Na barra com o Colega Camilo
E se Camilo fosse também advogado, e um dia pleiteassemos a causa dos brasileiros de torna-viagem, ele acusando-os, eu defendendo-os? É claro, seria uma missão sempre difícil, Camilo pertenceria a uma dessas grandes sociedades, a maior, sem dúvida, com sócios como Eça, Fialho de Almeida ou, mais recentemente, Ferreira de Castro, Torga... Nomes enormes frente a um joão-semana, um afonso-machado que não sabe o latim, risca mal o francês e não lida bem com a ironia e as demais figuras de estilo.
Poderá até dizer-se, Camilo, causídico de renome, demandara já o Tempo e ganhara a acção. Perpetuou-se. Somente, impediu-o a cegueira de escrever mais. E as suas testemunhas, presumivelmente defuntos, não iriam além dos acontecimentos até 1890. Era o grande senão de Camilo - disporia de prova apenas sobre o brasileiro garrido, exuberante e rico. Camilo articularia ferozmente contra os seus casamentos mas deixaria de lado os juros de mora - omitindo o seu regresso ao anonimato.
Por isso o apreciável lote de fantasmagorias que deixou para o futuro. Essa a minha safa, a prova abundante carreada para os autos, a impressão causada no julgador (eu que nunca li uma gramática anotada, quanto mais um artigo da especialidade...), o músculo da realidade actual torcendo os ossos de uma época estranha e até desproporcionada.
Não se desse o caso de os brasileiros regressarem sós e normalmente mais aptos a dotarem as sobrinhas do que a casarem eles próprios. Desembarcavam arfando, creio, já falhos de sorrisos, estenuados, num derradeiro assomo de forças para as suas excêntricas e descomunais casas.
Para quê? Chamados os herdeiros, aqueles gradementos e estuques, os varandins e as palmeiras, nada diziam aos batatais e milheirais do seu sempre. Assim as Décadas traziam consigo a ferrugem e a formiga-branca, o amarelo das humidades.
Ditei para a acta o requerimento final peticionando a junção de documentos. Esses tremendos casarões estão quase todos em ruínas, revela-o a arte da fotografia, que Camilo não alcança. Quem foram os seus proprietários? Qual a sua história? Alguém acode a jazigo esquecidos, soalhos inultrapassáveis, vestígios de jardins e caramanchões, papeis idos no vento? À falta de nobiliários de plebeus? - Justiça, Meritíssimo!!!
A sentença foi proferida de imediato. Os brasileiros tinham razão, são uns sofridos que urge reabilitar, reidentificar. Iam os seus detractores condenados nesse encargo.
Mas Camilo, terrível, recorreria sempre, mordaz, insistindo ad nauseam nas suas calças amarelas, nos dedos carregados de ouro, nos papagaios e macacos, em qualquer negrinha que trouxessem de além-mar.