Subi as escadas do Palacete Trovisqueira (o actual Museu Bernardino) até ao patamar onde enche a parede o inolvidável retrato de Sua Ex.cia, o Presidente da República, recebendo os humildes cumprimentos do Filho de Deus, enquanto uma infinita fila de prelados, párocos, frades e freiras trilha caminhos suspeita-se que levando aos horrores do enxofre e das chamas. É um quadro imponente, em boa e evangélica verdade vos digo, merecedor de multiplicação, como o pão e os peixes, e distribuição por toda a nossa deplorável auto-estima. A enviar com urgência à lusitana expedição futebolística em terras gaulesas…
Enfim, Bernardino, o anfitrião, mirou-me logo à porta, a mim e à minha bandeira azul-branca em riste, desagradou-se-lhe por um só esgar o semblante, e sempre cordial convidou-me a entrar, que ficasse á vontade, estava em casa. Mesmo porque a minha missão era oficial, eu integrava o júri de rua das Marchas Antoninas deste ano.
Uma honra! E a oportunidade de conhecer melhor os meandros deste acontecimento. Qualquer coisa que envolve muito empenho, muito entusiasmo dos participantes. E aceso despique, julgo acentuado no correr dos anos todos desta já tradição.
A vista do desfile lá do cimo da varanda do palacete é assaz sugestiva. Fonte de boas fotografias, mais não seja pelo ângulo em que são tiradas. Há um alcance obviamente maior, a noção exacta da profundidade das marchas, dos cuidados coreográficos em que decorreram meses e meses preparatórios. E mesmo da natural alegria dos intervenientes, esses que cantam, dançam e chamam o público a cantar e a dançar com eles. Porque os passeios estavam repletos, as Antoninas têm aqui, realmente, o seu momento mais alto. Agora que ando com a mania de Camilo, só me ocorria o epíteto de “trigueirinhas” para tanta moça bonita gingando de mãos às ancas, muito sabedoras daquelas quadras todas das marchas… Do que tudo nunca me apercebera, tal o meu caseirismo nestes episódios de multidões.
Fui espreitando, fui votando. Há freguesias e associações do concelho já com lugar cativo nas Antoninas famalicenses. Porque não a emergência de outras? Se a nossa terra exulta com o espectáculo…
A Rua Adriano Pinto Basto ficava, entretanto, para trás. Votei em consciência, como é usual dizer (e proceder). Este ano o desfile terminou no jardim da Câmara Municipal. Dava ainda para aí assistir à encenação final… Ganhou a trupe de Ribeirão, soube-se no dia seguinte. E à despedida das minhas funções no Palacete Trovisqueira, outra espreitadela mais ao quadro monumental, ao interminável solilóquio, onde Cristo permanece, há não sei quantas décadas, ouvindo paciente a sageza de Bernardino, o político e pedagogo.
- Saúde e fraternidade! – atirou-me este, já no descer do escadório. – Obrigadinho, o mesmo para si, continuação... – pois que havia eu de responder-lhe?
(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 23.JUN.2016)