"Um curto circuito"
Foi uma conversa sentada à mesa do seu restaurante, o Páteo das Figueiras. Tema: um circuito automóvel famalicense. Em uma só palavra: la revolucion. Ou, em quantas mais possamos sonhar, em quantas mais possamos dar uma achega a uma ideia grandiosa, - Famalicão, o polo do desporto automóvel, versão velocidade.
O bate-papo decorreu com o meu amigo Rogério Ferreira, uma autoridade nesta matéria. Houve rotas traçadas, planos plausíveis, a convicção de um maná barato, pronto a consumir.
Entre algumas dicas figurei um futuro de aceleração e o mundo a convergir para cá. Em traços muito amplos: temos a variante poente, temos Antas e as suas tentadoras avenidas novas, por altura do Parque da Devesa, temos a Humberto Delgado e, junto à rotunda do velho Bernardino, será de seguir pela Carlos Bacelar ou em direcção a Moço Morto (salvo seja)? Isto tudo sem complicar itinerários. Como se as possibilidades oscilassem entre o saudoso traçado de Vila do Conde e o mítico e urbano Mónaco.
Há, efectivamente, um vazio a preencher. A Princesa do Ave claudicou. Vila Real é uma pálida imagem do passado. O Estoril – nem sei bem, mas é distante, caro, diria inacessível aos nortenhos. E rampas são rampas. Onde é que a Falperra ultrapassará as emoções dos nossos circuitos de antigamente? Aquelas disputadíssimas competições de automóveis de Turismo e Sport, de Protótipos e monolugares?
Entre o medíocre e o óptimo há um lugar amplo para o bom e uma promessa do excelente. Ganha Famalicão. Na promoção do seu honorável nome, nos benefícios assegurados à economia adjacente: a restauração, a hotelaria, o artesanato e a industria renascente, desde logo a dos bonés da Ferrari. Ganham os famalicenses, por isso. Insisto: quimera ou realidade concretizável?
À partida, o “espeleólogo” Fernando Pessoa descobriu que se o homem sonha, a obra nasce. Uma obra, de resto, sequer indutora de despesas avultadas. Fazer o percurso e ajeitar a segurança de um circuito famalicense há de custar menos do que – terraplanar, expropriar, converter, construir, desconstruir, ou tocar a varinha de condão sobre quantos terrenos viram sapos por aí… Não, a obra não parece mesmo difícil, parece absolutamente alcançável e, num passo à frente, só teria de se firmar entre cópias possíveis e concorrenciais.
Quem recorda Vila do Conde conhece a nostalgia que o seu velho circuito deixou. Há movimentações revivalistas… E, para Vila do Conde, - para a Vila do Conde a sério – há necessariamente a castração resultante da tolice realizada no que chamávamos a “recta do Castelo”, onde hoje não cabe nem uma corrida de skates.
Aqui não seria assim.
Nem seria lugar para a Formula 1… Bastavam as máquinas ao dispor em quantas provas “contra-relógio” se vão realizando nas redondezas. Depois há a arregimentação segundo os grupos e classes próprios. Pairam no meu espírito várias dezenas de veículos, dos mais rápidos àqueles de escape furado e poluente. Com espaço para se ultrapassarem, derraparem, fugirem das mãos dos condutores, capotarem uma ou outra vez. E para uma bancada com lugar cativo dos que fazem a reportagem…
Com o destaque final para os Clássicos: os Escorts, Capris, Minis, Datsuns, Porsches, Autobianchis, Commodors, Simcas, todos sempre preferíveis aos troféus monomarca…
(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 18.MAI.2017)