Confissões
É preciso conhecer as gotosas manhãs minhotas no jardim. Em pleno inverno, de um frio que cabe todo dentro das luvas, aquecidas no fumegar da respiração, e a humidade a pingar, a pingar, sem silêncio nem comedimento, das folhas das japoneiras. Nessa idade de um gorro na cabeça, o blusão e a espingarda nova de chumbinhos, uma Diana 16, o mais pequeno modelo então fabricado. Porque é preciso ter os braços firmes para apontar certeiro e 14 anos são pouco mais de repetidos rompantes de crueldade.
O cerrado da japoneira deixa escapar o canto sem que este saia do sítio. E descobri-lo? Aos 14 anos há coisas importantes muito acima do frio. Passa uma longa fila de minutos sem uma folha a tremer, um ligeiro sinal indicando onde assobia o passarito. Pingos de humidade lavram pelo nariz afora e o jardim inteiro calou-se para ouvir a toutinegra.
Por fim, cansada de tanta imobilidade, tocada também, talvez, pela humidade, solta um vago aceno de asas. É o bastante, está localizada. O disparo não perdoa.
E o rematar da manhã há de se colorir desta e de outras variedades de pássaros. No primitivismo dos 14 anos, quando os jardins nem têm flores nem animais, apenas objectos de que hoje nos arrependemos por os termos considerado como tal.