"Faraós em S. Tiago de Antas"
Já com amigos havia comentado, inquirido: que buracos aqueles, umas tocas no saibro e no granito, em pleno adro da igreja de Antas? Mais a mais, vedados por rede de arame, sem uma indicação, qualquer pista elucidativa… E tudo isto a par com o silêncio dos meios de comunicação… Foi um longo Agosto de curiosidade e impaciência.
Porque as respostas eram imprecisas. Ao certo não se sabia… E dos meus passeios do pós-jantar com os parceiros caninos ficou – literalmente – a escuridão, com algumas suspeitas de ali ter havido enterramentos e ali haver descobertas recentes, a coberto das obras de restauro na vizinhança do templo.
Agora a Imprensa confirmou. Trata-se de não menos de 60 sepulturas datadas entre os séculos XII e XIX. Um percurso caminhado ao longo de quaisquer vinte gerações! Com muitos objectos ainda, colectados de permeio.
Li também, alguém relativizara a importância histórica da novidade. Desconheço exactamente porquê, talvez por não se tratar de faraós famalicenses. Como se andássemos a cavar no planalto de Gizé!
Na realidade, antes de chegarmos aos romanos, ou aos gregos e cartagineses, aos remotos celtas, bastemo-nos com os nacionais cá da terra. Indo do presente para o passado e não ao invés. Sem esquecer – o século XIX ainda nos falará ao coração, talvez nos ecos do que nos recorda ouvir dos nossos avós. Acerca dos pais e dos avós deles.
E essa foi a notável centúria em que Famalicão se independentizou como concelho!
Mas, a crer no que se diz, o achado oferece mais. Fará luz sobre a Idade Moderna – um período muito lacunoso dos nossos anais – e as trevas medievais em que, paradoxalmente, Portugal viveu todas as glórias da nossa primeira Dinastia. Querem mais?
Como por vezes sucede, irrompem exageros. Necrópole, assim rotularam o conjunto de sepulturas. Uma necrópole ali no adro da igreja? Que Nova Iorque dos defuntos não será então o cemitério de Moço Morto?
Nem se trata somente de recolher esqueletos. Ao que consta, entre moedas, peças de cerâmica, adereços religiosos (contas, terços), anéis de adorno, pregos (dos caixões?), etc, etc, muito fazia companhia aos jazentes. Ora isto é o mais precioso que eles podem contar das suas existências, afinal do modus vivendi dos famalicenses nossos antepassados.
Melhor não sei dizer. Aguardarei, entusiasmado, a exposição das conclusões dos estudiosos da matéria. E continuarei, entretanto, a passear por ali com os companheiros do costume, interrogando-me sempre: tapam aquele buraco aberto e escarafunchado, ou arranjam um jeito de o deixar à vista, evidenciado o desvelo dos antigos para com os seus mortos? É, ou não, de manter à luz do dia a arte com que, recuadamente, se culminavam os ritos funerários?
E muito em paz, como se já com um pé na Eternidade, vou antecipando os próximos milénios, esse inolvidável momento em que os arqueólogos da posteridade desnudarem os vestígios da nova igreja de Antas. De que columbófilas suposições serão eles capazes?
(Da rúbrica De Torna Viagem in Cidade Hoje de 08.AGO.2016)