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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"A mudança de regime em Vila Nova de Famalicão" (II)

João-Afonso Machado, 05.10.16

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Curioso será também atentar no comportamento de um outro periódico – O Famelicence, “Órgão semanal dos interesses do concelho” – de que era director e proprietário José Maria da Graça Soares de Sousa Júnior. A 6 de Outubro, quando o telégrafo já decerto trouxera as novidades revolucionárias à província, o tema ainda se mantém arredado das suas colunas. Mas, logo a 13, o editorial é rimbombante: 

POVO HERÓICO

Lisboa acaba de dar ao mundo o exemplo mais alevantadamente de patriotismo e a mais grandiosa lição de heroicidade (…)”. 

E, mantendo sempre o tom encomiástico, enaltece a “alma portuguesa”, a “coragem dos revolucionários”, a “tolerância dos vencedores”… pela qual, decerto, esperara uma semana antes de tomar partido contra a “monarquia minada pelos seus próprios servidores”, o que era objectivamente verdade -  a avaliar pelo restante da exposição: “para nós que sempre nos mantivemos numa completa independência de sectarismos, mas profundamente partidários de tudo quanto concorra para a ressurreição da pátria, o novo regime marca o início de um grande acontecimento nacional”.

O jornal saúda efusivamente o povo de Lisboa – porque não fora outro a fazer a República – e expressa o seu desejo de uma vida nova, de “Ordem e Trabalho”. Esboça uma nota sobre Bernardino Machado, um “quase nosso conterrâneo” (muito menos então do que agora…), “elevado a um dos mais altos cargos da República portuguesa”. E transcreve uma “carta de Barcelos”, também ela salvando o “glorioso povo de Lisboa”.

Definitivamente, Famalicão, o Minho, toda a ambiência da província, não comungavam na Revolução. Aderiram a ela, depois de consumados, seguramente confirmados os factos e a mudança de Regime.

A 20 de Outubro, o editorial intitulava-se “Prosseguindo”. Utilizando regras básicas de prudência, ia dizendo o expectável quanto ao futuro político do País, nessa obra de construção do “novo templo”: sabedoria, justiça, fraternidade, instrução – um tema ainda abordado na semana seguinte.

Também O Famalicence se pronuncia a favor da bandeira azul-branca que Guerra Junqueiro e os mais moderados tentavam opor ao pendão rubro-verde imposto pelo Partido Republicano, facção afonsista e radical.

Por fim, - aspecto relevante – o número de 17 de Novembro noticia uma conferência do Centro Republicano local. Foi orador o Conselheiro Sousa Fernandes e os seus propósitos eram transparentes: não obstante o que considera a “adesão espontânea” de muitos cidadãos, na já mencionada sessão decorrida nos paços do concelho, a verdade é que recebera “ordens superiores” para abrir o “livro de inscrições de sócios” do “centro democrático” da vila à disposição dos interessados. “De nada vale qualquer outra adesão que não revista esta formalidade” – a do compromisso político com a República selado com a assinatura de cada um…

Havia que combater o sentimento monárquico, ainda e sempre bem arreigado no espírito dos portugueses. Persuadindo, pressionando, sem dúvida intimando.

 

(in Boletim Cultural 2014/2015, IV série, nº 8/9, ed. Câmara Municipal de V. N. de Famalicão, 2016)