"Bordados"
Achei curiosa a definição dos bordados – a arte das senhoras com tempo. Não porque tempo seja dinheiro. Venho, realmente, de eras remotas em que as senhoras bordavam serões fora, assim se entretinham sem, de modo algum, lhes macular a mente qualquer pecaminosa ideia de negócio. Havia, é certo, outras circunstâncias: creio que Maria Eduarda bordava quando Carlos da Maia a visitou a primeira vez em sua casa; será uma questão de confirmar com o velho Eça, mas a habilidade daquelas mãos traduzia ainda uma parcela do romantismo da cena…
Seja como for, pareço estar discorrendo sobre um passado que, afinal, também é presente. Ainda se borda, ainda se vai em busca dos antigos linhos, das antigas figurações, para fazer igual ou adaptado. Essa foi, recentemente, uma iniciativa da Novo Rumo – Associação de Professores de V. N. de Famalicão.
Um pouco mais, já agora, sobre esta entidade nascida em 2011. Compõe-na antigos professores que leccionaram nos estabelecimentos aqui da terra. Professores jubilados, como ora se diz. E nela se desenvolve um leque grande de actividades, entre as quais esta arte antiga de bordados: “pinturas” traçadas com agulha e linhas.
O resultado foi uma exposição. Estavam lá panos muito antigos, rejuvenescidos, pontos (o rasto colorido das agulhas…) que já ninguém conhecia. Tenha-se a noção de que alguns bordados resultaram de mais de 40 pontos diferentes. Ou seja de outros tantos “pinceis” e “tintas” utilizados. São peças de arte vetusta trazidas à actualidade.
Além dos bordados, a exposição englobou o tricot, as rendas e o crochet.
Incentivou o evento a professora D. Lídia Passos. Uma figura na minha vida desde a Primária à Telescola. Agora reformada (jubilada), mas continuando a ensinar as gerações de professores suas descendentes e continuadoras. Falo de algo de que pouco percebo. Mas fui descortinando, uma após outra, tantas peças trabalhadas, tanto “desenho” imaginativo e colorido, que não houve como ficar indiferente. Coisas muito bonitas, horas e horas de aplicação e paciência. Mais de cem peças executadas e expostas.
E pelo motivo da amizade, pela força da iniciativa, pelo resultado obtido, deixo aqui o meu ámen. Será tido, em primeira linha, o convívio das senhoras professoras (jubiladas ou ainda no quadro) que não querem deixar esquecer um lavor antigo, de não perder. Logo depois, o resultado final, o renascimento: algo de que todos – todos os dias – sentimos necessidade, uma vontade imensa de tornar à beleza das coisas, à perfeição dos objectos. Dizia Rivarol – «as instituições do passado não eram boas por serem antigas; eram antigas por serem boas»…
(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 29.JUN.2017)