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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Apanhados (VI)

João-Afonso Machado, 26.02.17

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Um encontro de última hora, imprevisivel, com a História automóvel do tempo da Avó. Foi o mais bonito que passou lá por casa. Verde garrafa, os estofos verdes também, mas clarinhos, e madeira no tablier. Houve que mandá-lo embora por causa das suas sucessivas avarias eléctricas. Talvez por tão britânico espírito não se adaptar ao nosso clima... Mas todos tivemos imensa pena e saudade.

Era um Morris 1100. O de hoje, por acaso, é um Austin. Vai tudo dar ao mesmo, à BMC, somente - incrivelmente - este azul fica a perder para o verde garrafa do inesquecível carro da Avó.

 

 

"«Cavalos de corrida» (e não apenas)"

João-Afonso Machado, 23.02.17

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É espantosa a quantidade de coisas que se podem fazer com um pedaço de terreno. Um prédio! – dirão os mais imediatistas; - Um gimnodesportivo, um campo de futebol – ripostarão os mais desportistas. Tudo isso e muito mais, desde as grandes superfícies às pistas de cross. O caro Amigo Sr. David Ferreira escolheu uma escola equestre. Em Calendário, a chegar ao Alto da Vitória, à esquerda para quem segue na EN14 em direcção ao Porto.

Há de haver em tudo isto um percurso ainda longe de estar findo. Mas, vejamos: uma escola equestre necessita – além do óbvio referido espaço – de cavalos. Tantos mais cavalos quanto maior o número de aprendizes, garantindo sempre a estes a possibilidade de trazer os próprios e (dado o incómodo manifesto de os transportar debaixo do braço) proporcionando-lhes meios de os deixar lá, até à aula seguinte, e à outra, e à outra…

Depois o mestre equitador. Nada que não se arranje por aí, combinando horários compatíveis até com outras escolas onde prestem já serviços.

Os alunos… Os primeiros, gostando, se encarregarão de trazer as vagas seguintes. E as instalações, o picadeiro, a cavalariça, os seus anexos, tudo crescerá à medida da quantidade dos aderentes e da qualidade geral do empreendimento.

O Centro Equestre e Turístico do Vale do Ave, do Amigo David Ferreira, no exacto momento desta história, dispõe de nove cavalos, dois picadeiros descobertos e um em “cobrição”. Os instrutores também são dois, e os alunos quinze, todos estudantes. Aos mais veteranos vão sendo progressivamente atribuídas novas responsabilidades no maneio da escola. Tenha-se presente: da chamada “baixa escola”, isto é, daquele ensino que nos ajuda a saber manter em cima da sela e a largar uns galopes. O fundamental na vida.

A rapaziada (não é a primeira vez que reparo nisso) assume as cores do clube. Fá-las suas. Além do montar, há o tratamento e a lide dos equídeos e não há como não se afeiçoar a eles. Acrescentem-lhes (aos cavalos) os póneis, os burros, os muitos cães, os ovinos, a capoeira e as rolas e caturras. E a suprema riqueza que é o glorioso ideal de termos algo à nossa frente para construir.

Por isso a azáfama do Centro. Está já no seu horizonte, cada vez mais cá, um novo lago, outras instalações a substituir os velhos barracões, a velocidade dos sonhos e dos planos a par com a consumação das realizações. Acima de tudo, visitando incógnito o Centro Equestre do Sr. David Ferreira, pude isentamente verificar a harmonia do “corpo discente” e as suas expectativas quanto a um futuro mais confortável, materialmente falando.

Tudo isto me põe a pensar sobre as virtualidades de um concelho jovem e populoso como o famalicense. Já montei muito a cavalo. Os anos, a idade, são tendencialmente preguiçosos e ferrugentos… Mas gosto de animais, mesmo dos que não são os meus cães. E há-os com fartura ali no Alto da Vitória, ainda lá deve estar o porco preto que apanhei à mão, numa das últimas Feiras de S. Miguel e, combinei com o Amigo David Ferreira, serviria de repasto a ambos os dois. Com um copo erguido (e bebido) à saúde d’ El-Rei. Até por isso, tenciono continuar a visitar o seu Centro, observando para aprender até onde pode chegar o engenho da vontade.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 23.FEV.2017)

 

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 22.02.17

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Em muitas, as vistas são demasiado estreitas. Em outras janelas há sempre uma golfada de ar novo sobre as velhas cores do desalento. Como se dissessem - Nós cá nesta margem, e um rio inteiro a separar-nos dos submissos à verdade de Sileno...

 

 

Vieira do Minho

João-Afonso Machado, 19.02.17

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Ofereçamos um ex-libris a esta terra de serranias e barragens: o gado barrosão. A esta terra já distante, com o Minho a esvair-se em outros ancestrais costumes, outra rudez.

A sede do concelho, em boa verdade, não tem muito que se lhe aponte. O fumeiro e a feira, com carroceis e sanfona, Quim Barreiros a todo o volume, abafam-lhe a pacatez. Há dias assim...

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É das suas freguesias que chega a genuinidade. O tal "gado bravo" e o entusiasmo das chegas de bois. Uma espécie de braço de ferro, jogado com dose farta de urros, o folego e os cornos. Se não ganhar a intimidação inicial, ganharão a resistência e a força.

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Os criadores são das redondezas. Há orgulho na apresentação dos seus campeões. E os combates, - as chegas - sempre uma surpresa. A mais empolgante da tarde durou 40 minutos até à desistência de um dos intervenientes. Ainda a tempo do fungagá nocturno, com o tremendo Roberto Leal ao vivo. Festa rija! Foi pena, tive de regressar... 

 

 

CTT (Camilo Todo Terreno)

João-Afonso Machado, 18.02.17

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É muito mais do que o cenário habitual do colar sêlos. Isso representaria apenas as carimbadelas. Mas depois cada livro tem um número e um nome correspondente. E uma assinatura, uma dedicatória, nova assinatura. Por fim, vai ao envelope.

Começam então as sinuosidades electrónicas. Camilo descobre-se com idade ainda para as realidades virtuais. Os envelopes carecem de moradas que se acoitam geralmente em e-mails. Conversa muda. Solavancos péssimos para as costas do espírito, a criarem calo nas corridas do tempo.

Em todo este trajecto um crescente de altitude. O monte de envelopes subiu. Camilo sente uma ligeira agonia. Ainda lhe falta a penosa travessia até à estação dos correios, a iminência de derrapar nos registos, o despiste dos destinatários, e - vá lá, ao menos... - o encanto da menina no guichet. Entretanto os envelopes perdem altura, é o vazio depressivo e amanhã será outra etapa assim. Também sinuosa, solavancada, a dar-lhe resignadamente cabo das costas do espírito. Mas prego ao fundo da pachorra. Camilo já não escolhe onde pisar. Envelope atrás de de envelope, nem o serenando o sorriso da menina do guichet.

 

 

Camilo ajoelha e jura mais não

João-Afonso Machado, 16.02.17

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Partiu jamais alcançando porquê tal destino: então ao trabalho da escrita há de acrescer o da revisão das provas? Não bastaria já organizar as ideias, dar-lhes expressão, movimento, o humor adequado?

Voltar ao dia anterior não é caminho que se recomende. Antes uma estrada nova, por desbravar, antes o desconhecido a um atalho repisado, cascalhento. Camilo morreu sem dar conta destas ratoeiras e do antecedente fim de todas as almas caridosas, as bengalas em que se poderia apoiar.

Ainda assim - ia a sua vida apenas em segunda edição - alcançou tempo e um compromisso consigo mesmo: quem vier a seguir que se amanhe. Outros projectos lhe povoavam já a cabeça e uma nuvem de pó ameaçava ao longe, no horizonte. Seria a sua cegueira ou - eis o que fica por contar - Camilo desajustado, de saco a tiracolo, a distribuir o correio de porta em porta. 

 

O som das cores

João-Afonso Machado, 14.02.17

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É em casa, de olhos postos fora dela. Imaginemos dunas.

Vem aí o tempo do florir dos chorões e de um mar que já não significa o impossível. O princípio da tarde vale o símbolo de todos os amanhãs até hoje outra vez.

A visão é pouco espaçosa. Tal como o papel, a cavalgar furiosamente para o ponto final. Nada resta senão as cores, uns ilhéus de areia, o branco das ondas no azul do horizonte. A policromia de um sonho ou o desejo de o tornar realidade. Como as «formas» de Platão.

Antes de pousar a caneta, quando a escrita ameaça tropeçar na areia, o derradeiro espreitar das rochas, assim estivéssemos a ler o barómetro das marés, ou o registo dos satélites em órbita de um regresso todos os anos ao mesmo eixo de partida.

Não vale a pena espraiar outras frases. O que foi serão sempre os traços de tinta até à exaustão. Isso é o quotidiano, mais ideia, menos lampejo matinal. Vírgula: porventura no poente laranja das nuvens cinzentas anteriores à largada.

 

 

Aqui jaz uma freguesia

João-Afonso Machado, 12.02.17

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O solar ficou para trás sem despertar grandes alertas. A igrejinha podia ser apenas mais uma capela, há-as por todo o lado. Mas o cemitério não. Não há cemitérios por todo o lado. Onde estávamos, afinal? Já não em Outiz, ainda não em Vilarinho das Cambas...

Era Gemunde, o fantasma da freguesia que morreu no meado do século XIX. Depois reduzida a lugar de Outiz. Estavamos ainda em Outiz e o fantasma diante de nós.

Um fantasma que não assombra o solar, demasiadamente vulgar para significar uma freguesia. Nem a antiga igreja paroquial, diminuta, escondida, falha de torre sineira, de adornos, servindo já só a devoção da Senhora da Guia.

O fantasma agita-se de branco sobre o vale desde terras de Famalicão às de Barcelos. Os seus braços foram personagens gradas de Gemunde. E é um silêncio que não se cansa de falar inconformado. Mas uma sobrenaturalidade asseadíssima, de tão estimada pelos vivos, a promessa feita aos mortos, é ali, entre paredes socalcadas na encosta de Gemunde de todos os tempos, nesse eterno bocado, que todos se hão de reencontrar mais cedo ou mais tarde.

 

 

"Marés vivas"

João-Afonso Machado, 09.02.17

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Vivíamos muito longe do mar. Quaisquer quinze quilómetros de esquecimento no curso do ano inteiro. Talvez não fosse assim com um ou outro, desses já motorizados e frequentadores das delícias e requebros femininos – gulosos! – porventura existentes lá para as bandas da Póvoa. Será o que escrevo pura imaginação, ou ingenuidade minha… Mas é a memória que trago dos invernos antigos e dos verões na aldeia, de todo o vagar das estações navegando bem ao largo da palavra “praia”.

O mar parecia então da mais absoluta inutilidade. Era improdutivo, bravio e indomesticável, assustador e cheio de água salgada. Bom para permanecer distante das desgraças que as suas ondas ameaçavam. Daí, com certeza, o aspecto desolado da EN 206, se calhar não mais do que um ocasional regresso a casa dos residentes em Outiz, Cavalões ou Gondifelos. Ocorre-me o dia de um Março de antanho em que desafiei o Manel para uma pescaria na Azurara. Os preparativos, meticulosamente levados a cabo de véspera, incluíam, além das canas e demais material, o farnel, os agasalhos e uma partida à boleia ainda antes do despontar do dia. Estão ao ver toda essa tralha e os dois pescadores de dedo esticado para a estrada junto da antiga Lavoura… O olhar incrédulo dos condutores dos raríssimos automóveis e camionetas em trânsito… E o adiantado da hora em que começámos a espetar lascas de sardinha (também parte integrante da nossa bagagem) na pontinha dos anzois.

É, o mar não atraía os famalicenses. Havia outros chamarizes. Mesmo no tempo quente, as romarias, – gostosamente suadas – a incontornável peregrinação ao S. Bento da Porta Aberta, a fresca sob as ramadas de americano, com um valente caneco do dito a ajudar. Todavia, o mar de Agosto dispunha sempre de um dia de atenção por parte da generalidade das famílias de cá e arredores.

Um dia especial, de aventura e excentricidade. Também ele precedido do maior planeamento, como agora se traçam aos sábados as linhas de ataque a um hipermercado.

Porque à cabeça de todas as preocupações, a subsistência alimentar: uma vez mais a azáfama culinária, os bolinhos de bacalhau, o arroz de frango ou as coxas dele, uma broa fresca e chouriço em fartura. Tudo acomodado numa seira firme, de onde emergia a cabeça do garrafão. E a saída madrugadora, a interminável viagem – a EN 206 transfigurava-se esses domingos estivais – numa caminheta do João Carlos Soares, as que faziam a carreira para a Póvoa. Com alguma fortuna, ninguém padeceria de enjoos o percurso inteiro. E no seu termo, a Póvoa do Mar, muito mais do que a “de Varzim”. Do “Mar” exclamado numa sílaba arrastada, deslizante como as ondas no areal. Assim os domingos poveiros se tornaram lendários e arqueológicos, tal a quantidade de ossos chuchados na pré-história dos sacos do lixo e de alguns outros salutares costumes. Um vasto território de dinossauros penosos, dirão os paleontólogos de amanhã.

Era, pois, uma Póvoa campesina, essa Póvoa dominical. Cheia de viúvas de negro, do lenço da cabeça às saias abaixo do joelho, e de camisas brancas masculinas, as mangas arregaçadas e o chapéu de abas a proteger do sol. Deixando às vezes escapar um pedacinho de pele leitosa, dessa que nem a dormir se despia… A ganhar coragem para descer à beira-mar, molhar os pés entre gritinhos de frio e excitação, de algum medo, havia de ser o Adamastor a rosnar sob aquela espuma da água na rebentação. E a fugir numa corridinha cá para cima, nada como uma talhada de melancia para refrescar do calor.

Não valerá a pena esmiuçar contrastes com a praia dos nossos dias e os seus biquínis que mesmo as viúvas já adoptaram. E onde já não ficam para o dia seguinte ossitos, espinhas ou cascas, mas o espaço disponível para a gente estender a tolha não cessa de decrescer. Importa é assinalar a nossa aproximação à costa em momentos tão inauditos como os das tempestades de inverno. Gente do interior que se desloca para gozar o espectáculo do mar em fúria!

A mobilidade é maior, as vias de comunicação céleres e convidativas, a informação constante (as ondas galgam já o pontão da foz, alerta vermelho…). Afinal há beleza nas águas encabritadas, no uivo do vento! E a máquina fotográfica (o telemóvel) ajuda a prolongar, a trazer para casa, a sua força e os seus efeitos.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 09.FEV.2017) 

 

 

Camilo extenuado

João-Afonso Machado, 07.02.17

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Muitos livros depois, as suas cartas continuam a ser lidas. Camilo já nada tem a esconder, contrariamente ao mundo em geral. E a sua vida, conta-a - talvez ela até fale sozinha, audível - ironiza-a, Camilo aprendeu a troçar de si mesmo e a secar as lágrimas com sarcasmos. Explicou-lhe a experiência, há um longo caminho a percorrer antes de alguém ser digno de confiança. Camilo, afectado pela cegueira, pouco anda, pouco sai.

Consola-o a sua correspondência. O esforço da vida deixa-o prostrado. São muito as palavras escritas dos seus amigos, e aquelas (já talvez passadas ao papel por outrém) com que lhes retribui a amizade, o mais a consolá-lo. É o seu derradeiro esforço: agora e nunca quererá manusear imperfeitamente o português, deixar que se lhe escapem entre os dedos os segredos do seu léxico. Camilo está estenuado, isso é óbvio e palpável nas suas missivas. 

 

 

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