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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"Bordados"

João-Afonso Machado, 29.06.17

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Achei curiosa a definição dos bordados – a arte das senhoras com tempo. Não porque tempo seja dinheiro. Venho, realmente, de eras remotas em que as senhoras bordavam serões fora, assim se entretinham sem, de modo algum, lhes macular a mente qualquer pecaminosa ideia de negócio. Havia, é certo, outras circunstâncias: creio que Maria Eduarda bordava quando Carlos da Maia a visitou a primeira vez em sua casa; será uma questão de confirmar com o velho Eça, mas a habilidade daquelas mãos traduzia ainda uma parcela do romantismo da cena…

Seja como for, pareço estar discorrendo sobre um passado que, afinal, também é presente. Ainda se borda, ainda se vai em busca dos antigos linhos, das antigas figurações, para fazer igual ou adaptado. Essa foi, recentemente, uma iniciativa da Novo Rumo – Associação de Professores de V. N. de Famalicão.

Um pouco mais, já agora, sobre esta entidade nascida em 2011. Compõe-na antigos professores que leccionaram nos estabelecimentos aqui da terra. Professores jubilados, como ora se diz. E nela se desenvolve um leque grande de actividades, entre as quais esta arte antiga de bordados: “pinturas” traçadas com agulha e linhas.

O resultado foi uma exposição. Estavam lá panos muito antigos, rejuvenescidos, pontos (o rasto colorido das agulhas…) que já ninguém conhecia. Tenha-se a noção de que alguns bordados resultaram de mais de 40 pontos diferentes. Ou seja de outros tantos “pinceis” e “tintas” utilizados. São peças de arte vetusta trazidas à actualidade.

Além dos bordados, a exposição englobou o tricot, as rendas e o crochet.

Incentivou o evento a professora D. Lídia Passos. Uma figura na minha vida desde a Primária à Telescola. Agora reformada (jubilada), mas continuando a ensinar as gerações de professores suas descendentes e continuadoras. Falo de algo de que pouco percebo. Mas fui descortinando, uma após outra, tantas peças trabalhadas, tanto “desenho” imaginativo e colorido, que não houve como ficar indiferente. Coisas muito bonitas, horas e horas de aplicação e paciência. Mais de cem peças executadas e expostas.

E  pelo motivo da amizade, pela força da iniciativa, pelo resultado obtido, deixo aqui o meu ámen. Será tido, em primeira linha, o convívio das senhoras professoras (jubiladas ou ainda no quadro) que não querem deixar esquecer um lavor antigo, de não perder. Logo depois, o resultado final, o renascimento: algo de que todos – todos os dias – sentimos necessidade, uma vontade imensa de tornar à beleza das coisas, à perfeição dos objectos. Dizia Rivarol – «as instituições do passado não eram boas por serem antigas; eram antigas por serem boas»…

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 29.JUN.2017)

 

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 27.06.17

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Fica por contar tudo o mais, porventura por demais mau. A manhã nasceu assim. Serena, sem sequer o ruído das ondas. E o piar das gaivotas não difere muito do miar do gato. Achei-me em casa.

Foi o que quis, quero e continuarei a querer sentir. Até para fugir ao desencanto dessa noite de má hora.

 

Pós-medieval

João-Afonso Machado, 25.06.17

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Querem-nos de um mundo antigo. Entre o impiedoso e o pitoresco.Há-as por todas as bandas, as feiras medievais, com quase nada de imaginativo, mesmo porque a Idade Média foi o que foi: com todos os males avaliados à luz dos nossos dias, senhora de muito de bom, pese embbora a rudeza de vida e a dificuldade - ou o escasso mediatismo - de tal reproduzir em teatro. 

O espectáculo, em si, é repetitivo. Mas dispõe de uma enorme vantagem. Que é apenas esta. na longa viagem, pretendida ensinar, entre as "Trevas" e a actualidade, o roteiro da Justiça, chegando aos nossos dias, cobre-se de manchas indecorosas. Afinal, depois de tantos séculos e revoluções, de tanta modernidade, sobre os discursos inflamados de um pretenso humanismo ressalta ainda mais gritante, apenas, - a injustiça! Os vikings permanecem na cidade, prossegue o saque.

 

Já vão rolar (inocentes) cabeças

João-Afonso Machado, 20.06.17

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Este é o País que temos. Melhor: que vamos mantendo. Mesmo sem a ajuda da jihad, bastando-nos a nós próprios, de drama em drama até à catastrofe nacional. Com a confluência dos distritos de Leiria, Coimbra e Castelo Branco totalmente em chamas. E uma estrada, dita nacional, macabramente coalhada de carros e os respectivos ocupantes carbonizados, assim a modos de um filme americano de terceira extração.

Não tinham chegado ainda as perdas de vidas dos anos transactos. Os «pacotes» de medidas preventivas dos incêndios florestais, sabemos agora, continuarão mais este Verão nas gavetas dos ministérios.

Mas desta vez haverá responsabilização: António Costa já ordenou inquéritos severos e urgentes à GNR, à Protecção Civil, aos bombeiros e à imensidade de siglas em que o sistema se enreda. A culpa não é solteira, mas também não casou com ele. Com ele casou a Esquerda leninista-trotskista, e conta por amante o déficit. Diz a esposa atraiçoada que este é alemão e trabalha num banco.

 

 

"Sorrindo"

João-Afonso Machado, 18.06.17

MOLICEIRO.JPG

Não traz moliço o moliceiro.

Somente desliza

ouvindo o vazio das palavras o dia inteiro.

 

Sussurra, segreda em gestos do vento,

incréu todo o estio arteiro

a calar-lhe as cores,

ao moliceiro.

 

Então recolhe a vela, exausto o argumento

se morre enfim a brisa;

sorri no silêncio, tantos amores e garridas promessas

 

em cada momento a realidade pisa

depois de frases avessas,

do intento ou do lamento...

 

(Sorri no silêncio e desembarca sem roteiro,

o velho moliceiro.)

 

 

 

Do lado certo da fronteira

João-Afonso Machado, 16.06.17

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Vê-se e sente-se, o Reino reorganiza-se e reconstroi-se longe das querelas sob árbitros e políticos corruptos. O Reino olhou-se ao espelho e não gostou das suas adiposidades de cores e formas. Eram aquelas mirabolantes edificações dos tempos opressivos do mau gosto, azuleijaria e arrebiques caindo como bombas nos povoados.

Nada como recuperar a estima própria e o respeito ou a admiração dos forasteiros. Afinal, está lá a limpidez dos rios e a força da pedra, a verdade pura das serras. Os monumentos e a paisagem. E turistas sinceros, buscando a estética dos lugares mais do que a frivolidade das praias.

O Reino quase se cinge ao Interior. Permanece muito em obras, imparável e meticuloso, como se tomasse o seu duche todos os dias. E no cafezinho da aldeia, entre duas partidas de dominó, os idosos conjecturam sobre Sócrates, Salgado e o Benfica - se a República terá a coragem de os julgar e condenar...

 

 

"Outra custosa partida"

João-Afonso Machado, 15.06.17

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Quando soube da doença, e agora da morte, do Joaquim Cunha fiquei impressionado, incomodadíssimo. Estudámos juntos há muitos anos. Reencontrámo-nos nas excursões aqui pelo Norte, organizadas pelo amigo comum Alcino Monteiro. Confesso, já não me lembrava do Cunha, não fosse ele dirigir-se-me e recordar esses tempos recuados em S. Tiago da Cruz. Eramos duas figuras completamente diferentes, quatro décadas volvidas.

Por tudo, as imprescindíveis e primordiais palavras para o Joaquim Cunha – que descanse para sempre na paz de Deus! – e para a sua Família, a quem só posso agora endereçar o meu sentido pesar.

Mas depois vim sabendo mais registos da sua vida. O Cunha trabalhara anos a fio na Pichelaria Mouzinho, até se estabelecer por conta própria. Era concunhado de um rapaz, meu companheiro de brincadeiras e de caça, um antigo trabalhador do meu Pai. Também ele consumido pela terrível doença… E montara, enfim, o seu próprio negócio de pichelaria em S. Tiago de Antas.

Ainda antes de alcançar a dignidade de sexagenário, o Joaquim Cunha sucumbia a um cancro que lhe foi diagnosticado um mês antes de morrer! Deixou viúva, deixou filhos e deixou a sua obra. A sua pichelaria, fruto apenas da sua valia, do que sobretudo há de transmitir aos seus descendentes: a honradez do seu trabalho.

A vida é feita de tais injustiças, é o que todos sentimos. Uma vez mais, começando do quase nada, batalhando, fazendo render os talentos todos da parábola evangélica, já a aproximar-se a idade do, aliás, merecido sossego – a invejável idade de olhar para trás e sorrir ante o que ainda temos pela frente – já quase, dizia, a chegar à fronteira do ansiado repouso, eis a maleita, a incapacidade da ciência médica, o veredicto fatal. Se tudo se passar umas tantas portas adiante da nossa, nós mesmos, mais ou menos resignadamente, suspiramos, questionamos o Destino e, não raro, amanhã acordamos aptos a ferrar uma punhalada em alguém. Até um dia…

Aprendi muito cedo, falta-me a vocação para pregador. Também não precisei muitos anos para perceber, somos estruturalmente egoístas. São estas as razões pelas quais fui entendendo duas noções fundamentais – e paradoxais!

Qual seja a primeira – os únicos grandes e graves problemas são os próprios, os nossos, de cada um. E a segunda – o que quer que esperemos receber dos outros terá sempre o quantum que lhes soubermos dar. Cristo disse o contrário? Pois o Homem desdisse Cristo, então.

Portanto, Amigo Cunha, portanto sua dorida Família, a minha homenagem, a minha presença, o meu abraço. E a minha consideração – a consideração devida a quem deixou uma obra, neste caso manual (poderia ser intelectual), e foi além do simples mastigar o dia-a-dia. Mesmo para quem não crê no além-vida terrena, será, ao menos, isso que fica. Dá-se o caso eu acreditar – ao Joaquim Cunha espera-o muito mais, espera-o a Eternidade e o Paraíso.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 15.JUN.2017)

 

 

S. João de Tarouca

João-Afonso Machado, 12.06.17

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Ao contrário das militares, as ordens religiosas gostavam de terras baixas para os seus conventos ou mosteiros. Talvez por assim ficarem mais perto das suas culturas, daquilo de que, sobre as letras, eram incumbidos - ensinar a produzir para comer.

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É como se desce até S. João de Tarouca e ao primeiro mosteiro cisterciense em Portugal. Quase em cima do rio Varosa e da ponte românica que o atravessa; quase num ermo onde as pedras são as palavras da História e muito há ainda para as estudar.

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Mas na vagarosa certeza de que cada pedra, cada palavra, uma vez posta no seu sítio, não mais tornará a sair dele.

 

 

De retorno à tinta permanente

João-Afonso Machado, 10.06.17

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Uma nesga de sol e a vizinha cantarola na varanda da sua casita, apenas mais florida do que a minha. E talvez mais colorida, também, de tanta roupa pendurada a secar. Na verdade, pertence-me alguma, a que vai cedendo às suas insistências para lavar. E eu percebo, é o jeito da sua gratidão. A aldeia é pequena, povoada de velhos, e a electricidade muito amarela. Estou lá há pouco, a quilómetros e quilómetros da Internet mais próxima.

Aliás, por isso me quis mudar. Urgia retomar em pleno o gosto do papel. Os rabiscos. E, para tanto, nada como apenas a cozinha, a casa de banho e um quarto. Mais o quintalório onde os três cães pernoitam sem tréguas dadas ao mais ligeiro ruído da escuridão. Assim a vizinha, incapaz de alcançar porque vim eu de tão longe rabiscar papel para junto da sua porta, se mostra tão agradecida.

- Isto, Sr. Machado, é sempre o nosso medo da gatunaige.

E eu, para a tranquilizar mais, mostrei-lhe a calibre 20 de cinco tiros, sempre carregada, que costuma dormir debaixo da minha cama. Não me parece que a gatunaige se interesse muito pelas minhas folhas rabiscadas. Contudo..., pelo sim, pelo não... E depois, é a tal coisa: nunca tive feitio para lavar roupa nem possuo fumeiro...

 

 

Últimas da Real Confraria

João-Afonso Machado, 05.06.17

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Na cerimónia de entronização os novos confrades têm de responder - Aceito! - às seguintes formulações:

- Aceitas fazer parte da Real Confraria de Santo Humberto no estrito cumprimento dos seus estatutos e demais regulamentos?

- Aceitas amar a caça e respeitar a natureza ao longo da tua vida?

- Aceitas respeitar a Instituição Real e a Casa Real Portuguesa?

- Aceitas pedir para ti e para toda a Confraria a divina protecção de Nossa Senhora da Conceição, Padroeira de Portugal?

Como se vê, nada que não nos vá a todos na alma. São já três ou quatro gerações a preencherem a Real Confraria de Santo Humberto, onde entre muitos outro rituais impera a almoçarada depois. Desta vez em Santa Cruz do Douro, simpaticamente acolhidos em casa do nosso confrade mais velho e dos seus filhos também confrades.

E para receber e admitir um novo membro: S.A.R. o Senhor D. Afonso, Princípe da Beira.

Haverá muita gente que acha tudo isto estranhíssimo. Mas, em boa verdade, o estranhíssimo é que haja quem ache isto assim estranho. E não é outro o correcto ponto de vista.

 

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