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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

As coisas que a gente aprende

João-Afonso Machado, 29.09.17

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Explicaram-me hoje, o passado é na nossa boca um argumento, talvez uma arma de arremesso; na dos outros, um insulto. Tal qual a prova da nossa bondade está apenas nos episódios - que narramos e supostamente são intocáveis - onde surgimos bondosos, em voz de palco e de lágrima ao canto do olho.

Ou que vale tudo menos tirarem-nos - a nós próprios - os olhos; os dos outros têm essa útil funcionalidade. Além de que o tântrico momento das palavras de paz é uma lição a apregoar, sem inclusão dos nossos assomos de fúria descontrolada; principalmente se alguma entidade oficial andar por perto.

Quero dizer, o mundo, afinal, é cada pessoa e o inferno somente o seu desagrado. Os outros (um imbecil, esse Sartre...), bem, os outros vão somente sendo sucessivamente os "piores".

Depois de tão sublime prelecção, fui tratar das minhas coisas. Em boa verdade, já não é Verão nem no reino da alfazema, e o que por lá subsiste são apenas borboletinhas esvoaçando sem graça. Dessas por quem Jim Morrison nunca proclamaria - «I want to hear the scream of the butterfly!», nem as crianças se esforçariam com uma rede para as apanhar.

Ah!, já esquecia, é indecoroso dizer "gaja". E suponho se deva beber o chá de mindinho esticado.

 

 

Cedofeitenses - às urnas!

João-Afonso Machado, 27.09.17

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Quanto lamento já não ser eleitor no Porto! Não desesperar longamente numa fila interminável até conseguir deitar o meu voto na querida amiga de sempre Paula Lopes, candidata pelo PSD à presidência da Junta da freguesia onde vivi tantos anos: Cedofeita.

Freguesia? Muito mais: a União de Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória. A cidade genuína, um verdadeiro condado. O Reino. Uma federação de estados. Enfim, pouco menos do que a Peninsula Ibérica toda.

Querida Paula, espero que ganhes. Se estivesse aí, fazia batota por isso. Tens uma longa obra pela frente: os Clérigos imponentes como a London Tower (há de se decapitar uma Ana Bolena qualquer, só para festejarmos), Trafalgar Square transposto para a Rotunda e Marble Arch para o Bolhão (vá lá saber-se porquê, talvez porque o Bolhão careça da relva do Speakers Corner); Westminster Abbey para a Sé, o London Theatre para o Coliseu e Porto Bello Street para a Rua do Loureiro. Claro, o Buckingam Palace será nas Cardosas e tu surgirás no terraço superior, acenando.

Contemos, para tanto, com os rapazes do PPM também.

Paula - toda a sorte do mundo e um trabalho autêntico.

Com a maior amizade,

JA

 

 

Com um beijo de parabéns...

João-Afonso Machado, 25.09.17

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Pelos teus 58 anos hoje festejados. Não tenho dúvidas em carregar no tempo do verbo, levando-o para a intemporalidade. Uma vida, uma lição, a resumir em - delicadeza, humildade e dedicação.

As saudades serão um paradoxo ante a presença constante. Mas são uma realidade. Enorme.

Em 2012 dediquei-te este poema (creio deste por isso) que agora aqui reproduzo. 

 

RETRATO 

A tua voz distante,

sombra de contornos esbatidos,

eco sem século nem origem,

- convite?, apelo?

ou vertigem?

 

E os teus olhos de amante,

claros ou negros? – indefinidos,

eco sem século nem origem,

- convite ou apelo?

 

Vertigem!

 

E este dia especial fez-me buscá-lo, trazê-lo do passado para o momento instante, para essa tal intemporalidade que não impede as saudades. Mas - carregando sempre na força do verbo - pelo teu aniversário, hoje, um grande, grande, beijo de parabéns. Numa felicidade que é para sempre.

 

 

 

Duas palavras e um ponto de exclamação

João-Afonso Machado, 23.09.17

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Há de ter sido em Sernancelhe. Nos idos das lautas jantaradas, vão lá uns anos. Chegados de véspera sempre a venerandos sítios novos de reputada tradição venatória.

Aquelas feijoadas de lebre, o javali e a posta, as garrafitas de tinto, que iam umas tantas, impunham passeio digestivo. Assim o Interior se apresentava, abria as portas, convidava para entrar. Sernancelhe é uma vila eterna como o granito das suas calçadas e edifícios.

Na admiração dos seus dotes, mesmo sob uma luz amarelenta, meio adormecida (quase a bater as doze badaladas), ninguém deu pelo casal de idosos vindo de um beco, ele ligeiramente à frente dela, no silêncio dos seus dias campesinos, em que as palavras são energia perdida. Aonde se dirigiriam, àquela hora, quando os arruamentos já descongelavam à lareira?

Fossem para onde fossem, não passaram sem que cravassem no seu mutismo um ferro acolhedor, condignamente anfitreão
- Boas noites!

respondido com igual bonomia e muita gratidão. Porque, bem vistas as coisas, quem deseja uma boa noite faz um voto de paz. De descanso. De temperança de espírito. De um acordar são e cheio de pernas para as perdizes, que era ao que se andaria na manhã seguinte.

Foi uma bela caçada. (Jardel, grande companheiro, das tuas últimas...) O almoço sequente memorável, também. Mas se lembranças ficaram desse fim de semana, foram os velhinhos descendo a calçada no vagar das idades já sem conta, e as suas

- Boas noites!

sinceras, amigas, carinhosas. Como já não acontece cá fora, no mundo, que mil trajes tentam disfarçar em qualquer coisa normal.

 

 

"Vendavais eleitorais"

João-Afonso Machado, 21.09.17

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Em véspera de eleições autárquicas, três ditos sobre o acontecimento, recuando no tempo até antes da partida destas terras: quando o sufrágio directo e universal era uma novidade. E, de modo algum, sem profilaxia ou apanágios partidários, porque essa não é a função de quem anda por aqui rememorando ou observando o mundo antigo ou a contemporaneidade famalicenses.

A ideia é, apenas, contextualizar a vivência dos estudantes liceais que eramos então, após não sei quantos anos em que a política nunca foi tema. E, de repente, passou a sê-lo, com uma voracidade que engoliu o desporto em geral e o futebol em particular. Tudo era política e as greves uma espécie de raquetes de badmington com que se zupavam os penosos hábitos escolares em todos os intervalos, senão mesmo em quase todas as aulas.

Logo após o 25 de Abril, saneado o Reitor, não tardou se organizasse, no átrio principal, a primeira «reunião geral de alunos» (as inesquecíveis RGA’s). Convocador e perorante um professor ainda jovem, mas já suficientemente barbudo (mais tarde, na Faculdade, Lucas Pires, que leccionava Ciência Política, explicar-nos-ia a distinção entre “barbudos” e “barbados”…), um professor desengravatado, ocorrência ainda rara, muito gesticulador, por alcunha “o Soviético”, que do púlpito propôs, para chefiar a nóvel Associação de Estudantes, uma série de colegas, todos eles razoavelmente ligados ao MRPP. Quem estava com atenção ao discurso, sem outros “mas” erguia o braço em sinal de concordância. Assim se formatavam as coisas, no meio da ingenuidade e da ignorância da esmagadora maioria. Logo nesse dia foi deliberada uma greve. Porquê? Não sei. Nem me interessava. Uma greve significava ausência de aulas e isso bastava. Longa vida à greve!, era o que os nossos 14 anos proclamavam.

Então a conversa e os hábitos transmudaram-se em absolutamente políticos. Desde as aulas de Fisico-Quimica às de Canto Coral. Discutia-se. Ou dormia-se, já na senda do absentismo. A Esquerda, muito mais argumentativa, parecia imensamente superior aos contraditores da Direita. A maioria – esmagadora – era pouco silenciosa e aproveitava para cabular. Chamar “fascista” ao parceiro do lado era um insulto fácil, multiplicado até à exaustão. Frequentemente havia porrada. As faltas às aulas foram abolidas, muitos professores perguntavam delicadamente a Nossas Excelências que nota pretendíamos para o final do trimestre. Nos mesmos moldes, institucionalizado o consumo do cigarro durante a lição, alguns mestres, mais afoitos, sugeriam se abrisse um pouco a janela para desanuviar a fumarada.

Pelo meio, alguns deliciosos pormenores: o que fora sapatos masculinos de tacão alto eram agora botas de lona com sola de borracha, à campista de antigamente; as calças de terylene, jeans de boca-de-sino e bainha revirada para fora. Só as longas cabeleiras à “beatle” se mantiveram, crescendo mais ainda. No campeonato dos docentes, o grosso e quadriculado camisão dos pescadores substituiu o fato e as gravatas foram arreadas como bandeiras de vencidos.

Somente em 1976 a tempestade acalmaria. Como lhe poderíamos chamar? O tufão Karl? O furacão Mao? Na nossa inconsequência de miúdos, a época foi memorável, inolvidável. Mas não topámos as sequelas: a indisciplina, a falta de método e concentração, o laxismo que tanto nos prejudicaria depois, já na Universidade.

Hoje em dia, já ninguém se chateia por causa das eleições. A não ser, entre si, os políticos. E a bulha passa-nos tanto ao lado que os índices abstencionistas estão aí a demonstrá-lo. O que significa, tão-só, deixar o País longe outra vez do mando popular. Algo sempre mau (é a República, na minha humilde opinião).

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 21 de Setembro de 2017)

 

 

Apanhados (IX)

João-Afonso Machado, 20.09.17

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O Corolla nunca falhava o emprego, era um trabalhador nato. Já o Toyota Corona era mais de ir à missa. Cabia nele a família inteira, tinha um ar domingueiro e os seus cromados brilhavam como as pratas do altar. Estávamos no final da Década de 60. De lá para cá, transformou-se num respeitável (e bem tratado) clássico, desses que fazem parar o tempo e nos enchem de saudades.

De saudades, esclareça-se, dos dias sossegados que eram os nossos dias. De uma modernidade que ainda se fazia anunciar, da facilidade do estacionamento. Da velha "Vila" de então, enfim.

 

 

Inquietações de um verbo sincero

João-Afonso Machado, 18.09.17

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O Verbo esse dia viria a reconhecer - precipitou-se. Esqueceu era nada saudável verbalizar - os verbos não andam, verbalizam - às escuras, mas por alma de quem se poria agora verbo para aqui, verbo para ali, através do breu da rádio-frequência? Deu em que as esquinas e as paredes têm a espessura da noite. E, sem os olhos nos olhos, como os farois dos carros apostados no tracejado das estradas, o resultado é incerto, a contra-verbalização esguia, difícil de decifrar. Como que se ouvindo do irreal do Além.

E o assunto era melindroso. Ao mesmo tempo simples, premonitório, honesto. Mas só ganhando em beleza se abordado na altura certa, fora do horário de expediente, talvez nem sequer verbalizado, - um verbo quedo, silencioso, pode ser de todos o mais expressivo - talvez apenas murmurando os sons imperceptíveis das palavras que se abraçam.

Acabrunhado, o Verbo acabou distraindo-se com a sua colecção de borboletas. Afinal, era dos justos anseios de uma próxima Primavera florida que ele queria falar.

 

 

Mondim em dia de tribalismo

João-Afonso Machado, 17.09.17

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É  a história mais completa dos clãs e das tribos do Norte, e tem já umas décadas de reuniões anuais em Mondim. Chega, é evidente, muita gente das terras de Basto. E de Vila Real, do Porto, de Braga, de Ponte de Lima, de Guimarães, de Famalicão... A história dos clãs e das tribos ganha sempre, desde logo, as cores alegres dos reencontros. São esses abraços, a mesa comprida, quase tão extensa quanto a conversa, são as gerações caminhando no tempo ao ritmo das gargalhadas com a memória de proezas e desaires no passado.

É a tarde, é a noite, e logo a triste constatação do fim. Ou do intervalo, melhor dizendo. Os clãs e as tribos andam dispersos entre o Douro e o Minho, serão imprevisiveis os encontros nos meses mais breves. Depois das salvas do reencontro, depois do javali, do cabrito e da vitela assada, do copito e da sobremesa, depois de tantas invocações e planos - obviamente a não concretizar, os clães e as tribos são, sobretudo, conversadores - depois de tanto pretérito e de tanto futuro, a despedida já vergada ao peso da saudade.

Até Mondim, novamente, será mais um ano. E entretanto? Que espantosa quantidade de incógnitas não encerrará um ano? Eis o que, àquela hora, ninguém sequer está interessado em saber. A mesa desfeita, o lar já no horizonte mental e a curiosidade que se esvai ante adeuses sinceros e fora de horas de reflexão.

 

 

A grande noite do Sá da Bandeira

João-Afonso Machado, 15.09.17

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Por então o Monchique fazia de Deus, com um fato todo branco e o rabo sentado num trono todo dourado. Havia também dois anjos sem asas que faiscavam dos calcanhares, e a peça ia no Sá da Bandeira.

Nada a fazer sair do ripanso pós-janta. Mas uma tão atendível, e já tão anunciada, vontade de teatro, mesmo ao lado, não podia ser ignorada. De modo algum! O Monchique essa noite teria plateia acrescida. 

A plateia, diga-se, é outro palco, somente mais bordeaux, de tanta cadeira em fila, e mantendo ainda uns cobres, algum metal polido, reluzente. O Sá da Bandeira é uma sala lindíssima e os actores da plateia começaram o espectáculo num restaurante perto, na Rua do Bonjardim.

Foi onde decorreu o jantar, em ambiente contemporâneo dessas noite de outrora; a escolha - papas de sarrabulho, com um empregado muito de lacinho, colete negro e a camisa branca, engomada, a invectivar - «Madame, por obséquio, posso servi-la de um pouco mais? E o cavalheiro, não desejará também?».

Era o passado no presente. As mesas do restaurante reencontraram-se na plateia do Sá, em inusitadas cabeleiras, buracos nos joelhos das calças, piercings e os tórax femininos gozando à vontade os calores estivais.

Houve «bravôs» às miríades e a esmagadora maioria dos circunstantes percebeu, do segundo ao décimo sentido, as graçolas do Monchique. Alguém foi, contudo, apanhado a dormitar...

Mas era uma noite inevitável. Um intervalo de saúde em plena doença gravíssima. Uma gargalhada solta no intervalo de um choro minuto a minuto reprimido.

Velho Sá da Bandeira, mesmo já amputado do braço, mesmo já estropiado, nunca outra vitória alcançaste. E o mesmo contigo, Monchique.

 

 

Granjola honoris causa

João-Afonso Machado, 13.09.17

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Trinta anos! Trinta anos ao longo do arborizado das suas ruas mudas e umas espreitadelas ao mar, o pôr-do-sol na barreira e uma mesa toda na Barraquinha. Eram ruidosos os comensais, Sophia, não muito longe talvez chorasse a sua bela casa de outrora («Casa branca em frente ao mar enorme/Com o teu jardim de areia e flores marinhas/E o teu silêncio intacto em que dorme/O milagre das coisas que eram minhas»), entaipada, caindo aos bocados desiludidos, resignados. Ou mesmo revoltados: como esquecer as palavras de Sophia, tão simples e tão faladoras?

O livro de António Pais lido de fio a pavio. Aquele tempo já remoto do fantasminha tico-tico, cada dito, cada canivete, a mais rezingona alma penada que do Além ainda apareceu por cá. Foi preciso andar munido de muita água-benta...

Marés de esperança, marés de contrariedade. Algumas trágicas perdas. A Correnteza, sempre impávida no contínuo passar dos comboios. Nada como as décadas sobre o silêncio da Avenida, varrendo o dispensável, a Granja quer-se sempre a Granja, mantendo uma gargalhada sincera num restaurante qualquer. E o robalo a esgrimir argumentos com o leitão e uma garrafa de bom branco por testemunha.

 

 

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