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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Prós Aliados, carago!

João-Afonso Machado, 30.04.18

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Esfuziante, ergue os braços perante o repórter. Oh! massa poderosa, sumo dos mais consagrados japoneses, padeira de aljubarrota, bandeirante de muitos hectares de bandeira... Pois claro, dali segue para os Aliados. - Bou eu e bai o meu home! Bamos todos, o puto também! . - Mas ainda falta um ponto para o Porto ser campeão... - Falta quê?! Falta nada chefe! Já é!

Excitação total. E se amanhã é dia de trabalho, o trabalho que espere pelo dia. A noite será longa. - Carago!

Há muitos anos deixou de olhar para si. Entre o trabalho e a cozinha não há espelhos... Mas só de pensar em blusas com mangas já sua cavalarmente. E este é um dia diferente (- carago! -), um dia de liberdade. O home, tão ferrenho assim, vê-a com bons olhos nos Aliados. É substância, é megafonia acrescentada à multidão. Uma vez por outras, a cortar no rame-rame, sendo tanto o alarido e a hipótese de a TV os entrevistar...

Todos a vimos. Isto é o futebol na sua fase culminante, o pós-jogo. A vitória sobre esses inúteis de Lisboa. - Nós cá somos assim, carago! - Mas houve desacatos, briga nas ruas... - Foram eles, polha, foram esses vadios que começaram a apedrejar os nossos! Arfando, bota a mão ao seio e cobre o decote.

De Pedras Rubras aos Aliados a viagem promete. Ela ameaça sentar-se na janela aberta da viatura, atropelar os transeuntes com as suas nádegas de fora. - Oh moço, tens aí a tua bubuzela?

Seja-lhe feita justiça. Antes de finais de Junho, só lá para o S. João, não terá outra oportunidade de se divertir assim. A vida é mesmo muito monótona.

 

 

Enquanto o baile não findar

João-Afonso Machado, 27.04.18

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Do rodopio sobre si mesmo à órbita solar, o planeta valsa. Agora talvez num compasso mais tranquilo, o maestro quase penteado, a orquestra num instante de descontracção. Neste canto da sala, apenas um grito triunfal, o de uma dama que aproveitou o feriado e estreou a praia.

O mais são as incómodas casacas que apenas o Tempo, uma a uma, despirá. Sempre sem alguém adivinhando em que volta do baile lhe calhará a sorte.

Por ora, apenas a luz incidindo sobre a escuridão, e o firmamento prometendo amanhecer de azul. Lá fora somente circula o quotidiano e um ou outro vago ideal. Os fins de tarde poderiam conter ditos até sem sentido, mas ainda assim bonitos. Todavia não há cisnes no lago, apenas patos... Não prevalecesse o sangue-frio, a vida seria realmente aflitiva.

É a melhor altura para uma pausa, um charuto fumado à varanda. O criado afasta o reposteiro e os coriscos ao longe são o prenúncio do recrudescer da valsa. Ao ritmo das chamas ou das ondas do mar?

 

 

 

"Eternamente"

João-Afonso Machado, 25.04.18

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Sabes agora o horizonte é sem fim a vida

imparável linha fugidia

 

seja nas águas, ou ao cimo do monte

ora de noite ora de dia.

 

Sabes-te caminhando a perguntar

até quando?

 

Encaras os ventos e a chuva e o sol

como se todos iguais tão díspares

momentos

 

mas jamais chegarás onde te colham

tormentos, horas más

 

apenas porque o horizonte é a eternidade do Tempo

contraste da distância

onde muitos já reencontraste

e outros abraçarás.

 

 

 

 

Formigueiros de letras

João-Afonso Machado, 20.04.18

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Em passinhos curtos, as palavras buscam no chão o seu sentido. Dispersas por todas as letras do abecedário. É um formigueiro e, na toca, talvez tenha permanecido apenas o "a", que já de si é amor, ambição, amizade, alcance, atenção. Foram dele as ordens - ide! Vai convosco a Cross de tinta permanente (aquela que se engasga sempre com qualquer partícula de pó, e borrata um pouco, às vezes)

A história é um livro todo. Apreciei o episódio do "p" a picar a pedra, a picar, a picar, tanta persistência, depois lá no fundo, como um "b" de buraco (bruscamente), as botas a barrarem-lhe o beco de que saiu a quatro, houve quem risse - quê!quê!quê! -  quimeras, quem diria, o "p" torcido em "q".

Um dia e tal! O "u" chorou ao sentir-se-se o último não fora o "v" ver-se grego, o "x" não resistir a um desafio de xadrez e o "z" se zangar e ziguezaguear como um zangão de flor em flor. Completamente zuca, para desespero da Cross já zonza.

Ainda pouco à vontade, muito amparados no itálico, o "k", o "y" e o "w". Mas a sua hora plena chegara - you know this wonderfull world...

Enquanto isso, o "c" cofiava a cedilha e prosseguia a sua caçada, caraças, cautelosamente...

É assim, é. Se as letras não se conjugam e as palavras não se abraçam, a vida são rectas, meras distâncias económicas. O reino do @. Ou o pior que poderíamos pensar, querer e questionar, burros e básicos.

(Obrigado pela colaboração, "p", "q" e "b" e demais cambada alfabética).

 

 

"Pai"

João-Afonso Machado, 19.04.18

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No meado dos Anos 60 do século passado, o velho Carocha já fora muitas vezes a Lisboa, mas continuava o seu serviço diário aqui na terra, onde não havia quem não o conhecesse. Estacionava-se com facilidade na Rua de Santo António, e C. Lopes, Lda., A. de Sousa Lopes, Lopes & Costa eram os alvos mais atingidos. Para não falar naquele armazém fundo e escuro, ao lado da Casa Freitas, a que se ia por sacos de adubo. Vão lá muitos anos, mas já então a Vila conhecia o condutor do Carocha pelo seu bigode e cabelo assaz agrisalhados. Não obstante, pôr às costas 50 quilos de um produto ensacado qualquer nem lhe ficava mal, nem mal algum lhe fazia. Com o seu Português Suave sem filtro na boca. Era um homem simples e fisicamente bem constituído.

Depois foram as levas dos muitos filhos aos estudos – com passagem pelo Ninho, depois pela telescola, liceu, INA… Já então o velho Carocha podia mal consigo mesmo. Os Anos 70 assistiam à passagem dos Toyotas, Dyane, e outras modernidades mais – isto para ficar pelas máquinas da gente remediada – e o velho Carocha dera-lhe a ferrugem e uma chinfrineira enorme de chapa menos polida. O liceu assistia à sua chegada e partida com um sorriso de troça e uma ou outra boca a condizer.

- Pai, mostre como o nosso carro ainda anda!...

E o Carocha fez uma arrancada fulgurante, a disparar areia para trás, os pneus a cavar a pedra da rua, e desapareceu na curva quase em três rodas.

- Que tal? – perguntou o Pai depois?

Mas o liceu nem reparara… Uma gargalhada serviu para perceber que o seu mundo era outro, dotado de outras riquezas e sonhos. O sonho de uma lavoura próspera e modelar, por exemplo. Assim foi sempre o meu Pai.

Em boa verdade, passámos parte substancial da vida em desacordo e discussão. Quase diria, apenas nunca nos questionámos sobre o respeito devido à Igreja Católica e à Coroa d’El-Rei. Bom, na verdade nunca nos indispusemos os dois por causa da política ou do futebol. Contrapunha-nos, essencialmente, divergentíssimas visões do futuro.

Assim, sobretudo, desde que findei os meus estudos universitários. O cabelo e o bigode do Pai tinham-se tornado de um alvura sem par, a Vila respondia-lhe devidamente à dedicação que ele demonstrava por ela, e eu próprio começava já a não esconder uns fiapos de barba branca… Não tardou, as vindas do Pai a Famalicão, todos os dias, visassem somente a compra do jornal e de um macito de cigarros para depois do café.

Quando o Pai, há cinco anos, partiu o fémur e deixou de guiar não faltou quem me perguntasse pelos motivos da sua ausência e, não raro, desenrolávamos a invocar memórias até ao velho Carocha, ingloriosamente caído em combate, em 1975, – num estúpido acidente em Vila do Conde.

O Pai não gostava de ver sangue. Mas um dia, no Verão de 2010, entrando no carro depois de comprar o jornal, foi abalroado por um louco desencartado qualquer, e esmagado contra o betão do pilar de um atravessadouro. O Pai tinha 85 anos e os bombeiros demoraram 45 minutos a desencarcerá-lo. Não desmaiou e manteve sempre uma conversa certinha com os operacionais. À hora do almoço, sentou-se à mesa como se nada tivesse acontecido.

Entre os seus sonhos, o da criação de uma grande cooperativa agrícola e a união dos lavradores minhotos em prol da defesa dos interesses comuns. Eu suponho o sonho não tenha ido muito longe. Mas, ainda agora, andando a fazer um estudo sobre a lavoura de Fradelos, porta a que batesse solicitando dados, era porta escancarada ao saber o anfitrião de quem eu era filho. - A palavra do seu Pai vale uma escritura! - ouvi de muitos. Todavia, esse estudo, que eu tanto gostava o Pai lesse, não chegará a tempo. O Boletim Municipal atrasou-se e a doença do Pai não – veio e levou-o há uma semana.

Somos muito diferentes. As nossas vidas estarão sempre nos antípodas uma da outra. Mas a verdade é que a saudade está cá, e uma tremenda sensação de vazio também. Creio que são momentos necessários para que bem avaliemos o mérito e a falta dos que partem.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 19.ABR.2018)

 

 

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 16.04.18

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O  meu mundo tenta ir mais além. Mas sei de quem tenha ficado para trás. É o berço. Ninguém questionará esse o sítio mais feliz de uma existência. Ou a terra, mesmo de quem não tem terra, enquanto, cá fora, a geada nos enregela os pés.

Quem diria, essa geada é sinónimo de felicidade?

Eu queria-o de um corpo todo, eternamente todo, já que a alma não morre...

 

 

Da saudade ao que vai ser

João-Afonso Machado, 12.04.18

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A continuidade é uma premissa da História. Uma outra é a resistència das pedras e do ferro de boa têmpera. Também nos monumentos mas, sobretudo, nas ideias e nos gestos das pessoas. A continuidade e a História são florescências das suas raízes, mas conhecem quanto as possa desenvolver, tornar mais ousadas.

Assim as gerações evoluiram; assim se fortaleceram os elos da cadeia que materializa essa permanência. As gerações resguardam e inovam em nome do sempre. É o sentido de nós próprios.

De mim posso adiantar, conheço bem as águas de onde venho derivando. Agora, já no 15º elo daquela cadeia antes falada, Deus quis descansasse o meu Pai, que o corporizava. Só comigo foram 57 anos de convivência. Creio que o incomodei muito, à parte a ternura que lhe tinha e a saudade que sinto e irá em crescendo. Interrogo-me sobre o futuro... Possivelmente as minhas pedras, os meus elos desprendidos da cadeia, darão apenas para uma nova historieta, curta, mais ao género do romance de cordel, um dia à venda por poucos cêntimos num alfarrabista qualquer.

Os anos se encarregarão de contar melhor o sucedido, porventura desculpando a minha natural falta de jeito...

 

 

Cá fora, já depois da audiência

João-Afonso Machado, 09.04.18

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 Afinal foi almoço - esse o susto que me pregaram, mas, por acaso, estava tudo já alinhavado, como nunca vai de outro modo para a mesa. Foi o tempo de cavalgar Lisboa fora até ao Chiado, sem charuto, sem Casa Havaneza, sem A Brasileira, sem política qualquer. Pouco queirosianamente, apenas de blazer, o pior inimigo da máquina fotográfica. Um desastre, o belíssimo Largo Rafael Bordalo Pinheiro deixado por retratar, papeis e livros nas mãos, somente as duas somiticas mãos.

Revi a biblioteca, o eterno convite a um bom maple. As salas, os quadros, os bibelots do Circulo EQ. O serviço, impecável. Reencontrei gente de antes do tempo em que passei a usar o cabelo branco e a barba também. Aliás, entre os comensais, muitos minhotos e alguns transmontanos e durienses, com a conversa a fugir, a fugir, do Sul e a instalar-se cá em cima, muito em Chaves e Valpaços, já não sei porquê.

O cozido à portuguesa esplêndido. Carregado de bons paladares para escolher e deixar o parceiro seguinte à espera de pregar a mesma peça ao seu sucessor.

Quando chegou o momento de botar faladura, é como digo, umas notas, umas marcas em livros para qualquer citação, que a memória já não ajuda, e os olhos e a expressão nos circunstantes. Assimo o tempo passa mais depressa e esta advocacia sai mais escorreitinha. Nada de grandes discursos, nada de atropelo de palavras. Elas ditas devagar soam até com outro humor, mais divertidas. Como, acima de todos, Eça reclama e merece.

Advoguei o que soube. O juri aplaudiu. Quanto ouvi, a sentença veio favorável - Eça não plagiou. E, quem sabe, ele um dia não regressa por aí, e me faz um qualquer personagem de terceiro plano, um Taveira, um Cruges, ou um padre de Leiria, batido em Sintra ou na culinária do Oeste?

 

 

"Um, dois, três"

João-Afonso Machado, 07.04.18

Soam calados os acordes

em sinfonia dos dedos perdidos

 

- eis a orquestra!

 

Mas nada és senão o que mordes,

maestra, agonia

em tantos gestos sofridos

 

quantos os corridos, lestos

vagares de um abraço

em hemorragia de cansaço.

 

 

 

"Com o devido sigilo revolucionário"

João-Afonso Machado, 05.04.18

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Meu caro Amigo David:

Da magnífica caixa de biscoitos natalícios que me ofereceu, o princípio do que lhe posso dizer é que nunca comi coisa assim. V. foi buscar ingredientes ao fim do mundo e deu-os a mim, um habituado da “bolacha maria”. Já daí alcança o regabofe. É claro, estando atento, percebi o teor da sua mensagem. Aquilo equivalia a uma espécie de “Grândola, vila morena”, a la longue, mas igualmente fatal. Isto é, a revolução cavalga, o Verão é quase uma ilusão, e V. chama a si todos os revolucionários.

Obviamente, pode contar comigo. E, entre paladares de mel e canela, esperto por eles, ocorrem-me ideias. O enigma não será completamente difícil de decifrar – biscoitos natalícios…. Dia dos Reis… Estamos de alerta para o próximo 6 de Janeiro.

Certamente o meu Amigo tem o plano operacional já gizado. Permita-me alvitrar algumas ideias, oferecer modestos propósitos. Eu sei, as revoluções são todas iguais, há que começar por tomar os lugares-chave. E V. tem tudo traçado nos seus apontamentos.

Mas eu atrever-me-ia a recordar-lhe, a Imprensa é fundamental. A primeira movimentação das tropas dirigir-se-ia à Rádio Cidade Hoje – Mãos ao ar! – e uma lata de biscoitos a baixá-las, a colher aderências. Lá instalaremos o nosso posto de comando, como o Otelo fez na Pontinha. Depois, infortunadamente, não temos em Famalicão um aeroporto para ocupar. Resta-nos a central de camionagem, onde há bons amigos, gente de confiança. E a vantagem da sede do F. C. de Famalicão, um manancial de bandeiras e de cachecóis azuis e brancos a distribuir pelo povo, tal qual os revolucionários de outrora multiplicaram os cravos vermelhos.

Por fim, o armamento. Eu levo uma automática de cinco tiros, embora tenha de trocar os meus actuais cartuchos que comprei para os tordos. E o meu estimado Amigo? Já pensou? Há que actuar fundo na Câmara Municipal, flagelá-la, paralisar as forças autárquicas. Para isso posso dispor de um tractor em razoável estado de conservação e de duas peças de artilharia de carregar pela boca. Não sei o alcance do seu tiro, mas sei-as absolutamente estrondosas. Bastará, talvez. O caríssimo David não arranjará por aí um megafone?

Fica ainda o pormenor das forças de segurança. O quartel do Talvai e o da Avenida de França. Mas, quanto a isso, o meu Amigo certamente tem tudo delineado, de modo a que eu possa circunspectamente continuar a redigir e a ler comunicados da nossa Frente Revolucionária, emitidos aos microfones da Cidade Hoje.

A vitória é certa, meu caro, e expandir-se-à a toda a Nação. Ponto é, os seus biscoitos cheguem daqui ao Algarve e o seu mel, a sua manteiga, a sua canela, afastem de vez o espectro da crise. Na pior das hipóteses, sempre conseguiríamos refúgio em alguma embaixada no Louro, em Antas ou mesmo no Iraque, ressalvo, na Conselheiro Santos Viegas. E é fervendo de patriotismo que me despeço com as mais sinceras invocações da nossa bandeira e a fidelidade de sempre do

Seu correligionário

e amº sincº e devº,

JAM

P.S. Para todas as previstas operações necessitaremos de 200 ou 300 homens decididos. Algo que o meu estimado Amigo não terá dificuldade de encontrar daqui até 6 de Janeiro próximo. A nossa trindade D-P-R bem sabe dar tempo ao tempo.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 05.ABR.2018)

 

 

 

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