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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"Cá também há sável"

João-Afonso Machado, 08.03.18

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Eu compreendo muito bem o sável. Estou a vê-lo subir o Douro, os pescadores de uma margem e outra a fisga-lo, mas antes esse curso do que outras sujidades. Imaginem o sável, por exemplo, a tentar o Ave. De faróis de nevoeiro rio acima, as águas negras, e aí por alturas de Lousado a curvar à esquerda, no Pelhe, um caminho escalavrado, porco, cheio de buracos tapados por entulho, onde é que ele conseguiria chegar de barco a Famalicão? Com as margens bordejadas de pneus e plásticos, como nas bouças mal afamadas? O sável gosta de auto-estradas. E as populações ribeirinhas do Grande Porto gostam do sável. Canibalescamente. Por isso a sua chegada em Fevereiro é uma festa em Valongo, Gondomar, Gaia e por aí afora.

Nesta época, os restaurantes anunciam, em letras gordas, a fritadura do sável. Para mim, foram três décadas de abastança. Com os meus filhos, mais dados ao bife, mas não dispensando o parlapier do Sr. Manuel, o funcionário de um certo restaurante que frequentávamos, valonguense nato de resposta pronta e tão bem frita como o famoso clupeídio.

(Lembro aquela voz roufenha, dona das piadas, o bigode inconfundível e o seu sempre – Ora diga lá, jovem, o que vai ser hoje?! – Por onde andará ele, reformado há meia dúzia de anos?)

Também me banqueteei com o sável fumado, em inolvidáveis incursões em Arnelas (Gaia). Fumado, logo seco e salgado, a pedir encarecidamente mais branco fresquinho. Era só uma vez por temporada – uma vez líquida, torrencial, de onde o grupo de amigos – portuenses, trofenses e famalicenses – saíam a arejar para o Douro. Ondulavam canoas umas atrás das outras, em competição, e nós, sem pressa, ali ficávamos à espera da última, que já tinha chegado, e a juntar forças para a travessia da ponte sem afrontas policiais.

Tudo isto é o passado. Tão longínquo que eu diria já o sável uma espécie extinta, não fora a notícia recente – há sável em Famalicão!!!

Anuncia-o o amigo, Sr. José Carlos Azevedo. Explicando melhor: um antigo funcionário da casa C. Lopes & Cª, Lda., na Rua de Santo António, onde o meu Pai se abastecia de produtos agrícolas. Vão lá uns tantos decénios. Reencontrámo-nos agora no âmbito de pesquisas que vou fazendo em Requião, em que prepondera o seu restaurante D. José.

Logo para reatar amizades, a ementa incluía javali. O Sr. Azevedo foi como se me acertasse com zagalotes… E depois o sável… Com gente desta cepa, não há argumentos contra. Mais a mais, a flâmula azul e branca (dos vencidos eternamente vencedores) também se hasteia por ali…

O restaurante D. José nasceu em 1993. Já foi visitado por Sua Ex.cia Rev.ma o Arcebispo D. Jorge Ortiga. Esta minha insignificância também por lá se passeia. A semana transacta para o sável de escabeche; a próxima para o frito. Com grande desilusão, nesta altura do ano, se, à míngua do pitéu, tiver de optar pela especialidade da casa, o bacalhau…

Mas não, creio que o sável não deixará de comparecer ao encontro. Trocando, é claro, o acidentado percurso Ave/Pelhe pela comodidade da fragonete.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 09.MAR.2018)

 

 

Preparativos - IV - E os cães?

João-Afonso Machado, 07.03.18

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É que não marcho sem eles. E o rumo é o Sul, sempre mais o Sul. Então penso na viagem e nos perdigueiros. Claro, estamos habituados, vão dois no lugar do lado e a mais velhinha - pobre Tareja! - muito aconchegada, por norma a dormir, daqui ao fim do mundo. A questão é outra: onde e como mantê-los? São três.

Nas cidades é complicado. (Lembro a Minês, que, certa vez, uma yorkshire pensou ser um cavalo carnívoro...) O quintal, ponto, - indispensável. Além isso, vou congeminando, temos no litoral um inimigo dos cães. a assinalá-los com um sinal proibitivo nas praias, de alarme às suas caganeiras. Evidentemente, agora que elas, as praias, são um areal - um arraial - a descrever um dia destes.

Essa higiénica gente devia reparar que dos cães nós fazemos o que queremos. Fazêmo-los caçadores e até assassinos (lá para as vossas bandas...). Assim os ensinamos também a banharem-se nas ondas. Não, não aturo essa histeria. O litoral está fora de causa. Volvamos ao Interior. É para oeste, diz a bússola.

No sentido das perdizes, acalmei eu as hostes. - Tareja, Mécia, Egas, é dar-lhes duro.  O Verão? - Um dia a gente passa por lá...

 

 

Confissões

João-Afonso Machado, 04.03.18

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É preciso conhecer as gotosas manhãs minhotas no jardim. Em pleno inverno, de um frio que cabe todo dentro das luvas, aquecidas no fumegar da respiração, e a humidade a pingar, a pingar, sem silêncio nem comedimento, das folhas das japoneiras. Nessa idade de um gorro na cabeça, o blusão e a espingarda nova de chumbinhos, uma Diana 16, o mais pequeno modelo então fabricado. Porque é preciso ter os braços firmes para apontar certeiro e 14 anos são pouco mais de repetidos rompantes de crueldade.

O cerrado da japoneira deixa escapar o canto sem que este saia do sítio. E descobri-lo? Aos 14 anos há coisas importantes muito acima do frio. Passa uma longa fila de minutos sem uma folha a tremer, um ligeiro sinal indicando onde assobia o passarito. Pingos de humidade lavram pelo nariz afora e o jardim inteiro calou-se para ouvir a toutinegra.

Por fim, cansada de tanta imobilidade, tocada também, talvez, pela humidade, solta um vago aceno de asas. É o bastante, está localizada. O disparo não perdoa.

E o rematar da manhã há de se colorir desta e de outras variedades de pássaros. No primitivismo dos 14 anos, quando os jardins nem têm flores nem animais, apenas objectos de que hoje nos arrependemos por os termos considerado como tal.

 

 

Apanhados (XII)

João-Afonso Machado, 02.03.18

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Marcou uma época no automobilismo, sobretudo em circuitos, onde surgia com motores preparadíssimos e escalonados no então Grupo 4. Isto é, carros de sport que ombreavam com Porsches 911 e similares Memórias épicas de Vila do Conde nos deixou o Ford Escort RS 2000

Cá pela terra, com menos potência mas escapes igualmente a falar grosso, Os Escorts eram uma mina e uma praga. Depende absolutamente do ponto de vista - de quem possuisse um (os «gaudêncios», como eu lhes chamava, porque esse era o nome do mais famoso dos tais sortudos), ou de quem andasse de bicicleta, que eramos nós, a esmagadora maioria. No centro da acesa luta de classes entre pilotos e ciclistas... as pequenas do liceu.

Correram muitos anos. Tudo mudou. Já não há liceu, as pequenas ganharam umas rugazitas e os seus afazeres varreram-lhes por completo os Escorts da memória. Triunfou a igualdade, um nada tardiamente embora!

 

 

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