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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"Faraós em S. Tiago de Antas"

João-Afonso Machado, 08.09.16

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Já com amigos havia comentado, inquirido: que buracos aqueles, umas tocas no saibro e no granito, em pleno adro da igreja de Antas? Mais a mais, vedados por rede de arame, sem uma indicação, qualquer pista elucidativa… E tudo isto a par com o silêncio dos meios de comunicação… Foi um longo Agosto de curiosidade e impaciência.

Porque as respostas eram imprecisas. Ao certo não se sabia… E dos meus passeios do pós-jantar com os parceiros caninos ficou – literalmente – a escuridão, com algumas suspeitas de ali ter havido enterramentos e ali haver descobertas recentes, a coberto das obras de restauro na vizinhança do templo.

Agora a Imprensa confirmou. Trata-se de não menos de 60 sepulturas datadas entre os séculos XII e XIX. Um percurso caminhado ao longo de quaisquer vinte gerações! Com muitos objectos ainda, colectados de permeio.

Li também, alguém relativizara a importância histórica da novidade. Desconheço exactamente porquê, talvez por não se tratar de faraós famalicenses. Como se andássemos a cavar no planalto de Gizé!

Na realidade, antes de chegarmos aos romanos, ou aos gregos e cartagineses, aos remotos celtas, bastemo-nos com os nacionais cá da terra. Indo do presente para o passado e não ao invés. Sem esquecer – o século XIX ainda nos falará ao coração, talvez nos ecos do que nos recorda ouvir dos nossos avós. Acerca dos pais e dos avós deles.

E essa foi a notável centúria em que Famalicão se independentizou como concelho!

Mas, a crer no que se diz, o achado oferece mais. Fará luz sobre a Idade Moderna – um período muito lacunoso dos nossos anais – e as trevas medievais em que, paradoxalmente, Portugal viveu todas as glórias da nossa primeira Dinastia. Querem mais?

Como por vezes sucede, irrompem exageros. Necrópole, assim rotularam o conjunto de sepulturas. Uma necrópole ali no adro da igreja? Que Nova Iorque dos defuntos não será então o cemitério de Moço Morto?

Nem se trata somente de recolher esqueletos. Ao que consta, entre moedas, peças de cerâmica, adereços religiosos (contas, terços), anéis de adorno, pregos (dos caixões?), etc, etc, muito fazia companhia aos jazentes. Ora isto é o mais precioso que eles podem contar das suas existências, afinal do modus vivendi dos famalicenses nossos antepassados.

Melhor não sei dizer. Aguardarei, entusiasmado, a exposição das conclusões dos estudiosos da matéria. E continuarei, entretanto, a passear por ali com os companheiros do costume, interrogando-me sempre: tapam aquele buraco aberto e escarafunchado, ou arranjam um jeito de o deixar à vista, evidenciado o desvelo dos antigos para com os seus mortos? É, ou não, de manter à luz do dia a arte com que, recuadamente, se culminavam os ritos funerários?

E muito em paz, como se já com um pé na Eternidade, vou antecipando os próximos milénios, esse inolvidável momento em que os arqueólogos da posteridade desnudarem os vestígios da nova igreja de Antas. De que columbófilas suposições serão eles capazes?

 

(Da rúbrica De Torna Viagem in Cidade Hoje de 08.AGO.2016)

 

 

Atribulações de uma boutique

João-Afonso Machado, 05.09.16

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Defronte à notável presença de uma farmácia, um pouco além da mercearia, naquele empedrado afeito aos cascos das alimárias, - o absoluto mutismo da montra vazia de tudo menos dos cadáveres de moscas enormes, com garras, parecidíssimas com os lobos que enxameiam as serranias circundantes. O interior forrado de prateleiras onde se amontoava roupa, peças de tecidos, objectos indefiniveis, um caixote de comida para cão. E ninguém, a não ser um papel na porta, era favor tocar à campainha. Duas prolongadas vezes toquei.

O miúdo que atendeu, vindo dos fundos, disse ia chamar a avó. E eu não soube dizer à senhora senão a minha enorme vontade de coscuvilhar a loja. A boutique, a descambar para o armazém, obrigada a defender-se das alcateias de moscas a tiros de dum-dum, mesmo assim distinta da botica, desse lugar qualquer onde também se bebem copos de vinho.

Não, a senhora, simpatíquissíma, deixou-me virar do avesso o artigo. Se havia roupa de homem? Claro, umas camisas, camisolas, calças..., um cabide de agasalhos próprios do Circulo Polar Ártico. Não me perguntem o que procurava porque também não sei. Talvez essa pequena maravilha do artigo todo ainda etiquetado com preços em moeda antiga! - Não quer levar esta tê-xarte? É algodão puro, muito boa, de uma fábrica no Porto...

A tê-xarte tinha gola, em boa verdade seria um polo, com botões até à barriga e um bolsinho para o maço de tabaco... Pensando melhor a tê-xarte era uma camiseta. Preta, como agora está muito em moda nos enterros. - E o preço? - Marcava 2.700$00. - O senhor é capaz de me dizer quanto é em euros? - São cerca de 14,50, minha senhora... - Então para si fica por 10€! - Obrigado! - E a tê-xarte/camiseta veio comigo, um milénio depois, mas felizmente ainda não tive de lhe dar uso.

A conversa com a querida senhora arrastou-se. O estabelecimento não resultara bem um sucesso, mas ela é proprietária de um canil de cães Castro Laboreiro, vende cachorros para a Europa inteira, queria à viva força eu o fosse visitar. - Gostaria imenso, sabe? Mas estou mesmo de passagem... - E aquilo era o rés-do-chão da casa, um entretém, aliás, no próximo ano irá remodelar a loja, vender produtos locais, artesanato...

- Acho muitíssimo bem, minha senhora! Mas mantenha estas prateleiras e armários, o balcão, deixe as paredes como estão. - E (disse cá para dentro) não mande embora o cabide com as impenetráveis roupagens de inverno, vá buscar os Castro Laboreiro, porque, a comerciar mel e enchidos, as moscas não tardarão a descer de novo ao povoado, famintas, aterradoras...

 

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 04.09.16

05.SET.012.JPGQuando o meu dono partiu não me chamou bagagem nem arrumou melhor as malas lá atrás. Aliás, conversámos, e continuamos a conversar, a viagem toda sem que consiga convencê-lo a pôr o cinto de segurança.

 

Castro Laboreiro

João-Afonso Machado, 01.09.16

CRUZEIRO.JPGFoi sede de concelho quando a organização administrativa de Portugal ainda não era desenhada a regra e esquadro nos gabinetes dos ministros. Mas talvez Castro Laboreiro não se tenha incomodado muito com tão abstrusas inovações. A vida prosseguiu sem grandes sobressaltos naquele planalto da serra da Peneda e a igrejinha local agora mesmo é a sua "Matriz". Assim como o pelourinho parece continuar a dar ordens e o granito também. Entre as fragas circundantes, urgia selecionar um passeio.

As ruínas do castelo, num cabeço que bem se avistava cá de baixo, do centro da vila, ergueram-se a hipótese mais viável. Não isenta de vertigens nem dos tambores cardíacos, mas sempre tentadora. Fomos.

CASTELO.JPGNão doeu. Deixou somente a saudade dos anos ágeis em que o corpo correria, em vez de pausar os movimentos, esquecendo mesmo de disciplinar a respiração. No regresso seria o tempo de dar algum polimento à barriga das pernas. 

APARIÇÃO.JPG

Sobre a fauna daquelas bandas outros mais especializados, também membros da expedição, melhor poderão falar. Havia visitantes em número suficiente para os ares se despovoarem de aves de bom porte, mas entre as estevas a animação era muita e diversificada...

Por fim, os inquestionáveis vestígios das muralhas. Restava descer, tornar à base.

CASTRO LABOREIRO.JPG

Antes, porém, um olhar derradeiro sobre a vila de Castro Laboreiro. A cratera de muitos séculos de uma identidade sem par. Possivelmente um dos escassos, quase extintos, lugares de liberdade da também pouco visivel Nação portuguesa. Em pedra genuína, sem imitações, e gastronomia condizente.

 

 

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