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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"Matriz-Arte"

João-Afonso Machado, 06.10.16

GALERIA ROMÃO.JPG

Não sei se lhe poderia chamar negócio. Nem onde se situaria exactamente. Sei apenas que em Famalicão. Teria de tudo um pouco (ou muito): miniaturas de carrinhos, postais e banda desenhada antigos, soldadinhos de chumbo, cachimbos e canetas, pilhas de alfarrábios e o que mais fosse aparecendo. A um canto um relógio de caixa alta, sóbrio e incansável no embalo da minha serenidade; mais o meu cadeirão, velhinho mas estofado a pele, com braços e de costas reclinadas. Onde eu, devidamente sentado, solicitaria aos estimados clientes não aparecessem, me deixassem prosseguir a metafísica averiguação sobre o destino de toda aquela cangalhada: como vender, desfazer-me de tanta peça bonita? 

Acontece que, sem espaço próprio, sem stock nem meios de o adquirir, sem clientela para me moer a cabeça, deixo-me ficar em casa a sonhar e assistindo à obra levada adiante pelos outros. Recentemente – vagamente aparentada com estes meus projectos, mas não inconsequente como eles, – surgiu cá na terra, pela mão da Senhora D. Helena Romão, a Galeria Matriz-Arte.

Desde logo, gosto do nome. A matriz é uma fonte de onde muitas águas – ou vidas – podem brotar, e a gente ouve-as junto ao silêncio das paredes da eclesial velhice da nossa meninice. É na Rua de Santo António, nessa mesma nesga de lojas a fugir ao bulício em que todos estão pensando. Com o número de polícia 95.

A Galeria inaugurou com uma exposição e um propósito que é o seu título: Reanimar a Arte em Famalicão. Fez um catálogo com um lindíssimo desenho da Senhora D. Helena, a lápis de cera, para a capa: o jardim, a torre, parte do edifício dos Paços do Concelho. E convidou 14 artistas que se não são de cá são parecidos. Enuncio-os: ADiasMachado, Ana Maia, Angelina Silva, Armindo Santos, Camilo Lellis, Daniel Dewasmos, Fátima Mesquita, Filomena Fonseca, Georgina Ifigénia, José Faria, José Passos, Marta Vilarinho, Raquel Fortes e Rui Rodrigues Sousa. Além da própria promotora, claro, cujo magnífico “Liberdade” (acrílico sobre tela) sublinho.

A Matriz-Arte será um ponto de encontro (um ponto de chegada e partida?...) e de trabalho. Haverá workshops sobre artes plásticas, sobre fotografia, sobre o mais que pertinentemente advenha. Não creio haja lá o tal cadeirão forrado a pele, de bom encosto, onde eu me refastelaria e pediria aos clientes para voltarem noutra altura. Mas provavelmente não ficou esquecido o tempo bastante de dois bons dedos de conversa.

E depois – ou acima de tudo – acrescenta algo ao caminho que se impõe no bom rumo da “Vila”, ora cidade. (Mas ali retintamente “Vila”.) A Matriz-Arte traz diversificação, outro modo de aprender. Ou de ensinar um ignorante como eu em pintura, de lhe fazer alguma luz mais sobre o manejo da máquina fotográfica… O melhor é irem lá também!

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 06.OUT.2016)

 

 

"A mudança de regime em Vila Nova de Famalicão" (III)

João-Afonso Machado, 06.10.16

PRAÇA DA REPÚBLICA.JPG

Por último, os ecos do Novidades de Famalicão, que tinha em Manuel José Rodrigues o director e redactor principal. É na sua edição de 13 de Outubro que divulga o “novo regime”: “para aqueles que acima de tudo põem o amor à Pátria, que são portugueses antes de serem monárquicos ou republicanos, a mudança de regime é uma questão secundária”. A desdramatização política, sem rebuço, procura encontrar plataformas de entendimento e deixar esquecidos no Passado eventuais “culpados”. Não outros senão os “desacreditados e desprestigiados representantes dos partidos monárquicos”, numa referência a uma Nação agonizante no “atoleiro em que a tinham lançado políticos desalmados e pouco exemplares”. Corajosamente se afirma “foram os monárquicos, pelos seus desvarios e pelas suas loucuras, que implantaram a República em Portugal”. Essa a verdade, a atingir a classe política, poupando a essência do Regime deposto. Daí, também, o aviso à navegação: cuidado com o “adesivismo”, citando o exemplo de “um célebre doutor que se deitou monárquico na noite de 5 do corrente e acordou no dia 6 republicano convicto”.

Nesta linha de pensamento, a mais lúcida e intemerata, prossegue, uma semana volvida (a 20 de Outubro), imputando aos monárquicos as responsabilidades pelo bem sucedido desfecho das manobras revolucionárias em Lisboa. Assim “se prova que o defeito foi dos homens e não dos princípios”.

Era o discurso possível: “a Monarquia nasceu tão isenta de defeitos, tão pura de intenções e tão limpa de escândalos como a República. Assim viveu muitos anos, atravessando épocas bem felizes e gloriosas para a Pátria, até que pela fraqueza dos homens que dela se foram assenhoreando, pelo favoritismo escandalosa e pelas tolerâncias de todos, a ordem concedida aos que iriam engrossar as hostes dos régulos da política, foi resvalando para o abismo”.

E prossegue, desassombradamente, o ataque implacável aos oficiais do ofício partidário: “dedicados à Monarquia, enquanto estas podia satisfazer as suas vaidades, e proteger os seus escândalos, os homens que a arrastaram pela lama vieram pressurosamente acolher-se à sombra da nova bandeira, apenas a viram flutuar gloriosa na fronteira dos edifícios do Estado”.

A honra e a bondade da Instituição Real tiveram no Novidades de Famalicão o seu ilustríssimo e corajoso defensor. O qual, de resto, não se poupava em augúrios pessimistas, precisamente porque, com a maior clarividência, se interrogava acerca das façanhas ainda expectáveis dessa classe ainda e sempre presente nos diversos cargos públicos.

Neste enquadramento, não era de forma entusiasmada que registava as diversas alterações logo promovidas na toponímia local: o Largo do Príncipe Real redenominado Largo da República; a Rua de Santo António, agora Rua Cinco de Outubro; a Rua de João Franco, Rua Cândido dos Reis; a Rua Direita, Rua Miguel Bombarda…

A edição de 3 de Novembro mantém o discernimento e recomenda aos católicos ponderação, calma, esperança. O Governo encetara já a sua cruzada anti-clerical, mas “o mal é dos homens, não do regime”. Por causa dos seus erros caíra a Monarquia. E “o mal de que padecemos, que esteve quase a perder-nos no tempo da monarquia, e de que continua ainda infelizmente a enfermar a sociedade portuguesa, esse veneno que parece ter intoxicado todo o organismo da nação, está na falta de confiança recíproca entre governantes e governados”.

Nada, absolutamente nada, mudou de então para cá… 

NOTAS FINAIS:

Da análise da informação veiculada pela imprensa famalicense disponível é possível extrair algumas conclusões:

- A implantação da República foi acolhida no concelho com significativa indiferença por parte das populações. Somente a fatia urbana e mais favorecida económica e culturalmente se manifestou pela positiva e sempre com notório comedimento.

- A ausência de pronunciamentos, aderindo ou rejeitando a movimentação revolucionária, resulta do alheamento generalizado do povo face aos assuntos políticos, da instalada desconfiança face às organizações partidárias e à classe dirigente. Algo que vinha de trás e não se alterou.

- Todas as transformações produzidas, nomeadamente no plano administrativo, foram obra de um grupo minoritário mas militante, a Comissão Municipal Republicana.

- V. N. de Famalicão não escapou à regra: como por todo o País, viveu diversos casos, mais ou menos escandalosos, de adesivismo.

- Por último, não será despiciendo comparar a reacção – o entusiasmo – popular (sempre de acordo com as notícias dos jornais) em 5 de Outubro de 1910 com o episódio chamado “Monarquia do Norte”, ocorrido no início de 1919, conforme a minha exposição no Boletim Cultural de V. N. de Famalicão (nº 5, III Série, 2009).

 

(in Boletim Cultural 2014/2015, IV série, nº 8/9, ed. Câmara Municipal de V. N. de Famalicão, 2016)