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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Será o fim de MACHADO, JA?

João-Afonso Machado, 06.03.16

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Depois de tantos anos... nim! A escrita vai mal com obrigatoriedades, a literatura tem regras, resta saber quais.E há o neto Egas, uma colecção de canetas que urge movimentar, não aconteça a caligrafia esclerosar-se. Acresce o caderninho de bolso, grosso de páginas em branco, definitivamente sabático. Como os dias que me esperam contra a rotina, essa preguiçosa roda de ideias a assorear os estuários da criatividade.

É tempo de emparelhar e armazenar palavras escolhidas a rigor e caladas. De regressar à leitura e mesmo ao lápis dos impulsos e dos repentes. É tempo de pensar, ouvir o silêncio, coleccionar memórias de quem por aqui passou.

O mais é imprevisível. Tanto quanto o nunca e o sempre são, afinal, a mesma medida do nosso duelo com Cronos. Nesta eternidade das horas (ou dos minutos...) que nos estão destinados para compreender e receber a eternidade seguinte para onde, aparentemente, as nossas canetas não viajam connosco.

De qualquer modo, o momento é solene. Até porque - talvez nem todos tenham reparado - é firme o mastro onde tremula a sempre bandeira nacional.

 

 

"Além dos lugares"

João-Afonso Machado, 06.03.16

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Lágrimas escorrem

a sangue assinalando o fim de gerações.

 

Morrem sem cura no silêncio de orações

depois de cada ponte,

tal a secura

do meu horizonte.

 

 

Hoje, na Casa das Artes

João-Afonso Machado, 05.03.16

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Esta tarde a Casa das Artes foi um breve retrocesso no tempo entre nomes já quase esquecidos de colegas e professores. Tudo na inauguração de uma exposição de aguarelas, em redor de uma esplêndida e bem regada bôla de carne.

A memória precisa de alimento assim. Desta ginástica feita nos intervalos das bocas cheias. Depois, aquecidos e activados os músculos, começam os personagens a abrir os olhos, os episódios a falar, mãos que se dão, malha que se tece. Enredos completos. Abraços, uma pontinha de emoção.

A apimentar a bôla de carne, o facto de a artista ser a Mulher do meu professor de Português no liceu. É, a caneta cavalga já, e eu a queixar-me de que ela andava com bicos de papagaio!... Mas chibatam-na visões, o fatinho do professor, o seu Toyota e a extraordinária intuíção didáctica, como as aulas lhe saíam bem, e volta e meia as varadas, - quando a tropa se sublevava - a justeza das suas avaliações, o exagêro da boca-de-sino, moda era moda, coisa santa... Eia!!! (Rédea curta puxada firme). Eia lá!!! Alto!!!

Sente-se o suar da correria. Hei-de voltar com o vagar de horas e horas dos treze, catorze, quinze anos. E uma carripana qualquer tirada a uma parelha, para carregar mais. - Mestre - assim que me vi homem feito passei a tratá-lo por mestre; foi-o, sem dúvida alguma - Mestre, vou traçar-lhe o retrato na minha próxima crónica do jornal. - Pois sim, pá, diz depois quando sair.

 

 

Assoando

João-Afonso Machado, 03.03.16

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Falemos de João Soares. Façamos-lhe essa caridade. Mas não esquecendo o determinismo do velho Lombroso dos recuados tempos da Faculdade: como as propensões do indivíduo se patenteiam na sua fisionomia.

Tendo bem presente as bochechas e a barbela, a voz côncava e o olhar torcido e vingativo de menino mimado, do eterno aluno do colégio particular. Acomodado tanto quanto revolucionário.

Do «social-democrata de sempre», em entrevista recente, ao «não me passes a mão pelo pêlo» com que o indomesticável Garcia Pereira repeliu, certa vez, uma sua aproximação ao vanguardismo dos maoístas. Da sua inconsistente e tonta, ora posta de lado, recusa de gravatas.

Da sua incontrolável necessidade de falar de si, da sua anedótica coerência pessoal e política, do agnosticismo e do avental maçónico. Dos honrados combates perdidos, as boas causas por que dá uma expressão balofa afinal - e finalmente - de ministro.

De um discurso a simular o apaziguador e solidário e uma atitude fracturante e maniqueísta. Amigalhaça. Do triunfo da incompetência alcandorada ao Poder, talvez prémio, talvez barbitúrico.

É quanto basta para uma caricatura, na verdade retrato fiel, - nem sequer caricatura... - da República portuguesa.

 

 

"São corvos-marinhos, moço!"

João-Afonso Machado, 03.03.16

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A generalidade da rapaziada mais urbana vivia os intervalos das aulas a sonhar motores e correrias por aí fora. Uma mão num volante imaginário, a outra na alavanca das mudanças, também invisível, e a boca posta de lado, deixando escapar entre os dentes acelerações demolidoramente sibilinas. Poucos seriam os que se interessavam pela natureza, por uma volta aos coelhos ou aos tordos, nessa saudosa altura ainda frequentes. A caça, a passarada, eram sobretudo apetites das aldeias, do mais rural do concelho.

Começava-se cedo, ainda que os meios disponíveis fossem toscos. Valia basicamente a fisga e o virtuosismo no seu manejo. Mas coexistia uma prática funesta, bastante sigilosa, chamando a si todo o mistério dos rituais iniciáticos – o andar aos ninhos.

Entenda-se por andar aos ninhos a argúcia de os descobrir entre ramagens e silvados, o suspense de anunciar o segredo sem o desvendar, e a destreza de, trepando ou desbravando, os apanhar. Para fatal azar, invariavelmente, da friorenta e esfomeada criação.

Não quero dizer houvesse prazer em condená-la à morte. Os ninhos eram uma aventura e um eco de façanhas de outrem, melrinhos enjaulados em tubos de arame que cresciam e depois cantavam de manhã à noite, pegas e corvos falantes como gente, varandas engalanadas de pintassilgos ou toutinegras, rolas bravas arrulhando na capoeira. Certa vez ofertou-me um filho da caseira, no meu aniversário, uma moeda de cinco tostões e um par de petos muito aconchegado no ninho que ele descobrira sabe-se lá em que tronco! Foi uma semana de pressão (vulgo stress) tentando descobrir a dieta dos petos, experienciando, ora miolo de pão, ora tirinhas de minhoca, ora puré de mosca. Uma semana com os petos na gaiola dos periquitos (que entretanto vagara), os petos a ganhar penas, a ganhar colorido, eu a fiar-me no bom sucesso de tanto esforço para, de repente, logo ao pequeno-almoço, dar com eles gélidos e inertes, mortíssimos há horas, sem sequer explicarem porquê…

(Muito tempo depois fiz vingar uma coruja do mato que me deram ainda de penugem toda branca e alimentei a fiambre e croquetes. Quando já principiava a voar, o meu filho Vicente confiou-a ao Parque Biológico de Gaia, onde residiam umas tantas suas congéneres).

Sobreveio a idade das espingardas de pressão de ar. Revejo-me com o meu primo Manel e o Amadeu, dispostos em atiradores na manjedoura do gado, fazendo sucessivas descargas sobre os pardais que poisavam nos codessos, gulosos do milho triturado da silagem. Esta era já uma guerra aprovada superiormente, os pardais são daninhos e muito comestíveis em vinha de alho. Para trás ficara a carnificina em dias inteiros nos campos ou na horta, de mira feita às lavandiscas e aos tentilhões e verdilhões, aos piscos, felosas, chapins e chascos, às carriças e aos serezinos. Numa autêntica sanha persecutória em que o nosso orgulho era tanto maior quanto mais vistoso e variado apresentássemos o penduricalho à cinta. Assim também Búfalo Bill e os seus sequazes quase extinguiram o bisonte americano… Há coisas, reconhecemo-lo hoje, que nem a idade das pressões de ar perdoa!

E se, quatro décadas atrás, gaivotas, corvos-marinhos e patos-reais, como agora, pairassem, ensobrassem Famalicão?

Volvamos ao início, aos idos dos motores versus a passarada. Juraria, ninguém a novidade deixaria indiferente. Então os corvos-marinhos, gigantescos, o sobrevoar das águas e o seu poisar de autênticos hidroaviões, os mergulhos no lago da Devesa, as horas penduradas nos choupos mais altos, asas de morcego esticadas!... Personagens da banda desenhada, quais Batman que, então, frequentava já os escaparates dos quiosques famalicenses – ele e o seu Batmobile, peça de eleição da Corgi Toys… Não, o liceu encher-se-ia de interrogações – Que será aquilo, moço?! (“moço!”, o termo interpelativo ou exclamativo, um “Eh pá! muito minhoto, se calhar sucumbido à modernidade, será que ainda o utilizam?) – Aquilo, moço, são corvos-marinhos, grandes como garças (- Conheces, moço? -), antigamente confinados à sua capital, lá para os lados do Cabo Carvoeiro, e hoje soltos no mundo, subindo os rios em marés de frio, bivacando onde calhe haver alimento… - Olha, moço, os chineses que gostam de mão-de-obra barata, aproveitam os seus mergulhos para pescar. É falcoaria marítima. E primeiro comprimem-lhes o pescoço com uma anilha, não vá o peixe descer ao irrecuperável… Ok? – Tá-se, meu irmão!

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 03.MAR:2016)

 

 

Nós como os coelhos

João-Afonso Machado, 02.03.16

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Do outro lado dos montes, onde os coelhos se esticam e ziguezagueiam à frente dos tiros, há momentos quietos de curta distância e existências recentes, absolutamente imaculadas. De quem diríamos, assim acontecesse alguma fatalidade, - são anjinhos, vão directos para o céu.

É isso mesmo! Há muitos, muitos anos, vestidos em cores clarinhas e deitados no berço, eramos também indefesos mas imunes. Havia até um "parque" onde nos depositavam depois, quando já gatinhavamos e reclamavamos mais espaço: ainda nesse intervalo de graça, antes de principiarmos a caçar e a ser caçados.

Antes do outono seguinte e do salve-se quem puder! pela vida fora...

 

 

O simpático suicídio dos trotskistas

João-Afonso Machado, 01.03.16

Ainda não se conseguiu perceber se a bastonária da Ordem dos Enfermeiros insinuou ou acusou. Apenas se pode ter por certo que assustou. E gerou movimento. A eutanásia sugerida, senão mesmo praticada, ainda por cima nos hospitais do SNS, já causou celeuma.

A Ordem dos Médicos reagiu com uma queixa, o MP com um inquérito, o PS com outro e o Ministro da Saúde (por acaso com cara de boa pessoa) correu a sossegar os ânimos, a dar entrevista, a garantir que a classe médica é irrepreensivelmente respeitadora dos seus princípios éticos e da dignidade das pessoas - em suma, que nada se passa.

É decepcionante! Esperava-se a clandestina prática de actos heróicos, o também heróico silêncio cúmplice, pró «morte digna» e assistidamente precipitada, a mais recente reivindicação dos trotskistas. E veio de lá, apenas, a repulsa, a averiguação de responsabilidades, a rejeição de culpas e o apaziguamento dos espíritos.

Assim vai ser difícil! Não parece haver quem queira colaborar com o simpático suicídio dos trotskistas.