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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Por aí...

João-Afonso Machado, 31.08.16

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Esta é a porta de entrada no mundo dos antigos. Entremos, pois, no mar dos mitos, nessas águas tépidas que são a nossa terra, e oiçamos o ritmo dos remos de outrora. Eles cantam a História, tudo o que, afinal, jamais morrerá.

(Muito ao longe, sob a neblina, vislumbrei já Ulisses no eterno retorno à sua Ítaca).

 

 

História fronteiriça

João-Afonso Machado, 27.08.16

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No fundo, o que o desesperou foi o azar de uma herança no meio do deserto. O grotesco dessa herança a dar-se ares apalaçados, cercada de palha e calhaus. Não conseguiria melhor o tio que atravessara o oceano, e regressara entre o saudoso e o perdulário?

E sequer podia desculpar-se com a ruína. Não, as paredes permaneciam hirtas, o telhado um chapéu perfeitamente a uso e as janelas como binóculos - antiquados, talvez, mas providos ainda de todas as lentes. Sem esquecer a chaminé que uma cegonha ocupara, agora o seu ninho, solitário, inamovível, isento de impostos.

- Herdei um elefante cor-de-rosa! - disse, embriagado de fastio.

Onde estivesse, o tio ouviu-o desagradado. Tinham sido semanas e semanas de mar encabritado, o alfa e o omega de uma vida inteira de agruras, até ao epílogo da ausência de porta aberta para o comboio. Na rota das frescas margens ribeirinhas e dos prazeres mundanos do litoral ou da cidade, da fronteira... Sempre em idas e voltas estonteantemente rápidas.

- Mal-agradecido sobrinho! - desabafou, triste, indignado.

SEM PONTEIROS.JPGChegou depois o dia em que o pessoal da ferrovia abandonou o apeadeiro. E logo ele resolveu regressar a sua casa. Chamam-lhe hoje assombrada mas é apenas porque o comboio se transformou na calmia do seu desasossegado espírito, em horário diluido, intemporal, de onde, caducos, cairam os ponteiros do relógio da gare.

 

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 26.08.16

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O frio era muito, dentro e fora da alma. Ainda é viva essa imagem de dor e ausência. E não falassem da beleza das pedras desde que aprendi elas provém dos magmas onde o coração borbulha.

Deu-se, entretanto, a erupção. Felizmente.

 

 

Belver

João-Afonso Machado, 23.08.16

BELVER.JPGHá uma curva a descer e logo após a colisão frontal. O castelo, sozinho como uma águia, e, mais abaixo, o ninho cheio de penugem branca. É Belver e o seu guardião.

TEJO.JPGTrepámos às muralhas. Como quaisquer Hospitalários envoltos no ferro aquecido do Agosto alentejano. Sob o cantar das cigarras e a sua eternidade dos dias quentes. Trepámos até ao azul rastejante das águas do Tejo. 

E assim chegámos à visão do mundo nascente caminhando não se sabe para que poente.

DO CASTELO.JPGHospitalários momentaneamente sem elmo, encarando o horizonte, Belver à sua guarda e a omnipresente incógnita da hoste inimiga.

 

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 19.08.16

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Sem terra aprendi os empolgantes sabores da incerteza. Cairei de costas ou cairão sobre mim?

Para o caso, pouco importa.

Apesar de tudo, talvez não fosse pior o desabar do firmamento. Assim eu, egoísta confesso, lhe amortizasse a queda...

Sem terra, o que mais acrescentar?

 

 

"Breve gramática da liberdade"

João-Afonso Machado, 17.08.16

VINHAL - 14.AGO.2016.JPG

Três cães são o que resta.

Três suspiros reticentes a calar a noite

e  uma festa ponto de exclamação.

 

Tapete e almofada travessão aresta esquecida

em alma renovada vírgula interrogada

num alento de vida.

 

Três cães juntos num só pronome possessivo.

Três vezes o sustento tempo de verbo

ou substantivo.

 

Ritual de olhares e expressões as mesmas

tudo é um momento igual

abre parenteses

de onde flecha o vento

e fecha em pronome pessoal.

 

 

"Telemicroscópio"

João-Afonso Machado, 13.08.16

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Quando as primeiras pedras foram erguidas

nessas exclamações de tempestade

ruíram sumidas construções,

 

mil joeiras onde luzia antes pouco

um céu estrelado de verdade.

 

Mouco o Verão prosseguiu até o fruto das lavras

todos os dias que são as palavras

o silêncio da razão. 

 

 

Memórias vilacondenses (XXIV)

João-Afonso Machado, 10.08.16

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Não sei se ainda resistem aos calores em que o mundo vai esturricar aquelas impenetráveis manhãs de nevoeiro em Vila do Conde; quando a ronca da Póvoa roncava insistente, aconselhando aos banhistas um passeio pelo rio, o jardim, a televisão, a cozinha, as compras na vila, enfim, tudo menos as gélidas areias da praia. 

E a Bento de Freitas conformava-se e vestia um casaco de malha. Ia beber um café e ler o jornal ao Bompastor. Ou jogar futebol no Ténis, tratando-se da sua ala juvenil. Se não se pusesse à janela, assistindo ao ziguezague das peixeiras de canastra à cabeça, agarradas aos batentes das portas de um lado e do outro da rua.

Até que vinha de algures, desembaraçadamente, um pedalar de bicicleta no empedrado, o guiador firme e a bagageira diante dele: - Bom dia, tia [.]é! - Bom dia, filho, bom dia para ir ao mercado!... - E logo o bólide desaparecia na densidade do ar, num frenesim de campaínha, como se fugisse às pragas do diabo. Não demorava, uma outra bicicleta descia da vila, pachorrenta, muita trangalhadanças, sempre bem disposta: - Olá, tia [.]é! - Um largo sorriso de quem não vê os anos passar... - Olá, olá! - e as rodas, o selim, tudo aquilo a chiar Bento de Freitas fora, adivinhava-se a caminho de alguma visita, afazeres de um verão coxo de sol.

(Quem seriam as velocipedistas? Ponham os de sempre da Praia as consoantes que completam os seu nomes monossilábicos... Vila do Conde era assim, então, os automóveis estacionados, fartura de lugares vagos, e as bicicletas um apetrecho tão urgente quanto os fatos-de-banho. Em certos Agostos, até mais...).

 

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 07.08.16

ANDORINHA MAR.jpgDescanso a coberto das penas. Com pena de não as ter nem voar. Ainda por cima, correndo o risco de cair às ondas e submergir...

Definitivamente vosso, ainda em terra,

do coração,

ass) Sem Terra.

 

 

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