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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Camilo

João-Afonso Machado, 16.06.16

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Por onde começar? Como dizer apenas pouco? Camilo sobe as suas escadas, doem-lhe os filhos, de Ana Plácido deve sentir o peso das convenções sociais. Mas há as cartas de amigos, recados respeitosos para a família. São escassos quilómetros, pisamos diariamente os seus caminhos de homem lúcido, consciente do desespero que já o invade.

Renascem as sombras, o vulto vagaroso de Camilo. É um estudo de nós próprios. Um triunfo em cada pormenor desenterrado. Nas noites frias de inverno como nas mornas e preguiçosas tardes de Junho. Agora. A sentir a sua escrita voraz, em abreviaturas do seu sofrimento e da sua agonia, afinal - irrompe Miguel de Unamuno: - o grito de angústia de quem vive e luta entre a ressurreição da carne e a imortalidade da alma.

 

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 13.06.16

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Foi a longa espera do minuto exacto. A ajeitar ângulos como se compuséssemos ramos de árvores excessivos. Recordo o desespero e o regresso apressado, ainda a tempo. E um fartar de palavras lentamente mortal, dizes tu, quem sabe se falando verdadeiramente.

Ficou a imagem pintada de todos os tons da saudade. Mesmo agora, noite escura como todas as impossibilidades evidentes, a calma impera. Foi. Foi apenas. Foi bom.

 

 

The day after

João-Afonso Machado, 13.06.16

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As sete horas, o implacável despertar que a idade me impõe sem mesmo transigir no Santo António, levam-me ultimamente às matinas das redes sociais. Menos pomposamente - ao Facebook. E com frequência deixo lá uns recaditos, umas imagens, e vou sabendo da vida alheia: não é pecado e ninguém fica preterido ou em lista de espera.

Mas ontem, dia incomum, estava lá, no meu quintal, um número ainda não apurado de postais de parabéns. Um monte deles, a dar-me pelos joelhos, em boa verdade o caos e o carteiro de mãos à cabeça, já sem forças para a noite antonina.

Enfim, há um agradecimento generalizado - obrigado a todos! - e haverá uma palavra para cada um, a chegar ao destino desejavelmente antes do Natal, porque eram postais de parabéns, não de boas-festas. Começarei de imediato, portanto.

 

 

A cor de um dia

João-Afonso Machado, 12.06.16

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Aquele dia impacientemente amanhecido dos carrinhos Corgi Toys e depois, já menos ansioso, de algum livro especial, de qualquer coisa pouco acessivel; esse mesmo dia que há muitos anos marcou firme a maioridade de portas abertas para o mundo, azul por todos os cantos da vida, ameaça entretanto tornar-se apenas uma mórbida campaínha do curso do Tempo; o dia acinzentado em que assinalamos no mapa o lugar da viagem aonde chegámos, o seu fim sempre mais à vista.

Se falo de um cruzeiro ou de uma tormentosa travessia, tanto é uma resposta de cada um para si mesmo. Flessingue escreveu «O que me suceder sucederá por bem» e essa foi a divisa adoptada pelo meu Bisavô, um dos mais - e pelos melhores motivos - afamados mareantes do Sangue que sou.

Por isso prossigo com o meu Bisavô o Sangue que sou nesta viagem em que é bastante alcançar a tranquilidade, antecâmara da paz, e também o sentido às vezes difícil de cada escala, cada porto. A pena ou um crayon e o kodac têm sido a companhia ideal, intérpretes de comprovadíssima fidelidade.

 

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 10.06.16

 

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Serei sempre de onde nunca fui mas fiquei, preso na perplexidade das cores. Voltei por empréstimo, não deixarão de crescer as minhas dívidas. A grande travessia será com ela, entre medos vários onde não se inclui a circunstância menor do naufrágio sem sobreviventes.

 

 

"... Onde está sempre presente..."

João-Afonso Machado, 09.06.16

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Conheci-o assim: chegara recentemente a Famalicão com trabalho (salvo erro) na Riopele e trouxera da imensa paisagem alentejana o gosto da caça. Mas onde caçar nestas bandas? Informou-se e, com a maior delicadeza, pediu a meu Pai autorização para dar uma volta em terras da minha Família. Muito sensibilizado – a época não condizia bem com tais atenções… - o meu Pai disse-lhe logo que sim, com certeza, e mandou-me a acompanhá-lo por matagais e campinas. Eu tinha 16 anos e a minha espingarda vinha já do meu Bisavô, de cães, velhinha, os dois longos canos muito consumidos.

Andámos a manhã toda naquele mundo cerrado de arvoredo e ralo de coelhos. Andámos sempre, como depois continuámos a andar mais de três décadas de amizade. O pouco que caçámos então foi o muito semeado e até hoje cultivado. Ele não atirava a gaios, pegas ou melros (asneira em que um catraio de 16 anos bem pode incorrer…), a sua história era de perdizes e nós, do que lhe aprouvesse, só podíamos oferecer algum coelhito ou tordos. A conversa foi diminuta e a caçada finalizou em umas leiras carregadas de codessos, mesmo ao pé das ruínas de uma casa desabitada de caseiros. Mas aquelas pedras musguentas, o gotejar da água no fontenário, a varanda e o alpendre, o pátio interior, fascinaram-no, percebia-se claro – puseram-no a sonhar.

Durante cinco anos não nos voltámos a encontrar. E quando se decidiu vender essa quintinha ele prontamente apareceu: queria-a para si e para a sua Família.

Não houve dúvidas, o negócio tratou-se muito rápido. Quase tanto como uma relação de boa vizinhança derivou para a tal amizade que nos levou à caça no Douro, em Terras de Basto, na Beira Baixa… Em Reguengos de Monsaraz, no inesquecível Roncão d’El-Rei (agora afogado no Alqueva), em caçada – a mais bonita da minha vida – que ele me ofereceu.

Muito caçámos também no prato. E na terra fértil dos planos e dos projectos e das ideias e dos ideais políticos ainda. A quintinha transformou-se no mais aprazível lugar para tudo isso e para eu capturar utilíssimas visões da realidade empresarial, uma especialidade sua. E neste amontoar de gratas recordações emerge de repente, não sei porquê, um tostadinho leitão assado e jantado na Póvoa de Lanhoso.

Tudo começou há 40 anos. A espingarda velhinha do Bisavô já se aposentou, descansa na sala, chegara entretanto o tempo de eu comprar a minha própria arma. Para ter também que deixar aos meus bisnetos. E, a páginas tantas, a sua caçadeira começou a dar a vez à carabina dos javalis. Faltaria apenas falar das soltas de faisões…

Em boa verdade falta falar no principal. Mas talvez seja desnecessário. Famalicão conhecerá bem o caracter de um engenheiro químico oriundo do Alvito distante, muito novo aqui arribando com um emprego no concelho, um cargo… e, a recebê-lo e aos seus, um quarto na Pensão Ferreira. Depois…

Depois… cada um contará a sua história e eu alinhavei esta. Dedicada ao bom Amigo Vasco Figueira da sua Quinta do Godinho, onde está sempre presente nos nossos dias.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 09.JUN.2016)

 

 

Resende

João-Afonso Machado, 06.06.16

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As notícias são nenhumas. É o lugar igual todos os dias além dos rigores meteorológicos. Mas por ora sabe bem o exercício da solidão no jardim público onde talvez não caibam mais de três solitários e um boneco de palha. Cores florais mutismo e o banco de pau reclinado. O tempo não passa.

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Há gelados e uma agitação infrene no café. Há jornais e, através deles, o mundo. E há juventude, a continuidade da espécie, melhor do que isso: caras bonitas, desejos naturais, o rir das conversas tarde fora.

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É uma escolha de vida, barbas deixadas crescer sem pretensões nem monumentos nem história ao virar da esquina. Apenas Resende, o eterno plano inclinado, e o Douro no fim de tudo, deslizando, navegado, perdido numa floresta de encostas indistinguíveis, quase arrependido por deixar ou não chegar a qualquer cais a montante ou a jusante.

 

 

Juno

João-Afonso Machado, 02.06.16

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Gosto de Junho. Talvez por lembrar o mês em que nasci. Ou mesmo pelo seu andar trauteado no ano, assim como quem entra na meia-idade subindo as escadinhas do jardim da vilória. E provavelmente senta num banco à sombra (porque Junho é um mês folhoso, frondoso) e lê curiosidades etimológicas sobre o calendário romano (Juno era a deusa protectora das mulheres...) e ri e acomoda-se melhor e sorna.

E Junho irá andando. Também gosto dos Santos Populares mas mais à janela, vendo-os passar lá em baixo. Na verdade, Junho não seria Junho sem eles e sinto sempre aquela punhalada que o solstício me espeta na alma em todas as vésperas do S. João, quando os dias começam a mingar todos os dias. Por maior que seja a abundância da sardinha assada e o sol multiplique promessas de longevidade - ainda por cima a este devoto dos silêncios temperados, senão mesmo agasalhados no frio.

 

 

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