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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Descarrilando o tempo

João-Afonso Machado, 31.03.17

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O suburbano chegou depressa demais. Ainda há minutos nas décadas os canteiros floriam, cuidadosamente regados, de volta das "retretes". Depois "latrinas" ou "sanitários", hoje talvez "WC's". Fica por saber se todo aquele asseio era obra da mulher do chefe da estação, o casal com morada no andar cimeiro e vista ampla para a vila. Cheirava a carvão queimado, é quanto se pode acrescentar.

Os dias demoravam-se em longos silêncios intervalados pelo tuú-tuú das automotoras. Coisa pouca. Na linha 4 uma abencerragem inusitada, prestes a partir. Destino: a Póvoa. Os homens fardados de azul coçado são os carregadores e ultimam o seu serviço. Além, uma pilha de toros de madeira e outra, mais adiante. A locomotiva parece impaciente, fumega da chaminé, vagarosa mas impaciente.

Não nos damos conta, o mundo cobriu-se de telhados de zinco e altifalantes. E descobriu-se cronometrado, amarelecido em placas electrónicas. O resto veio abaixo mas, inacreditavelmente, a pausada liberdade dos nossos dias respira pior, encurtou horizontes, distantes vão as tardes espairadas das sílabas todas da palavra - "ferroviário".

 

 

E se ele tivesse falado em Ferraris?

João-Afonso Machado, 28.03.17

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Gostei do imortal dito do tal cavalheiro holandês - Jeroen Dijsselbloen - sobre a apetência dos europeus do sul para os copos e as mulheres. Ele saberá porque fala: do que assiste, quando tem tempo, nos fins de semana na sua terra; e do que não se percebe se já provou, ansiaria ter provado, ou não consegue provar - refiro-me à companhia de senhoras, é claro.

E gostei, até, pela onda geral de histeria que provocou. Provavelmente em Portugal apenas, ou sobretudo.

O mais é quase nada. Se adivinho onde o ratinho Dijsselbloen queria chegar, talvez fosse mais acertado falar em Ferraris e na CGTP.

Isto é: nos patos-bravos que transformaram em cavalos, cavalinhos e cavalões (de potência automóvel) os dinheiros - ditos "fundos estruturais" - caídos em Potugal para activar uma economia quase nula. (Vão lá 30 anos...) E no pagode sindical ao serviço da ideologia leninista, sempre implacável quando se trata de fazer qualquer coisinha mais além do horário.

De cima a baixo, na realdade, somos o que somos porque não queremos ser melhor. O irrequieto Djsselbloen (fora ser socialista) é o que é mas, principalmente, os holandeses são o que são.

E o nosso estoico Costa continua - igual a si mesmo, sempre no seu melhor. Agora quer "varrer" o seu camarada... Como se não o fosse.

 

 

Vila da Feira, Terras de Santa Maria

João-Afonso Machado, 27.03.17

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Passa-se lá à porta mas raramente se entra. E o interior há de ser desconhecido de muita gente, a começar pelo silêncio todo que normalmente existe dentro do maiot bulício. Isto não tem apenas a ver com o castelo da Feira e com os seus recuados Pereiras, mas com o centro a terra, uero dizer, com a outrora vilória. O ângulo bonito do big bang urbanístico.

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Ainda de antes dessa carnificina, o convento dos Lóios. Com os seus campanários assim altos como um magnífico prédio moderno, mas não como ele em propriedade horizontal. E todas aquelas ruazinhas onde os carros não cabem, não chateiam, não poluem. Espantosamente tão longe da nossa imaginação e tão perto de uma voltinha a descomprimir.

 

 

Tamel - notas de um estado de choque

João-Afonso Machado, 25.03.17

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De manhãzinha, com as dimensões de um moderno atentado à facada, tão em moda nessas capitais todas, mas não por radicalismo religioso; antes familiar e judicial. Quatro infelizes degolados mortalmente, mais um bebé perdido a dois meses do seu nascimento - este o fruto espremido do que as televisões transformaram numa monumental melancia a render o dia inteiro. Se estive lá? - Estive, sim senhor, mas só a observar os que estavam.

Desde a paragem da camioneta, coalhada de mulheres de telemóvel em punho; até ao início da Travessa de S. Sebastião, que a GNR mantinha entrincheirada - lá no topo, a parte visivel de uma das casas onde ocorrera um homicídio, e a água descendo a sarjeta, garantiram-me, ainda tingida do sangue das vítimas.

Marcaram presença todos os emblemas televisivos e jornalísticos. As câmaras, aos molhos compactos, apontadas com precisão à GNR entrincheirada. Ai do soldado que ousasse levantar a cabeça, dar um passo à frente!...

O presidente da Junta acossado por entrevistas a sucederem-se umas às outras, dando já manifestos sinais de exaustão... - Esta gente é cá da freguesia? - perguntei a um circunstante. - Não, não conheço a maior parte das caras. Souberam pela televisão e vieram....

E foram ficando... Nos quintalórios em volta serviam lugares sentados à sombra. O Tamel hoje era só ali. Sem hipóteses para o trânsito automóvel. Num insaciável fervilhar de comentários, ouvi enfim, ajuizadamente, - A nossa terra logo havia de ficar conhecida por isto!

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Vim embora ainda a buscar outra imagem da terra deles, dos do Tamel. Encontrei-a numas pedras antigas caladas - tristes mas com futuro pela frente. Por esse mundo fora não há só tiros e navalhadas, também haverá boas e oportunas obras...

 

 

"Telescolares recordações de Primavera"

João-Afonso Machado, 23.03.17

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Quando passo ali custa sempre acreditar. Quanto jaz sob aquele cerrado pedaço de cidade! Quanta quase campesina vida – indo eu nos meus doze anos… - em tanto terreno em socalcos, desde as moradias que orlavam a Estrada Nacional, no fim da Rua Conselheiro Santos Viegas, até à cadeia, hoje posto da GNR. A cadeia que nós topávamos cá de baixo, hirta lá em cima, nos seus altíssimos muros brancos, decerto para que não fugissem assassinos impiedosos, desumanos, vigiados por polícias agarrados a um fuzil o dia inteiro…

É certo, ocorriam já algumas ameaças urbanísticas. Um prédio atravessava-se numa das extremidades… comprido como um comboio, desses que têm dois andares…; e, ao meio, já servida por um estradãozito alcatroado, uma fieira de casas geminadas, a última das quais albergava o posto famalicense da Telescola. O 145. Exactamente onde funciona hoje – situem-se – o jardim de infância Machado Ruivo.

Façam, por isso, o favor de converter a Rua Monsenhor Torres Carneiro num descampado quase até ao hospital. O posto 145, bastião avançado da civilização naquelas bandas, era também a residência dos Professores D. Lídia e Adolfo Passos, os seus responsáveis-mores. Prossigamos: pintem tudo à volta com as cores da lama ou do pó, os rigores da invernia ou do abafo dos dias estivais. E, entrementes, acrescentem ao quadro as flores despontando naturalmente aos primeiros acordes primaveris. Justamente na época em que andamos agora.

A Telescola deixava-nos em casa de manhã e, à tarde, o seu quê apertados se porventura chovesse, porque não dispunha de recreio coberto. As aulas iam das 14.30 às 19.30 durante meses de escuridão à despedida. Só com a Primavera as duas turmas (uma do 1º ano, a outra do 2º) respiravam mais espaço para a futebolada e para um regresso a casa já não na forma de uma tristonha caminhada pela cerrada negritude do bosque do lobo mau. Talvez daí não antes de Março despontasse o nosso platonismo amoroso, para o qual, aliás, muito valia a destreza demonstrada nos recreios. No futebol e não só.

Ainda antes era a temporada do “hóquei em campo”. Jogado com uma bola de plástico comprada na feira e o engenho bastante para transformar um pé de couve-galega, arrancado com a raiz, num stick torcido na ponta inferior, consistente e sempre substituível, a danificar-se com alguma stickada mais devastadora, por outro congénere fabricado e burilado numa hortazita um pouco além. O mais era bola para a frente, muda aos cinco, acaba aos dez, num campo tão escorreito quanto o convés de um barco tombado. Ainda assim, a lateral da parte cimeira oferecia às meninas uma excelente perspectiva do jogo e das proezas dos jogadores. Isto nas traseiras do posto 145 da Telescola, o derradeiro antes da aridez do deserto; à frente, o campo mais dimensionado, muito rapado de ervas, o Maracanã local.

No meu ano eramos poucos varões – apenas seis, com dois dos quais fui mantendo amizade próxima; acerca das moças – hoje senhoras, algumas avós – nada acrescento. É melhor não… Sei que se namorava muito, mas por escrito, bilhetinhos entregues por portador de confiança e lidos pela comunidade em geral. Estávamos no tempo das mini-saias (fase I) e dos hot-pants, de repararmos nisso tudo e em outros predicados, nos saudosos anos do Wild World do Cat Stevens e do Yellow River dos Christie, sempre incansáveis no leitor de cassetes da Prof. D. Lídia, todas as aulas de Trabalhos Manuais com que a tarde escolar findava. Sonhos e sonhos e sonhos e recortes atabalhoados em papel de lustre, a História e o Português eram mais o meu forte.

Há muito para contar ainda. Reencontrei recentemente aqueles meus antigos professores e é o que dá. A gente põe os olhos em tantas décadas passadas e só vê vacas a pastar sob o alcatrão e as investidas das tribos guerreiras de Mões, “eles” vinham aí, badalava o rebate dos sinos…

Por isso deixo o resto para uma próxima tarde chuvosa, a rabiscar a redacção na sala, à mingua de recreio coberto…

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 23.MAR.2017)

 

 

 

Interrogações arquitecturais

João-Afonso Machado, 21.03.17

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Lavou-se-me a memória dessa partida um dia em navio à sorte no vento, e o cais sem um adeus sequer. Nunca cheguei a perceber se morrera já no passar a barra, talvez tenha ressuscitado ao avistar o Brasil, talvez alguém me cedesse - não me lembro, tinha doze anos... - outro coração, este carregado de calos aptos a serem delapidados sob os calores ultramarinos. E foram. Depois o tempo largou à desfilada, sem rancores nem saudade, mal se detendo no balcão onde eu e ele levámos as primeiras chibatadas.

Regressei no galope de muitas cores e muito ouro, o ouro bastante para erguer bem alto toda a toléria que me apontaram, sempre generosamente comentada. E a minha mulatinha também, de resto mil vezes mais galante do que as afilhadas do Senhor Abade, emérito pecador cobiçoso.

Roubou-ma o clima ao fim de dois invernos e uma pneumonia. Nunca mais fui eu. Para quê aquelas paredes e aqueles telhados, os mais altos da minha terra natal? E o cucuruto para caçar as estrelas do céu, as varandas onde as tardes todas espreitávamos o passado e ouvíamos o sabiá? Para quê o meu paletó, o chapéu de abas (uma cisma minha das coisas ricas de Paris...), o laço garrido ao pescoço, a bengala encastoada nas formas de Vénus, para quê tudo isso nestes dias frios a que cheguei quando os do meu sangue já tinham definitivamente partido?

E a minha mulatinha levada para junto deles, o coro maldoso da freguesia inteira...

Só por isso morri. Sem o cuidado de ao menos deixar nome. Apenas com a vaga noção do meu intermitente despertar. Como se à minha mulatinha pudesse ocorrer ideia igual e voltássemos às tardes na varanda, ao pirolito a chamar o sol quente e o canto do sabiá.

Cadê a minha fortuna? Onde a sepultaram, tão longe de mim e dos meus sempre ocultos negócios, alma esta de perpétuo desassossego, em nós, brasileiros, quantos mais fantasmas há do que nos ensanguentados castelos das guerras de antigamente?!

 

 

Dunquerque

João-Afonso Machado, 16.03.17

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Antecipo Dunquerque, por um irrelevante acaso um episódio sonantemente passado. E não apenas chego antes aos dias primaveris em que se comemora a efeméride. Não, Dunquerque está mesmo no futuro, como um verbo de acção todos os dias.

É o longo caminho para a paz. Esqueçam a falácia das pombas, ninguém ignora a realidade das bombas. Dunquerque é a parte da vida que atravessa o campo minado. ou toda a adversidade convergindo para o lugar extremo da esperança quase só. Onde um general qualquer (que há de ser cada um de nós...) grita e repete à exaustão - Resistir, não desistir! Resistir, não desistir!...

Em Dunquerque parece o fim. Até chegarem os navios e as embarcaçõezitas. As disponibilidades todas em águas tingidas do sangue de tantos. Também a sorte faz parte da travessia do Canal. O motor do meu bote nunca se calou - Tretretre-pápápá-pum-trééé...

Antecipo Dunquerque pela razão simples de a chegada a bom porto significar apenas o princípo da vigilância, uma folga para contar espingardas. A guerra está sempre no início de uma boa causa, a ansiada quase mítica paz.

 

 

Mistérios do espaço do Tempo

João-Afonso Machado, 13.03.17

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Talvez Airó seja um nome airoso. Ou uma voz vinda de longe, um eco. Um estranho acordar de manhã, o rodopio dos nomes e números e a roleta a parar ali, no final feliz de uma equação qualquer.

Salto por cima das suas incógnitas. Até por x e y serem iguais a v e v igual, ou equivalente, a vida. (Felizmente deixada para trás no que toca a matemáticas.)

No respeitante a outras ciências, encarar a Virgínia e a Maria, ouvi-las, seguir oura vez em calções a sua expressão, o olhar, quanto mais (porquê esta cisma de voltar a Airó e perguntar por elas, pelo Alfredo, pelo Sousa?!), é estudar a geografia  da alma, auscultar o coração a bater lá para as bandas de Barcelos. E firmar a tese: o espaço do Tempo ritma-se, domestica-se.

 

 

Apanhados (VII)

João-Afonso Machado, 11.03.17

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Persegui-o a manhã toda ao longo da Vila. Dei com ele dormitando ainda, como se de patas para o ar ao sol. Umas voltas depois, topei-o encostado à berma, a gozar o movimento ante si. E adiante, num ângulo apertado, cortei-lhe o rabo, foi uma fotografia para deitar fora. Por fim, voltámo-nos a cruzar, vinha em sentido contrário, apanhei-o em cheio no separador central da avenida. Et voilá!

Somos do tempo em que a "arrastadeira" (o traction avant de 11 cv) circulava nas nossas estradas na frequência dos seus tetranetos - às dúzias. É a saudade de gente próxima que também já partiu, epopeias de muitos quilómetros, os carros levados à exaustão, as histórias que permanecem. Quando se lhes exigia utilidade, sem adivinhar que a sua beleza seria a sua imortalidade.

 

 

"Novas da Matriz velha"

João-Afonso Machado, 09.03.17

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É muito o reflexo dominical das manhãs da nossa infância, na recuada era das famílias numerosas. Ocorrem-me agora umas tantas, superlotadas com seis, sete, às vezes oito filhos, mas não as identifico, não vá alguém dessa gente toda não achar graça. O facto residia no seu avultado contributo para o preenchimento de bancos e bancos, na sempre concorrida missa do meio-dia da velha Matriz famalicense.

Precediam-na as das dez e onze e havia ainda a das sete da tarde. Uma cadência hoje impossível de manter, à míngua de sacerdotes e mesmo de fieis. Mas, nesses idos, os horários eram para todos os gostos e o Senhor Arcipreste – felizmente connosco, já centenário, – e os Reverendos Padres Rego e Guimarães, além de esporádicos outros “colegas” (como eles então se referiam entre si e para com terceiros), revezavam-se na celebração da Eucaristia. No conjunto das quais se destacava a do meio-dia, a que afluíam as mais representativas individualidades da Vila.

Nós abancávamos junto à divisória entre a nave e o altar-mor. Por razões óbvias: para não gastarmos a nossa atenção em mais do que o ofício religioso; e porque, habitualmente pouco pontuais (o carro estacionado de qualquer modo, a correria atrás do preceito, as portas fechadas com fé e sem uma volta à chave…), notoriamente pouco pontuais, deparávamos sempre com os bancos da frente, os de mais cobiça, já totalmente ocupados. Ao que acresceria o “estranho” costume de então, a cedência do assento às senhoras ou a cavalheiros idosos. Por isso simplificávamos, de olho nas almofadinhas sobre o degrau de pedra e, com a cabeça encostada às colunas da dita divisória, em quem tinha direito a ocupar o balcão ao lado da porta para a sacristia.

A missa do meio-dia tem um vasto repertório de ocorrências extraordinárias. De uma vez foi um anónimo revoltado, entrando na igreja de supetão a atingir uma imagem de Nossa Senhora com uma moeda de cinco escudos e um linguajar blasfemo, sonoríssimo, de manifestos propósitos delapidadores. Os circunstantes mais próximos petrificados de terror, a liturgia suspendendo a palavra, a Senhora de Fátima sorrindo sempre, não obstante o baque monetário nas suas vestes, e a saída do herege, tão fulgurante quanto a sua chegada. Aquilo fora qualquer mal-entendido de promessas…

De outra vez, o desmaio da velhinha oitocentista (talvez mesmo setecentista) em maré de particular canícula. Toda a assembleia guinou o olhar para a esquerda, de onde veio o estrondo da sua queda provocada pelo delíquio. Achegaram-se os voluntários, estou a vê-la na horizontal, levada em braços, de negro vestida desde os tornozelos à golinha branca, folhada, que lhe escondia o pescoço. Era Verão, os termómetros quase inchavam, o meu missal para crianças principiou a fugir-me das mãos, íamos no Padre-Nosso, eu alagado em suores frios, seria “sugestão”? – decerto era, segredei por auxílio, acabei também cá fora, numa sombra improvisada, a respirar ar quente mas não enclausurado.

E enfim, a coerente saga materialista de um colega de liceu, revolucionário do MRPP, cumprindo a sua “luta de classes” com o burguesismo do próprio pai, que o obrigava a ir à missa. – Qual foi a epístola de hoje? – perguntava-me ele, no termo de três quartos de hora de clandestinidade no Largo 9 de Abril, antes de enfrentar o interrogatório paternal, implacável. Mas, não raro, eu esquecia, já não lembrava, talvez nem tivesse ouvido, em nada lhe podia valer para suavizar esse temido padecimento.

A Matriz da nossa meninice e juventude foi muito mais do que estes salpicos. Erigida no coração da Vila, durante décadas e décadas com os famalicenses se encheu de lágrimas, ora de júbilo, ora de dor. Depois tornou-se pequena, soturna, vinha de longe o propósito de um novo templo mais consentâneo com a modernidade. Simplesmente, a Matriz Antiga – assim agora crismada – jamais poderia vir abaixo ou conhecer a ruína. Daí o entusiasmo com esta sua – digamos… - “ressurreição”.

Não me alongarei sobre o resultado estético final. Deixo um comentário somente: o mármore é-me excessivamente sepulcral, há por ali pormenores de madeira que não esqueci nem revejo… Mas são coisinhas de somenos importância.

Porque importante, sim, é o seu silêncio a falar-nos baixinho. Cada um reza como sabe e pode, e ninguém quererá sopesar a minha ignorância. Mas sentado naqueles bancos, contemplando o Tempo, muita gente boa regressa ali comigo. Gente de paz que como tal gostará de ser lembrada e trazida ao nosso coração. Irmãos nossos, rostos a avivarem-se, Cristo na Cruz, Cristo, sobretudo, de mãos estendidas para que nos aproximemos, todos em Si. É, é preciso ouvir o silêncio da matriz Antiga a falar-nos baixinho.

 

 (Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 09.MAR.2017)

 

 

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