, atravessava a vila, a curvar com o joelho de fora (como na televisão e o grande Agostini), antes que eles tomassem o rumo do Alto Minho ou do Litoral, outras paragens deslealmente concorrentes.

Depois, já com os turistas no papo, levava-os a visitar a terra: a câmara municipal, a igreja matriz, o jardim público e aquele conselheiro que empedernira de braço estendido e a boca aberta. Os seus acompanhantes bem lhe perguntavam

- Who's that?

mas ele, com a vaga noção do tom interrogativo da expressão, declamava sobre a edilidade, as flores dos canteiros, o génio percursor do Conselheiro Fernandes. Na lingua pátria, evidentemente, aquela que lhe fora dispensada quando se afoitou lá, nas paragens deles.

E, na primeira oportunidade, enfiava-os no tuc-tuc e marchava para as freguesias rurais mais próximas.

Conhecia de cor as exclamações:

- So many cows!

- Beautiful fields!

- That´s all corn!

e respondia alto, para si,

- Pois é, filha, e ainda não viste nada...

num contínuo levantar de poeira a impedi-los de replicar. De regresso à vila, enfiava-os na tasca do Benvindo, no Bairro do Cardeal Cerejeira, a calá-los com carapau de escabeche, moelas e salpicão, tudo ensopado em tinto de Amarante. Recebia do Benvindo a comissão respectiva. Depois, era o cuidado de os levar a bom porto,

- Ela já se me atirava ao pescoço...

quer dizer, à pensão onde nova comissão o aguardava. Pelo meio, o doce sabor da vingança do jugo saxónico - pelo Ultimato e, sobretudo, por aquele passeio a Londres, onde mais não pudera senão alimentar-se na Pizza Hut. Não!, cem vezes cem comeria do bom e do melhor à custa dessa tarifa especial-bifes.