"Matriz-Arte"
Não sei se lhe poderia chamar negócio. Nem onde se situaria exactamente. Sei apenas que em Famalicão. Teria de tudo um pouco (ou muito): miniaturas de carrinhos, postais e banda desenhada antigos, soldadinhos de chumbo, cachimbos e canetas, pilhas de alfarrábios e o que mais fosse aparecendo. A um canto um relógio de caixa alta, sóbrio e incansável no embalo da minha serenidade; mais o meu cadeirão, velhinho mas estofado a pele, com braços e de costas reclinadas. Onde eu, devidamente sentado, solicitaria aos estimados clientes não aparecessem, me deixassem prosseguir a metafísica averiguação sobre o destino de toda aquela cangalhada: como vender, desfazer-me de tanta peça bonita?
Acontece que, sem espaço próprio, sem stock nem meios de o adquirir, sem clientela para me moer a cabeça, deixo-me ficar em casa a sonhar e assistindo à obra levada adiante pelos outros. Recentemente – vagamente aparentada com estes meus projectos, mas não inconsequente como eles, – surgiu cá na terra, pela mão da Senhora D. Helena Romão, a Galeria Matriz-Arte.
Desde logo, gosto do nome. A matriz é uma fonte de onde muitas águas – ou vidas – podem brotar, e a gente ouve-as junto ao silêncio das paredes da eclesial velhice da nossa meninice. É na Rua de Santo António, nessa mesma nesga de lojas a fugir ao bulício em que todos estão pensando. Com o número de polícia 95.
A Galeria inaugurou com uma exposição e um propósito que é o seu título: Reanimar a Arte em Famalicão. Fez um catálogo com um lindíssimo desenho da Senhora D. Helena, a lápis de cera, para a capa: o jardim, a torre, parte do edifício dos Paços do Concelho. E convidou 14 artistas que se não são de cá são parecidos. Enuncio-os: ADiasMachado, Ana Maia, Angelina Silva, Armindo Santos, Camilo Lellis, Daniel Dewasmos, Fátima Mesquita, Filomena Fonseca, Georgina Ifigénia, José Faria, José Passos, Marta Vilarinho, Raquel Fortes e Rui Rodrigues Sousa. Além da própria promotora, claro, cujo magnífico “Liberdade” (acrílico sobre tela) sublinho.
A Matriz-Arte será um ponto de encontro (um ponto de chegada e partida?...) e de trabalho. Haverá workshops sobre artes plásticas, sobre fotografia, sobre o mais que pertinentemente advenha. Não creio haja lá o tal cadeirão forrado a pele, de bom encosto, onde eu me refastelaria e pediria aos clientes para voltarem noutra altura. Mas provavelmente não ficou esquecido o tempo bastante de dois bons dedos de conversa.
E depois – ou acima de tudo – acrescenta algo ao caminho que se impõe no bom rumo da “Vila”, ora cidade. (Mas ali retintamente “Vila”.) A Matriz-Arte traz diversificação, outro modo de aprender. Ou de ensinar um ignorante como eu em pintura, de lhe fazer alguma luz mais sobre o manejo da máquina fotográfica… O melhor é irem lá também!
(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 06.OUT.2016)