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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Pescarias "comme il faut"

João-Afonso Machado, 05.12.17

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São as melhores águas que conheci para as trutas. Ensinou-mas o Sr. Teixeira, funcionário judicial aposentado, então meu vizinho no Porto, em jeito de desafio como tantos outros seus. Às vezes, madrugada fora, quando o robalo entrava no Douro.

Mas era Julho. Um dia após os festejos dos 75 anos da minha Tia (vai agora nos 93...), uma comemoração de arromba. Excessivamente de arromba... Uma noite mal dormida, um levantar de suplício, às cinco da manhã, e uma reza inconsequente, para que o Sr. Teixeira adormecese e faltasse ao encontro.

Que nada! Ei-lo a sair para a rua, com o "canavial" ao ombro, despertíssimo. Boticas, nessa altura, ficava do outro lado do mundo, um pouco para cá da construção da A7 e da A24. Daí a madrugada. E todas aquelas curvas, a viagem infinita, a agonia de uma paragem para um café e uma fatia de bola de carne de que o Sr. Teixeira, eufórico, não prescindiu.

Depois passei-lhe o volante, dormi um pouco e aterrei numa ponte qualquer, seriam quase 8 horas, à caça de gafanhotos no campo com sacos de plástico dos supermercados. O rio Beça estava ali mesmo. o lugar era bravio, caladíssimo, e cheirava a raposa, como tantas vezes a cheirei nos matos e florestas.

Em Julho, o rio obviamente não galopava. Especara, silencioso e atento, as margens cobertas de vegetação, e todas as recomendações do Sr. Teixeira se resumiam em nem barulho nem sombras sobre a água.

Aparelhámos canas de quatro metros, muito leves, apenas com um gafanhoto vivo espetado na ponta do anzol. De seguida - ia esquecendo: o mal estar passara completamente - deixava-se cair a linha no rio, enfiando a cana entre as ramagens, e o bicho ficava a espernear à superfície. Até ver...

- As putas hoje acordaram mais tarde! Andam desconfiadas, as putas!

E com este petit nom o Sr. Teixeira rezingava pela demora das suas queridas trutas.

Seja como for, as trutas - eu não tinha intimidade para as tratar senão pelo seu nome próprio - acabaram chegando. A gente sentia-as subir dos fundos e viamos abocanhar o gafanhoto e levá-lo para baixo. Então era travar o carreto e fazer uso da habilidade em as cansar e tirá-las da água através dos codessos, silvas e ramitos de toda a ordem.

Vieram algumas, enormes. O Sr. Teixeira logo lhes abria a barriga, destripava-as e acamava ervas nas suas entranhas. No prato eram soberbas.

Deixei o Porto, os anos passaram, parceiros para a pesca já quase não há, não tornei ao Beça. Senão recentemente, só de visita, perguntando por elas, pelas trutas, ao que parece agora muito mais escassas. Partiram. Também o Sr. Teixeira, para o Céu, com as canas todas e, atrás dele, cardumes e cardumes de robalos a subir o Douro, mais as suas "putas" do Beça. As trutas, como Deus Pai que o tem, as trata rigidamente. Era muito bom homem e as pescarias eternas são o mínimo que o Senhor há de fazer por ele.