"Nos pinaculos de Antas"
Uma obra, penso eu, que será sempre polémica. E para dar o tom, principiando, um redondel com a mais virginal atitude de um lugar tauromáquico. Assim como se a visse do ângulo obtuso de uma passagem aérea e herética. Dispensando o indispensável: a visita in loco.
A freguesia de S. Tiago de Antas inaugurou domingo, nas imediações do velho templo românico, a sua nova igreja paroquial. Entre o antigo e o actual um intenso choque arquitectónico. Com as sondagens altamente desfavoráveis à novidade. Como o tal primeiro vislumbre também.
Mas estive lá na véspera da solenidade. Quando o tempo dormia calmo, sem formigueiros automóveis, sem ruído, e o céu alto. Esse céu propendendo para o “cê” maiúsculo que o torna muito maior.
A visão, cá em baixo, dá para pensar. Do multissecular granito do mosteiro ao caiado de agora vão muitas dezenas de metros de homenagem e respeito. Há largueza em todo o redor. E estamos num cimo, alheados talvez da rotunda e das ruas que nela convergem. Algo esquinada, uma bouça; descendo um pouco uma casa de arcaboiço, simpática, pedra e décadas e telha no telhado. Como se tudo constituísse o esforço dos homens para um “Monte das Oliveiras” naquele topo de Antas. Possivelmente o seu ponto orográfico mais perto de Deus, se faz sentido falar assim.
Há ali muito vagar para estacionamento… Ou para a asneira… Se o homo famalicensis se abalança a construir (plausivelmente em altura) nas imediações, decerto conseguirá – sobretudo – um novo conflito entre a Teologia e Darwin. Com uma vitória de Pirro (do cientista?) apenas, porque também de boas vistas e contemplação vivemos nós. A deixar como está, está bem. Haverá somente a lamentar, gozando essa paisagem desenhada na vastidão do nada urbanístico e do sussurro dos eucaliptos (qualquer coisa acima do alcatrão das rodovias), o verdadeiro punhal cravado – literalmente – nas costas da vetusta igreja românica pela mão ágil do Seminário.
(São lembranças torpes, as dos idos em que a equipa de futebol dos seminaristas nos premiava – a nós, os da telescola – com fortes cabazadas de golos nos jogos que disputávamos…)
Porque não há direito dois edifícios tão longe no tempo e tão perto no espaço. Essa é que é essa. A outra – ainda evitável – é de poente a nascente um fundo apainelado de prédios, uma sobreposição vivencial esbatendo o andar dos séculos e o recolhimento das gerações que o preenchem. Fará o que escrevo sentido? Há quem diga sim, há quem acrescente nunca se sabe onde podem chegar os negócios. Ficam, por isso, sobrando nuvens a negrejar o “Monte das Oliveiras” de Antas…
(P.S. A cerimónia da inauguração do templo, presidida por Sua Ex.cia Reverendíssima o Arcebispo Primaz foi bonita e participada por muitíssimos.)
(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 30.NOV.2016)