É sempre difícil comparar o Passado e o Presente. Dir-se-ia que falta um pesito – o Futuro – para que os pratos da balança se mexam e a gente veja qual desce, carregado de riqueza. Riqueza cientifica, moral, artística, entenda-se. Mas esse pequeno peso parece lá, constantemente, tanto quanto parece ainda faltar coloca-lo. O que acontece, claro, é que as massas gulosas do tempo (quase instantânea uma, a outra pesada, sempre engordando) absorvem avidamente o pobre Futuro, lambuzam-se com ele e chutam-lhe os ossos para a História.
Isto tudo a propósito de um surto de sarampo no Hospital de Santo António (Porto), com direito a enormes parangonas nos jornais. Como se viesse aí qualquer peste medieva. Ora, todos nós tivemos sarampo e os periódicos da nossa meninice omitiram ao público, vergonhosamente, essa novidade. Tivemos (vou ver se não esqueço algum) sarampo, escarlatina, rubéola, varicela e papeira (aqui para estas bandas o trasorelho). Por norma, os invernos eram as épocas mais propícias a estes achaques. Mas, recordo na perfeição, apanhei sarampo e rubéola em simultâneo, ia Agosto a meio, em Vila do Conde. Eu e os meus irmãos todos. Corridos aqueles dias iniciais de febre e mal-estar, sucedia-lhes a quarentena. Isto é, a praia em absoluto isolamento, o que então nem era complicado, dado o deserto existente entre Vila do Conde e as Caxinas, muito, muito lá no fundo. Ofereceu-se ainda uma amiga mais velha, já adolescente, para tomar conta de nós. Queria à viva força apanhar a rubéola e ver-se livre desse empecilho (estas doenças são curiosas, nunca se repetem na mesma pessoa) que era considerado do maior risco para as senhoras de esperanças – hoje, grávidas – e para os seus bebés, sob o risco de nascerem cegos surdos e mudos.
Mas a rubéola não lhe fez a vontade e o destino também não – nunca casou.
Fora tal, pouco mais. A varicela proporcionava-nos o entretém de apertar as bolhinhas que se formavam pelo corpo todo e de levantar depois as casquinhas das feridas resultantes. O trasorelho era realmente incomodativo, mas célere nos inchaços e febrões. E tudo findava com esplêndidos períodos de quarentena em que só não se podia ir às aulas para não propagar o mal aos colegas. O bónus eram umas férias maiores do que as do Natal ou da Páscoa.
Não desconheço os números elevados da mortalidade infantil quando fui criança. Assisti até a casos compungentes de desconhecimento dos pais e leviandade dos médicos. Era os grandes males, esses. Não havia pediatras quase; e os pais ignoravam que convinha muito levar os miúdos ao pediatra, caso tivessem a sorte de topar algum disponível. Ao que acresce a ignorância em geral, a falta de higiene, a rudeza do quotidiano, as sopas de cavalo cansado…
Mas com o sarampo, rubéola & Cª, isso todos podiam bem Eram doenças que faziam parte da família, mais supositório, menos termómetro – para «tirar o febre».
(Da rúbrica De Torna Viagem in Cidade Hoje de 22.MAR.2018)