Um canil de investigação
Por vezes frequentamos o mesmo gabinete, postos em frente de assustadores montes de papel velho. É duro investigar, trazer para casa, às costas, a férrea contrariedade de, nesse dia, os avanços serem nenhuns. Daí a mais do que perdoável tentação de dois dedos de conversa, volta e meia. Ela bonita, mesmo bonita, muito bem apresentada. Confesso, desaprendi de ler idades. Mas não será uma menina, a avaliar pelos desgostos que lhe vão fugindo pela boca em voz alta. Sofreu o bastante para dispensar a companhia geral, salvo a dos seus pinscher e pastor alemão. - Parece que tenho mais medo do pinscher do que do pastor - comentei, para sacudir o pasmo. Que não, o pinscher não faz mal a uma mosca, talvez seja um pouco ciumento, sim...
Não redargui. Nem ela me disse o nome dos cães. Sucede é que esses ciúmes às vezes levam-nos um pedaço de boca, ou de bochecha, ou de nariz... Sobretudo a quem sequer sabe o nome da fera... Estranha forma de manter as distâncias, conclui.
E fui-me perguntando em silêncio que alma não precisa de joelheiras e cotoveleiras nas suas roupas gastas pelas desilusões. Deixei-a às voltas com o cachecol, ia de regresso ao pinscher e ao pastor alemão. Sempre inominados. - Não se isole! - ainda recomendei. Ela olhou-me e não respondeu. Talvez um dia venha a saber porquê. Mas sozinha, sem uma caneta, papel, é como enfiar-se num frasco, arrolhá-lo e esperar que o oxigénio se extinga. Mesmo porque nada lhe sobra para contar ou cantar, nem até para discutir com os seus cães, fechados em casa. Se ela levar o pinscher para a banda oposta, eu promento aceitar o pastor aos meus pés. Contando que tenha um nome para lhe chamar, claro.