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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Uma fábula com pouco discurso directo

João-Afonso Machado, 27.11.17

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Tudo podia ser simples. Bastaria um pouco de argúcia, talvez até o atentar nas passadeiras. Porque a salamandra não tem horas nem tem pressa. Tem umas pintas amarelas a que dá brilho diário e prolongado. Ouviu alguém um dia dizer - É de parar o trânsito! - E na sua falta de perspicácia pensou era com ela.

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É o que a lagartixa lhe tenta explicar, nos seus raros encontros em qualquer manhã ensolarada. - Não te fies nas pintas amarelas, trata é de fazer pela vida. Mexe-te!

No entanto, pastelona e errática, a salamandra vive perto dos seus destinos, embora raramente os alcance. Há sempre um rodado dos automóveis a esmagar-lhe o ventre e, pior ainda, o penteado que são as suas pintas amarelas. Normalmente de madrugada, que é quando sai de casa para o jardim em frente, como se este demorasse quilómetros e quilómetros a chegar lá.

E a lagartixa, muito ordenada no tempo, sabe bem quando é de ficar na toca ou de vir para o exterior, a gozar o sol e a ginasticar os músculos entre as gretas das pedras quentes. Pisos húmidos ou dias de invernia, é que nem pensar!

- És muito estúpida! - diz ela à salamandra, que arfa e reza para alcançar o outro lado da rua. - Olha que quem anda à chuva molha-se! Endireita-te, não arrastes a barriga!