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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Por aí...

João-Afonso Machado, 30.07.16

S.TA MARIA OLIVEIRA.JPGSorrateiramente era esse o local adequado, amarelecido pelos lampiões no frio e na escuridão da noite. A expectativa de palavras era escassa e tudo se processou conforme devia ser.

Ainda está por apurar o que me desagradou. Talvez a beleza do recanto merecesse outro empenho. Corrijo: outra ciência. Há-de ter sido isso, sem dúvida...

O sorriso final é provável não deixasse a história ter acabado. Onde há sorrisos há amanhã.

 

 

Uma rosa depois do Tempo

João-Afonso Machado, 28.07.16

ROSA OFERECIDA PELO GRÃO DUQUE.JPG

Tem a envolvê-la uma tira de papel onde se lê: «Rosa dada pelo Grão-Duque do Luxemburgo no jantar de 22 de Julho de 1891. Luxemburgo, Chateau de Walferdange». Na inconfundível caligrafia da então embaixatriz de Portugal.

Está diante dos meus olhos, depois de mais de um século de escuridão numa mala do sótão. Sobreviveu, subiu além do Tempo, sempre na ponta do seu ramito, espalmada, sim, tal qual as folhas que a rodeiam a realçar o seu encanto. Como se de repente voltássemos atrás, sentados à mesa do jantar no Chateau de Walferdange. Explicando ao Grão-Duque uma série de coisas humildes mas talvez tão antigas quanto ele, sob o sorriso enternecido - tenho a certeza: enternecido - da embaixatriz e dos aromas e cores da rosa entre as suas mãos.

Espalmada, pois, mais as folhas que a rodeiam. Acastanhada. Mas viva como uma Rainha no coração das suas gentes. Eternamente viva e saudada no Luxemburgo que insiste em recebê-la, galanteá-la, cento e vinte e cinco anos depois.

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 24.07.16

RUA DO OLVIDO.JPG

Provavelmente olvidei. Mas porque não uma rua socalcada, espremida entre paredes, onde se calhar nos sentámos tão juntos e já tão distantes?

Olvidei. Ensurdeci. Ceguei. Não consegui atentar no improviso tornado gemidos íntimos, na imensa sequência dos gestos e das outras marcas indeléveis de um passado longínquo e sempre presente.

Ei-los agora, tremendamente à tona.

 

 

"O arco do Santiago"

João-Afonso Machado, 22.07.16

ARCO A MEIO.JPGLi em jornais antigos, o Santiago era romaria muito a contento da gente grada de Famalicão. Um acontecimento social, tão religioso quanto pândego, que congestionava o terreiro do Senhor dos Aflitos na célebre noitada de 24 para 25 de Julho na freguesia de Cruz. E até ao fim desta, no fundo do vale, quase em Mouquim, os dias a anteceder o Santiago preenchiam-se de altifalante: – Um, dois, três, experiência; escuto, um, dois, três – proclamava uma voz roufenha sobrepondo-se a silvos cortantes, de arrepiar. Enfim a coisa afinava e a música seguia por horas e horas, enquanto o rapazio planeava entusiasmado o escoamento dos trocos amealhados a pensar no Santiago.

Arribavam, preliminarmente, os carroceis, as barraquinhas de tiro, os matraquilhos e bilhares, e algumas bizarrias como a “mulher de palmo e meio” que me levou a respeitável soma de 25 tostões num caixote, dentro de uma barraca, onde se via somente a sua cabeça falante. Como se se tratasse de uma jarra com flores, no centro da mesa. – É isto uma mulher de palmo e meio? – inquiri, num sentimento de burlado. – Sim, uma mulher de palmo e meio metro – responderam-me displicentemente, a aviar, vinham aí mais curiosos…

E, ao aproximar-se a noitada, os caminhos para o Senhor dos Aflitos formigavam de famílias inteiras apetrechadas de mantas e merendeiros, tudo o necessário para essa maratona festiva que se prolongava até às humidades do amanhecer. Com o palco e o artista convidado, fogo de artifício e uma “vaca de fogo” pelo meio.

O Santiago tinha o seu ex-libris, o monumental arco. Uma construção em madeira de eucalipto carpinteirada na horizontal, no cimo do terreiro, quase junto à estrada nacional. Depois enfeitada a papeis coloridos, encaracoladinhos e enroscados pelas moças da freguesia, lavores de semanas a fio até que, na véspera da noitada, sobrevinha a tarefa hercúlea de erguer e verticalizar o arco. A pulso, madrugada fora, deixando-o firme nas buracas alicerçadas defronte à casa da Laidinha, que o Senhor tem. Isto é uma história com princípio há mais de cem anos e o arco chegou a ultrapassar os 50 metros de altura e, provavelmente, algumas regras básicas de segurança. Mas diziam-no o maior de toda a Península, e mesmo lá no fim do vale via-se a sua ponta, acima dos pinheiros e das austrálias, estiolando Agosto, Setembro… Assistindo à chegada de Outono e começando a inclinar, empurrado pelas ventanias, muito na direcção da venda da Maria Alcina, capaz de alcançar, caindo, o telhado do Prof. Araújo – nomes que o Tempo não esqueceu, assim como a memória do arco, lenha para o fogo depois de prudentemente destronado da sua altivez. Renasceria no Santiago seguinte, até que o meado da década de 80 (do século passado) o cortou cerce de vez. Não mais os mais possantes braços de Cruz o levantaram toda a noite dos 23 de Julho. E o topo do terreiro foi alcatroado, engalanado com uma rotunda e a estátua evocativa dos fregueses combatentes no Ultramar.

Agora resolveram ressuscitá-lo. Foi no passado sábado, um pedaço mais abaixo, a meio do terreiro, não indo além dos 40 e pico metros, e os papelotes substituídos por plásticos em várias secções de cores. Era de tarde e muitos compareceram, muitas vozes sob as varas que erguiam o arco, alguma confusão… Afinal, reuniam-se ali, trinta e tal anos depois, naquele incómodo, a ciência dos mais velhos e a força muscular dos que o levantariam. O terreiro povoou-se de engenheiros, cada um debitando as suas recordações de como tinha sido já tão antigamente. O arco rangia e oscilava, ao pôr-se de pé, e ocorreu-me que desgraças acontecem quando menos se espera. Mas uma grua a tocar o céu amparava o gigante pela cintura, o mais era encenação também, até as mulheres a puxarem à corda, na outra extremidade, como outrora, defendendo os seus maridos de uma possível derrocada do arco.

Caía a tarde acaloradíssima e S. Tiago da Cruz revivia o seu ex-libris. Diurno, remasterizado – falemos assim – mas sempre capaz de fazer a freguesia feliz.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 21.JUL.2016)

 

 

Margarida

João-Afonso Machado, 21.07.16

TITAS.jpg

Às vezes não entendo porque um dia escrevi

 

Já não sinto ciúme

da morte ou da vida.

 

Sem um queixume

digo adeus.

 

A Deus

Margarida. 

 

mas há de ter sido em algum momento de pior disposição, talvez no intervalo da nossa infinita conversa em que me habituei a reconhecer - tens razão! - e entre duas frases levas invariavelmente um beijinho.

 

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 20.07.16

NUDEZ.JPGAssim o Tempo se fez pedra. No seu vagaroso correr. Esqueceste apenas o granito não é sedimento. Por isso nada ficará. Mesmo a memória não será outra senão o sabor da tua carne. Antes de empedernir....

 

 

Até que a sede doa

João-Afonso Machado, 18.07.16

EGAS (14.JUL,2016).jpg

O fim destas tardes calorentas é um bocado de terra e outro de saudades mais umas tantas codornizes. E demo-nos por contentes, desboloradamente contentes..., ainda resta onde treinar os nossos partners de caça e o fascínio das armas, o gosto de as buscar antigas, de calibres exóticos, coronhas em madeira quase carcomida. Tudo a ajudar fazer do postiço verdade, como quando a verdade era verdadeira - justa, digamos assim...

No fundo, são principalmente os sonhos. Por exemplo, o de alcançar um dia a parceria ideal com um perdigueiro. Em casa e cá fora. Isso que agora mesmo está a acontecer, um acachorrado caminhar sobre a erva brava, eu sei onde a codorniz foi deixada mas ele não. E vai ainda em maré de descobrir, entre mil cheiros, qual o que lhe compete. Anda e aceita o comando da voz. - Egas, calma Egas, para este lado. (O gesto rasgado do braço a indicar também é logo percebido). Obedece, corrige a trajectória, não é bom que se disperse. Ficará indiferente? Não, a um metro de distância estaca, cabeça alta, expressão atenta e gulosa. Dá um pulo garoto em frente, a codorniz salta, aperro os cães da arma centenária, disparo, a codorniz cai.

Vai no seu encalço, o focinho oculto na vegetação, o trabalho parece empenhado, regressa finalmente, vem ter comigo com ela na boca. Muito composta, toda aproveitadinha.

O calor aperta. - Ficamos por aqui - informo-o enquanto o levo à água. Bebe largamente, serena o ofegar e deixa a lingua ir na brisa. Olho o horizonte e leio nele que somos muito mais do que as pedras, somos tudo o que à sombra das pedras os outros imaginam ser.

 

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 14.07.16

CANTINHO.JPGSei tudo sobre o beco, conheci-lhe o granito ao sol, quente como uma alma abraçada. E as janelas viram e calaram os breves momentos em que fui dono de algo, pertença de alguém. Lembras-te?

 

 

Memórias vilacondenses (XXIII)

João-Afonso Machado, 12.07.16

SR. MÁRIO.JPG

Quando, ao certo, começariam as nossas férias? Pergunto assim porque há 50 anos - em 1966, há meio século! - por esta altura a praia de Vila do Conde - a praia eramos nós... - procurava avidamente um televisor para assistir às proezas de Portugal no Mundial de futebol em Inglaterra.

Não sobravam muitos aparelhos na Bento de Freitas. A Avó alugava um para toda a temporada, que tirássemos a barriga das misérias antes de regressarmos aos nossos campesinos candeeiros a petróleo. E assim abrimos os salões em Vila do Conde, ostentando progresso, a uma tropa barulhenta um bocado mais velha - esses agora já sexagenários - e entendida em futebol. Rapaziada fanática do Ósébio. Do Ósébio e dos seus pares, o Coluna, o Torres, o Simões, Costa Pereira, o guarda-redes. E outros que por não serem do Benfica mereciam pouca menção.

A hoste chegava à hora do prélio e acomodava-se na sala como podia, a maior parte acocorada no tapete. E vibrava a cada golo de Portugal, quase todos marcados pelo Ósébio. Sem recordar imagens, tenho bem na memória o jogo com a Coreia do Sul.

E o desaire com a Inglaterra, a revolta perante uma arbitragem descaradamente parcial, as lágrimas do Ósébio. Mais alguns nomes que ficaram para sempre: Bobby Charlton, George Best, o russo Yashin, o melhor keeper do mundo, o seu desmaio quando levou uma bolada na cabeça...

Creio que antes desse 1966 vilacondense nunca dera conta do futebol. Mas o Ósébio levou-me para o Benfica, de onde me transferi, aí com dez anitos, para o F. C. do Porto. Azul e branco sempre é azul e branco... E viciei-me, entretanto, em cromos de jogadores. Já então a malta da praia esquecia o vólei no areal e futebolava em qualquer canto, atrás das barracas, nos quintais, no Jardim ou no Ténis, nas traseiras do Ciclo. Onde quase tudo hoje são apenas fantasmas ou miragens.

 

 

"Vamos comer a polé!"

João-Afonso Machado, 10.07.16

AUTORIDADE.JPG

A imprevisibilidade portuguesa dá para os dois lados... Porque não? Talvez o nosso emigrante tenha razão. Talvez comamos mesmo o galo francês. (Ou a galinha, fiquei sem saber se o dito emigrante era contra a descriminação sexual, sei-o apenas a favor do Acordo Ortográfico).

Oxalá tudo corra grandiosamente! Vamos dar neles!

E depois foram quatro semanas muito pouco políticas. Afora o Presidente Marcelo, sempre zumbindo por aí, houve menos Costa, menos Centeno, menos Bloco, só alguns escândalos... Que bom, se este Parlamento esmorece não arqueja o País.

Enfim, a silly seasan vem de seguida. E os Jogos Olímpicos e a Volta a Portugal também. Com um bocado de sorte, o PCP faz greve às greves e a Catarina sossega um pouco as suas causas fracturantes, adia o referendo.

Aproveitemos, pois. Comamos a polé. Com imensa paprika, como ensinava o Herman no Cozinho para o Povo. Sem discussões sobre a identidade de género, está bem, meninas bloquistas?

 

 

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