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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

História numa cidade grande

João-Afonso Machado, 29.12.17

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Nada fazia. Era apenas um revolucionário perdido numa das muitas pastelarias da Avenida de Roma. Mais precisamente do lado oposto, a fugir para a Praça de Londres, uma mudança recente e resultante de noite excessivamente boémia, em que uma alma burguesa lhe despejara a caneca de cerveja pela cabeça abaixo com uma ameaça - repetiria o contragolpe se ele continuasse a prédica. Prédica essa a que não resistia, desde a sua alvorada, aí pelo meio-dia, até ao fecho do estabelecimento.

Lisboa ainda cheirava a pólvora. E ao gasóleo dos muitos táxis Mercedes Matateu, dos autocarros verdes de dois andares. O tempo galopa, às vezes dá-lhe para galopar para trás. Sobejavam bairros de lata, o metro não ia além de Entrecampos ou Sete Rios, e estas esporas cravadas nos finais dos Anos 70 maceram-nos o lombo.

Tinham morrido as calças de boca-de-sino, as cabeleiras hirsutas, a camisola pelo umbigo. Não para o revolucionário, que mantinha os colarinhos de borboleta. Mandassem-no trabalhar e ele respondia era um intelectual. Sem peito e com braços de gafanhoto, somente capazes de erguer o copo e o punho fechado. Os empregados da pastelaria tratavam-no por «camarada» e não fiavam. Era um cliente insistente mas parco de gastos, uma sande por refeição, algumas imperiais por televisão e bicas as necessárias para manter a retórica. Fumava desalmadamente e a mesa do canto, ao fundo, nacionalizara-a, era dele.

As corridas de toiros sucediam-se no Campo Pequeno. Ainda não lhe ocorrera o fascismo inerente. Simplesmente preferia umas codornizesinhas, quando vinha o convite, em Moscavide. Já Lisboa acordava ao som da new wave e do disco-sound mas, com ele, as baladas de intervenção permaneciam como estátuas, Volta e meia, em noites de mais malte de cevada, entrava a cantarolá-las alto. Era outro modo de se exilar pastelaria ao lado...

Assim corria a sua vida escanzelada, cheio de tabaco e prosápias guevaristas. Homem de meia idade, reformado por uma coisinha no joelho com todo o aplauso da empresa, incapaz de trabalhar ao som das suas reivindicações.

Lisboa crescia, continuou a crescer. Vieram os turistas. Lisboa acelerou, ultrapassou a velocidade de rotação do planeta. Avenidas, edifícios, modernices miríficas surgiram entretanto. Lisboa, que ia a Cascais aos fins de semana e agora se embuxa a si mesma... Tudo mudou. A pastelaria foi remodelada, aprovisonada de tickets... Antes, porém, deu-se pela falta do revolucionário. acometera-o um mal fulminante, letal. - Coitado! - dizem, alguém exclamou na época, ao saber a notícia.

Alguém, quem? Já também o nome se perdeu. Correram décadas. Meia dúzia de amigos subiram ao Alto do Pina e penetraram as portas do cemitério. Não vinha padre algum, nem família, inexistente, e esperava-os apenas o coveiro. O revolucionário foi deixado num buraco aberto para ele. Passados os cinco anos da praxe, é como se sabe... Da sua identidade, da sua história, ficam apenas estas palavras, em número menor do que os ossos que com os seus se ajuntam na vala comum. Lisboa por nada deu nem dará. Essa a implacável frigidez do Tempo, não fora eu acorrer ao revolucionário da Avenida de Roma.

 

 

"António Brandão, um bom Amigo"

João-Afonso Machado, 28.12.17

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A tristíssima notícia apanhou-me completamente de surpresa. Sabia-o adoentado apenas, nunca pensei estivesse perto o fatal desfecho. Eramos amigos há muitos, muitos, anos e já o seu tio, o Padre Rufino Araújo, fora capelão da casa dos meus Avós. Sempre o conheci, ao Sr. António Brandão, ligado ao PPM – e nessa altura já somávamos dois – e à caça e à pesca. O seu estabelecimento, no Barreiro, em Gavião, era o meu poiso para os cartuchos, os anzois, uma cana nova ou um carreto, um par de botas que fosse. Em 1991 comprei-lhe a minha primeira espingarda não herdada. Outras se lhe seguiram. Mais tarde ainda, quando os nossos filhos começaram também a querer dar uns tiros, eu recomendava aos pais, meus amigos, – vão a Gavião, vão à Casa Michel. E o Sr. Brandão lá foi vendendo mais umas espingardas em terceira mão, baratas, para os miúdos verem se gostavam mesmo de atirar e mereciam posterior melhor investimento.

Enfim, foram umas décadas patuscas. O Sr. Brandão, além do mais, era uma inesgotável fonte de informação. Vindo a Primavera, aberta a temporada da pesca, a pergunta todos os anos se repetia – onde Sr. Brandão? Onde uns peixitos? E ele logo dava notícias: no Cávado, ali para Areias de Vilar, no Neiva, mais acima, … no Pelhe, debaixo da ponte tal, para a criançada se recrear com uns escalos grandes…

E na caça o mesmo. Sobretudo quando eu procurava um fornecedor de perdizes ou codornizes para treinar os cães. Ele sabia sempre quem as tinha para vender. E íamos os dois, então, a Guimarães, à Póvoa de Lanhoso, a Barcelos, por umas caixas de aves para o dia seguinte.

Fomos ambos a Monfortinho. (Que saudades desse tempo!) O Sr. Brandão atirava bem e pôs à cinta um molho repolhudo de perdizes. Caçámos ao coelho juntos. E participámos na mais extraordinária largada a que alguma vez levei a minha espingarda. Foi em Julho de 2004, durante uma vaga de calor do verão inteiro. O céu acastanhara definitivamente, pesava-nos na cabeça, nos ombros, nas pernas e nos pés, denso, feio, a esconder o sol. Vilarinho das Cambas ainda não era sobrevoada pela A7. Havia por ali uns campitos, um eucaliptal, e a solta consistia em faisões, patos e perdizes. Deram-se muitos tiros e trouxeram-se muitas peças. Estes cerimoniais têm início e termo sempre à mesa. Em tão abafado ambiente foi depois necessário regressar a casa devagarinho, muito devagarinho…

Mas o Sr. Brandão preocupava-se sobretudo com a questão do equilíbrio do meio natural. Revoltavam-no quantas patifarias se lhe dava assistir em prejuízo dos animais bravios, dos nossos cursos de água. E tinha planos de salvação, planos tarjados de negro porque – quantas vezes! – se reconhecia sozinho e incapaz de os levar a cabo.

Sempre foi dono do melhor perdigueiro do mundo. Garantia ele, pobre Sr. Brandão… Um dia, andávamos nuns campos não agricultados, um emaranhado de erva brava e silvas, e o cão dele “pisou” um faisão aninhado nessa selva, mas nem deu por isso. Logo depois veio a minha Minês e ficou ali parada como uma estátua grega. – Aqui anda qualquer coisa… - Anda nada, o meu cão ainda agora passou aí! – Fui ver, a cadela mexeu-se um nico e o faisão levantou como um avião sobrecarregado, caindo redondo um bocado à frente, de um tiro. Seria o sobrevivente de alguma largada. – É, o meu cão está um bocado gordo, já cansado, parado há meses, necessita de treino…

Aprendi muito com o Sr. Brandão. Alguma arte das trutas em regatinhos, os poucos lugares onde o rio Este escapou à tragédia da poluição, lugares inóspitos da nossa terra. Nenhum ensinou ao outro a ser monárquico e ambos o eramos… Mas foi pela sua mão, com dois guardas florestais, que fui conduzido ao maior santuário famalicense do bacalhau. O qual não revelo, para manter os preços em baixa.

Entristeceu-me francamente a sua morte. No entanto, como sempre acredito, estará agora gozando em espírito todas as caçadas e pescarias que não fez e gostaria ter feito. Divirta-se e descanse na Paz eterna, Sr. Brandão!

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 28.DEZ.2017)

 

 

O outro Natal

João-Afonso Machado, 26.12.17

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Sofrera recentemente um grande desgosto e creio não fazia segredo - o Natal para ela acabara, com quem festejá-lo? Reservara um quarto num hotel para dois dias e, longe de tudo e de todos, aguardaria o fim da comemoração maior da família. A sua eram os seus colegas de trabalho.

Ouvi respeitosamente, sem quaisquer comentários. As pessoas gostam muito mais de se sentirem compreendidas do que de conselhos e incentivos que ricocheteiam sempre nas suas mágoas.

E fui pensando em presépios. Nesses das ruas sem vozes nem passos, perdidas entre uma multidão voltada para si mesma, onde não se vislumbra a estrela dos Reis Magos, nem outros indicadores de um caminho, aliás, sem destino.

O Natal também é assim. O contraponto dos avós, filhos, pais e netos deliciados entre rabanadas e mexidos, saciados de bacalhau. Não, aqui era um hotel, um quarto, a televisão a massajar as dores e uma vontade enorme de retomar o quotidiano. Só para que não fossem tão relevantes as diferenças, só para recuperar a fala, a companhia de alguém no cafezinho matinal.

Escrevo estas linhas pensando gratificantemente muita gente dirá hoje - o pior já ficou para trás. Segue-se a passagem de ano, no fundo uma garraiada apenas. Aonde vai quem quer.

 

Fui eu, vidente Carlos Gabriel

João-Afonso Machado, 21.12.17

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Eu desconfiei logo: a premonição de um castelo com um fosso cheio de achigãs, não sei quantas torres, a minha cadeira de praia na de menagem, a orgulhosa flâmula dos Machados ao vento... As terras a perder de vista e a gente a tropeçar em javalis e veados... Tudo com os olhos a reluzir de ganância nos 200 euros da consulta, cheguei a pensar me devorava a mão que segurava as notas. Ainda se se bastasse com uma moradiazita, a piscina e o relvado à volta... Os Machados, em vez de no mastro, num reposteiro discreto... E os amigalhaços do Alentejo a insistir nos convites para as perdizes...

Mas o pior foi quando sugeriu prosseguíssemos a sessão naquele boteco, à noite. De repente dei comigo estudante da Faculdade, numa chafarica parecida, o Folie Musique, no Muro dos Bacalhoeiros. Já então apenas em desespero de causa, ou quando em bando, possuidos por urros de vandalos, como é próprio dessa idade.

Por isso lhe tirei as chaves do Porsche. Para, evitando o frio, regressar ao meu Peugeot. É evidente! - que merda de vidente. Com o seu futuro - o dele mesmo - a fugir entre a cegueira da sua mente.

E, já agora, o Porsche não arderia não fora tanta lycra e fibras sintéticas no seu interior. As vestais deste orago não conhecerão a lã, o algodão, a seda? Nem outros desodorizantes, além dos de um euro na loja de chineses e as roupas todas manchadas debaixo dos braços? Com os novelos de cabelo no fundo do carro e o morrão do cigarro acidentalmente caído... Por pouco não estorricava eu também. Não vidente, deixe Fátima em paz e vá tosquiar ovelhas para Aveiro. Com umas tesouras por arma, jamais com a prosápia dos Machados.

 

 

O ninho da vespa

João-Afonso Machado, 18.12.17

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O  edifício é muito grande, falta o ângulo para o fotografar por inteiro. Tem até um torreão e doses industriais de mau gosto a transfigurar a casa. De todo, não parece o que à nascença foi. Num livro inteiro de pormenores absolutamente dispensáveis, eu destaco umas varandinhas no terraço e o andar posto lá no alto, a fazer troça da pedra bem trabalhada das paredes que o suportam.

Mas em Vilar de Maçada ninguém demonstra ligar muito àquele recanto. É uma terra pacata, já foi sede de concelho, vive ainda carregadinha de granito. Outra paragem a valer a pena em Trás-os-Montes. Não, porém, para, como nós, possuidores de uma curiosidade mórbida, andarmos de habitante em habitante até, finalmente, descobrirmos o malfadado e maltratado covil de José Sócrates.

 

 

"Carta de longe"

João-Afonso Machado, 14.12.17

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Escrevo de Boticas. Para os mais esquecidos, ou desconhecedores da geografia, estou nas cercanias de Chaves, das águas de Carvalhelhos, da geada que só desperta lá para o meio-dia, numa vilória encaixada nas encostas da serra. Neste início de noite o frio quase paralisa mas não falta o calor das iluminações natalícias; as ruas parecem estátuas – quedas, caladas, sem movimento de gente. Mas, para além desta apresentação, quase ao toque de finados, Boticas lembra-me Famalicão. Pelo menos aquela Famalicão em que eu, vindo nem sei de onde, rabiscaria estas linhas quanto os dedos gélidos mo consentissem num quarto do Garantia. Que extraordinária intersecção de recordações!

Volto ao tempo em que o Garantia, todo – ou quase todo – ele era um fausto. À moda do seu tempo, como o de aqui de Boticas, agora, borbulha modernidade. Almocei uma espécie de folhado de alheira, uma truta grelhada e bolo de castanha. Como se em Famalicão me servissem rojões light e um naco sem espinhas do melhor bacalhau, a rematar com um leite-creme coberto de açúcar queimado.

Depois não recolhi à sesta. Pus a máquina fotográfica ao ombro e fiz-me ao caminho. Semelhando há quarenta anos a descer a nossa Rua Direita, o Largo 9 de Abril e prosseguindo por trás da Matriz, através de vielas que parecem escorregar-me das mãos da memória. Mas Boticas sobe e desce ainda mais. O aluguer de bicicletas não terá nestas bandas grande futuro. E é quase tão extensa como uma cidade britânica porque também vive mais em moradias do que na complexidade da propriedade horizontal. Sim, um prédio de dez andares em Boticas exigiria sempre varandas envidraçadas e outros cuidados contra as neves perpétuas. Além disso, é provável, caberia lá a população inteira da vila. Não podia ser. Boticas foi crescendo balcão sobre balcão, muito arrumadinha nas suas vivendas, e deixou bem à vista o seu centro, obviamente a sua parte mais antiga, porém com nada de monumental. Há até muitos edifícios recuperados, e alguns de arquitectura de ponta – a câmara municipal, o tribunal, a biblioteca pública, as escolas, a Misericórdia e, insisto, o hotel.

A Matriz, uma ou outra casa circundante, sempre vão explicando que a terra não nasceu ontem. Nem morreu: assim remato as minhas ideias quando a fantasmagoria do Garantia mas assombra outra vez. Aquilo é uma dentada de Drácula no coração famalicense. Como é possível tanta falta de prevenção, tanta convivência com a ruindade?! Por que esperam os hostels, os restaurantes, as galerias ou casas de espectáculos?!

Prosseguindo a minha deambulação por Boticas, anoto agora, o comércio é quase inexistente. Não que necessitasse, mas procurei um cangalheiro, um barbeiro, uma loja de ferragens, uma pichelaria, um estabelecimento de massagens… Não encontrei. Apenas uns chineses – uma casa apenas! – uns noctívagos resistentes – eles e o presépio do jardim municipal – a cuja porta espreitei e onde vislumbrei um cabide todo de samarras. Samarras chinesas! Afastei-me, danado com o ultraje. E andei atrás de uma sapataria que também não topei.

Como reagiria um botiquense na Rua de Santo António? Enquanto o via atónito, atordoado pelas luzes dos reclamos, ia firmando esta estranha sensação de duas terras afinal tão parecidas. Pelo menos nos idos em que, em cada uma delas, todos conheciam todos e, onde quer que nos posicionássemos, víamos sempre os montes em redor. Nos preguiçosos anos em que o trânsito desentorpecia tarde, era sobretudo pedestre e nos jornais se protestava porque os escapes das juntas de bois sujavam a rua. Quando ainda era possível assistir a um carro deles estacionar entre dois automóveis.

Boticas é uma fuga para trás. Sei quem vinha comigo (vem sempre), de certeza soube-lhe bem o passeio. Talvez mais quando atravessámos o parque público, as represas do rio, e íamos contabilizando os cães à vontade estirados na rua a coçar a pulga (identicamente não descobri veterinário algum…). Mas alimentados, a ladrar ao desafio, contentotes e rufiões.

É difícil plasmar na escrita sentimentos tão voláteis. Gosto da geada de Boticas, da sua pacatez e de uma saudade qualquer que mora lá mas não se dá exactamente a conhecer.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem in Cidade Hoje de 14.DEZ.2017)

 

                

 

Um rebanho de cães

João-Afonso Machado, 13.12.17

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O pastor dormia em pé, irretratável, sustentado pelo seu cajado onde poisava a bochecha. Os animais descansavam, saciados. De repente, um cachorro veio para junto da cadela sua mãe e esta prontamente lhe ofereceu o farto úbere, enquanto mantinha o ruminar. Ouviu-se então um entrechoque de armações: eram dois machos desde há dias muito irrequietos por um assunto de saias. O cajado, com o pastor nele dependurado, abanou ligeiramente, mas a bochecha não caiu. Ali por perto propagandeava-se na estrada, em cartaz enorme, descaradamente turistico, o queijo de cadela da região. E eram lindas, tão graciosas!, as duas ou três lavandiscas que saltitavam às bicadinhas nos fartos pasteis entre a erva do prado - os restos de digestões bem feitas, decerto o alimento também das papoilas e boninas dispersas naquela verdura toda.

Entardecia. No topo de um salgueiro o melro cantava hinos à harmonia campestre. A cadela lambeu o focinho do filhote bem aleitado. Jurar-se-ia alguém nas imediações tocar uma flauta de Pã. E só amanhã os machos decidirão às turras a quem pertencem as tais saias. O mais é silêncio, não contando com o ressonar do chato do pastor, a bochecha toda babada, incapaz de ler Teócrito ou Virgilio, nem mesmo Bernardim Ribeiro.

 

Carta a um conspirador como eu

João-Afonso Machado, 11.12.17

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Meu caro David:

Estou ainda - e o meu Amigo decerto também - no rescaldo da belíssima almoçarada tertuliana da passada semana. Não houve de que dizer menos bem - nada! A começar, é claro, pela companhia de eleição. E pelo presunto do Rogério (salvo seja), o qual urge se promova a património nacional.

Eu depois segui para Ponte de Lima, magicando nisto tudo, na vitela assada, no tinto santificado e, intervaladamente, no golpe de estado que me levava lá, sob o pretexto do centenário da morte do poeta António Feijó. Foi quando, num repente, o bolo-rei da sua criação caiu em cheio em cima das minhas ideias.

Em primeiro lugar, porque o bolo-rei é o melhor bolo do mundo.  Em segundo, porque a sua receita ultrapassa todas as expectativas. E em terceiro, dado os seus manifestos propósitos conspirativos - aquela bandeira, o apelo óbvio à Restauração.

Foi esse o principal argumento por mim esgrimido em Ponte. A Vereação tremeu, recuou, a assistência rejubilou. Eu garanti que as tropas monárquicas tinham já chegado a Famalicão e prosseguiam para norte, exibi as bandeiras - azuis e brancas, coroadas, invocando David, o rei que venceu o gigante Golias, - e multipliquei-as por uma dezenas de milhar, todas na rota limiana, já há muito. Como resultado, a Vereação fugiu espavorida e nós fomos conspirar umas tapas e uns rissolinhos oferecidos pela organização.

Em suma, somos imensos. E, verá, com mais bolo-rei e as suas bandeiras esotéricas em breve seremos todos - conspiradores implacáveis, heróicos paladinos da Monarquia.

A Pátria reclama - o presunto, o bolo-rei e a Coroa. O Rogério e o meu Amigo são já duas certezas. Como concluir senão que o Natal é amanhã e todos os dias?

Com um grande e eufórico abraço e o desejo de Festas felizes, ajunte-lhe toda a amizade do

João Afonso

(em cifra conspirativa, JAM)

 

 

Provezende

João-Afonso Machado, 09.12.17

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Sempre foi considerada a mais fidalga povoação duriense. Tem Matriz e tem pelourinho porque foi concelho, outro dos extintos pelo liberalismo.

É uma terra distante nessa complicada região dos nove meses de inverno e três de inferno. E talvez as vinhas já não bastem, ou a apatia dos proprietários não ajude. Mas há ruínas, manifestas algumas.

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E óbvias crises existênciais, em outros casos. Entre um silêncio contagiante, sempre.

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Depois tem as pequenas coisas, pequenas devoções, por exemplo. As tais que recomendam visitas prolongadas, o conversar com as gentes.

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E tem, claro, a vista grandiosa sobre o mundo do Douro, tão estranho ele é, tão ao contrário do minhoto.

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Assim os turistas são às dúzias, entre a Primavera e o fim das vindimas. Com as lojinhas de artesanato e souvenirs sempre a proliferar.

 

 

Natal em Ponte de Lima

João-Afonso Machado, 08.12.17

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A chuva subitamente torrenciando. Escurecera por completo. O tema na Biblioteca Municipal era António Feijó, facetas da sua vida. Uma conferência. Lá fui dizer qualquer coisa, havia umas cartas inéditas que serviam de tema. Tudo muito breve, menos a chuva que ficou para castigar as imagens. Na Havaneza umas velhinhas lanchavam um bolecos, o seu chá. O percurso restante quase pôs a minha raposa - a da samarra - careca e ao frio. Mas não terá corrido mal, trazia umas cábulas para o que desse e viesse. No fim o «verde de honra» oferecido pela Família Feijó. Um jantar inteiro...

Com nada para acrescentar e óculos sem limpa-para-brisas, fico por aqui. Não esquecendo a recomendação: vão lá. Em maré de Natal, as iluminações sobre o Lima são belíssimas.

 

 

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