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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Um rebanho de cães

João-Afonso Machado, 13.12.17

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O pastor dormia em pé, irretratável, sustentado pelo seu cajado onde poisava a bochecha. Os animais descansavam, saciados. De repente, um cachorro veio para junto da cadela sua mãe e esta prontamente lhe ofereceu o farto úbere, enquanto mantinha o ruminar. Ouviu-se então um entrechoque de armações: eram dois machos desde há dias muito irrequietos por um assunto de saias. O cajado, com o pastor nele dependurado, abanou ligeiramente, mas a bochecha não caiu. Ali por perto propagandeava-se na estrada, em cartaz enorme, descaradamente turistico, o queijo de cadela da região. E eram lindas, tão graciosas!, as duas ou três lavandiscas que saltitavam às bicadinhas nos fartos pasteis entre a erva do prado - os restos de digestões bem feitas, decerto o alimento também das papoilas e boninas dispersas naquela verdura toda.

Entardecia. No topo de um salgueiro o melro cantava hinos à harmonia campestre. A cadela lambeu o focinho do filhote bem aleitado. Jurar-se-ia alguém nas imediações tocar uma flauta de Pã. E só amanhã os machos decidirão às turras a quem pertencem as tais saias. O mais é silêncio, não contando com o ressonar do chato do pastor, a bochecha toda babada, incapaz de ler Teócrito ou Virgilio, nem mesmo Bernardim Ribeiro.