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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Não desmanchem prazeres

João-Afonso Machado, 28.02.16

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A manhã cá na terrinha acorda sempre cheia de novidades e multidão e perguntar-se atónita, irrequieta. Fora o quê, encalhado num açudezito do Pelhe? Algum anfíbio gigante navegando do Devónico de há centenas de milhões de anos? Quiçá... Faria sentido... Mas não, sejamos prudentes, venha a televisão mas, no frio que grassa, é mais certo um leão-marinho, talvez juvenil, cuidado com o ridículo...

... e tento nas mais corrosivas mentes, incapazes de verem além do inerte, sem mais ciência do que a de qualquer trivial trepo arrancado às margens do rio, aguardando uma pronta intervenção dos serviços camarários.

 

 

Narrativas e agendas, alavancas e sustentos

João-Afonso Machado, 26.02.16

Depois de toda a excitação em volta da discussão e votação (e aprovação na generalidade) do OE e depois do agora conhecido sobre as manobras de António Costa já antes das eleições, na certeza de uma derrota socialista, a Direita podia parar um pouco para pensar e organizar algumas conclusões. Com vantagem para si e para os portugueses.

Por exemplo: é manifesto que Costa, o já famoso Poucochinho Vermelho, desavergonhadamente deu de barato o seu fracasso pessoal nas eleições e arrancou logo para a alternativa que hoje vivemos. O Poder é o seu único objectivo, a imunidade a quaisquer argumentos de razão e coerência o seu escudo.

Por exemplo também: quanto mais se denunciar a inconsistência da aliança do PS com os leninistas e os trotskistas, mais estes reagem reforçando os seus precários laços. Deixá-los. Não há de ser a Direita a desmoronar a Esquerda, há de ser esta a autodestruir-se.

Ainda exemplificando: vem aí a discussão do OE na especialidade. Já cá fora constam as multiplas "sugestões" comunistas e bloquistas a que Centeno terá de dizer nim. É deixá-los, é deixá-los. Sem interferir. A "geringonça" necessita ser encarada divertidamente, com ironia q.b., senão ainda funciona e acaba deixando-nos de tanga.

Uma palavra, a propósito, sobre o excelente desempenho da deputada Cecília Meireles confrontando João Galamba com a papagaiada das "narrativas". Assim se "desalavancam" as "agendas" socráticas e costistas. "Sustentadamente".

 

 

Memórias vilacondenses (XXI)

João-Afonso Machado, 24.02.16

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Um nevoeiro cerrado cobre o tempo em que Agosto e o estacionamento não eram incompatíveis na Bento de Freitas. Mesmo à porta de cada um. Mas ainda assim se nos turva a visão dos carros, façamos um esforço, pois, não havemos de deixar essas máquinas gloriosas no esquecimento.

Já a idade me não deixa ver além do cruzamento com a Rua Estevão Soares, que um conhecido Vauxhall preto, uma senhora idosa ao volante, acaba agora mesmo de atravessar sem parar, sem sequer hesitar... E daqui da banda do jardim sempre enumero o que alcanço, o alaranjado NSU TT do José Serpa e o Fiat 127 Surf do Pai Eduardo... O Mercedes 190 com a chapinha do Corpo Consular do Tio José Júlio (ainda não abatido ao efectivo, ainda na família) e o Fiat 850 da Tia Teresa de Caneiros... O Hillman Imp dos Braga da Costa... O Volvo 161 (dos idos dos chauffeurs) da Tia Maria do Carmo e o Alfa 1750 do Tio António Dias Costa...

Há mais, há muitos mais. Tragam-nos todos porque a veneranda Bento de Freitas a todos comporta. E se também ouvem este aterrador ruído, sosseguem, trata-se apenas do Tio João Morais, vindo lá das bandas do rio na sua velha arrastadeira. É, da arrastadeira do Tio João quase nenhuns se lembrarão. Estou a vê-la, já muito coçada pelo uso, parada em frente a nossa casa, as portas abrindo ao contrário, um desarrumo imenso lá dentro e o Tio João apressadíssimo, como se estivesse de abalada para qualquer Troféu Citroen.

Antes fora seu um 2CV e creio faltar apenas um elo entre a arrastadeira e o Fiat 128 de 1971 em que fez muitos e muitos anos. Alguém me pode valer?

 

 

"Assim se vê a força do PCP"

João-Afonso Machado, 22.02.16

Os comunistas sabem perfeitamente  tudo se trata de um artifício.

Sabem que o rendimento das famílias não vai aumentar, dada a subida generalizada das suas despesas de primeira necessidade ditada pelo mais elevado preço dos combustíveis. Sabem mesmo, não descendo os custos na restauração, - como os restaurantes já se apressaram a esclarecer - a procura não alargará, pelo que se manterá também a oferta de emprego.

Isto para falar de coisas simples e simplesmente ocultadas pelo PCP ao seu eleitorado, aliás em queda livre. Agora já nem sequer correspondendo ao número de deputados do seu grupo parlamentar.

Por esta necessidade de sobrevivência dão os comunistas a mão a um espertalhão como Costa. Com um pé em Lisboa e outro no Barreiro, tentando estancar a sangria dos votos que veem fugir para o BE (este, embaladíssimo no seu projecto de médio prazo, uma coligação a sério com o PS)

A Costa bastou contraofertar-lhes a manutenção da tutela da CGTP (o "braço armado" do PCP) sobre os transportes públicos, e a sua de vez em quando necessária paralisia em nome da revolução.

Porque a revolução socialista faz-se faseadamente e o povo fez-se para servir a revolução, o bem-estar dos portugueses é apenas uma palavra de ordem, o importante é abater a Direita, e o passo do dia é votar o impossível orçamento de Centeno. Avante camaradas!

 

 

Outra caça de domingo

João-Afonso Machado, 21.02.16

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Manhãs de aves raras. É esperá-las nas rotundas, como se debaixo de uma oliveira, de arma em riste. Aves de arribação, trazem com elas o regresso do Tempo, primaveras, o voo alto dos sonhos antigos.

Obrigam a tiros da máxima rapidez, quantas vezes deixados por disparar. Permanecem ocultas gozando a impaciência do dedo no gatilho, surgem apenas quando a vigilia já desanimou.

C. D..JPGHoje mesmo, depois de tanto desperdício com a arma em descanso, lá consegui chegar a casa com duas à cinta.

 

 

O ana-catarina-mendismo

João-Afonso Machado, 19.02.16

A Secretária-geral-adjunta (hélas!, tantos hífenes, tem de haver lugar para toda a gente!) do Partido Socialista deu hoje entrevista ao JN, sem novidade de maior, nem mesmo a que resulta deste pequeno deslize - sobre os compromissos eleitorais assumidos pela sua trupe, designadamente quanto ao capital social da TAP. Da sua composição, da presença maioritária do Estado. Então, reproduzindo:

- «Falemos com rigor da TAP. O PS disse sempre que gostaria que o Estado tivesse a maioria do capital da TAP. E isso aconteceu».

E logo de seguida:
- «O Estado tem 50% da TAP, os privados 45% e os trabalhadores 5%. Por isso, com a nova configuração, o Estado garante a visão estratégica da empresa».

As conclusões ficam com os leitores. Mas, tudo indica, a «visão estratégica da empresa» passará por um pretenso acordo parassocial de 50% mais 5% - entre o Estado e os trabalhadores. O que, na sua optica, significará ambos são sempre os bons - e aliados - e os «privados» os maus (e perdedores).

É a apologética e a assunção da luta de classes. Apenas.

A tanto obriga a manutenção dos "tachos" de Costa e dos seus próceres.

 

 

"Da tanoaria ao Tanoeiro"

João-Afonso Machado, 18.02.16

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Quando, lá longe, eu me dizia de Famalicão, acontecia muita gente já conhecer aqui a capital – e, com admiração, com saudade e saliva no espírito, invariavelmente referenciavam a Íris ou o Tanoeiro.

Hoje vão, por isso, umas linhas sobre este último e a sua história. Um percurso quase centenário principiado por uma oficina de tanoaria estrategicamente mantida junto ao antigo campo da feira. Ao mais antigo, aquele que se situava sob a Fundação Cupertino de Miranda e o Jardim D. Maria II. Era ali que se carpinteiravam os toneis, as dornas e as pipas e, para entreter feirantes e visitantes, se ia ao pipo por uns canecos de tinto. Tudo começou, pois, muito com a animação das quartas-feiras, entre madeirame e aros metálicos e um balcãozito ao lado, onde se desentediava as esperas com uma pinga, um petisco.

O tanoeiro chamava-se Manuel Rodrigues de Oliveira. Pai de um rapaz que emigrou para o Brasil e por lá ficou, sem que dele e da sua provável descendência mais se soubesse; e de duas raparigas, dois destinos sempre aqui por Famalicão, enquanto o tasco decerto ia crescendo, ganhando mesas e bancos, espaço roubado à tanoaria. Havia já cozinha a sério e quem cozinhasse: as senhoras da casa. Até que Manuel Rodrigues de Oliveira enviuvou e lhe ocorreu contratar uma cozinheira descoberta num restaurante da Rua do Almada, no Porto.

Aos famalicenses, senão a outros aos mais camilianos, não podem deixar de interessar estas peripécias. Sobretudo à rapidíssima cadência dos acontecimentos. O Tanoeiro era já um nome firmado, celebrado entre as casas de comer da região. Talvez acusando o peso da idade, alguma solidão, Manuel Rodrigues de Oliveira decidiu casar com a sua cozinheira, D. Silvina. Às filhas dele não entusiasmou particularmente a ideia, afastaram-se, fundaram o seu próprio restaurante. A feira de Famalicão mantinha-se pontualmente às quartas e a afluência de gentes era muita e variada. Os pratos apurados entre o mais típico da culinária minhota. Preparados em instalações que já só cabiam em área conquistada ao quintal do estabelecimento. E a tanoaria cada vez mais residual, mais uma recordação do passado. De antes dos muitos forasteiros, agora aos fins-de-semana, atraídos pela fama do Tanoeiro.

Chega a vez de Manuel Rodrigues de Oliveira entregar a alma ao Criador. Sucedeu-lhe a viúva à frente do negócio. E um seu antigo colega de trabalho na Rua do Almada. Tempos do nosso tempo, é a Década de 60 no seu vagar. Já aquele plátano que ensombra o Tanoeiro, e o refresca na canícula, lá estaria plantado. O Sr. Mário Reis casa com a viúva D. Silvina, unem-se os rumos de vida dos dois antigos colegas de trabalho na Rua do Almada. Então sim, o Tanoeiro cavalga a toda a brida para o reconhecimento nacional. Esse lampejo de geografia que se fazia nos portugueses de paragens mais remotas quando se lhes mencionava V. N. de Famalicão.

O restaurante distendeu-se muito para as traseiras, a fachada mantém-se sóbria, avarandada, convidando a um aperitivo cá fora, sob as densas ramagens do plátano; ou a uma entrada rápida, mandando o frio, para uma sala orgulhosa de troféus diversos nas paredes, muito assisada nas toalhas brancas das suas mesas. A ementa, em suma, é o Minho: a canja com que antigamente se curavam todos os males, as papas de sarrabulho, as pataniscas, o rojão, o cabrito assado, cardumes de bacalhaus a quantas modas, a cabidela… E a carta de vinhos, privilegiando embora os verdes, não dispensa um manancial de maduros. O Sr. Mário Reis, já aposentado, recebe, faz as honras da casa de que hoje é proprietário o Sr. Joaquim Ramos, seu antigo sócio.

Assim se sucedem os reencontros e resiste a continuidade. Estas voltas da tanoaria e da Rua do Almada, figuras e vidas que vieram e não mais foram e enraizaram. Histórias a calhar para um pedaço de conversa a cada almoço ou jantar. Símbolos, marcos, tradições a cultivar o bom gosto. Naquele recanto da Praça D. Maria II, talvez hoje nem lembrada da azáfama da feira de outras eras, mas sempre com o cunho da melhor cozinha famalicense.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 18.FEV.2016)

 

 

O calcanhar de Costa

João-Afonso Machado, 16.02.16

Escrevi aqui, antes das Legislativas, seria uma grande vitória para Portugal cerca (para mais...) de 30% dos votantes não se deixarem embalar no canto da sereia, assim mantendo a confiança na tão fustigada coligação da Direita. Pois bem, só pode estar relacionado com tal a inédita atenção ora dedicada ao pagode orçamental de que o Governo de Costa continua a ser protagonista.

A Esquerda, sempre capaz de argumentar, explica esta realidade nas formas mais espantosas, desde o medo ao anti-patriotismo, sem esquecer o feroz imperialismo de Bruxelas (aliás de uma - a má - das duas Bruxelas que o seu dogmatismo concebeu...) e de Berlim.

A grande vitória de Portugal confirma-se, por isso, na ausência de adesões a estes delírios por parte de cada vez mais eleitorado. Ao ponto de Costa se estrear no You Tube blá-blando as excelências do seu arroz com bicho. Sem, contudo, resultados que não sejam o óbvio: o ridículo da figurinha, do inefável cromo.

Costa, demonstra-o a campanha eleitoral, é péssimo comunicador. Embrulha-se nas palavras, dá evidências de lição mal estudada, total incapacidade para, ao menos, decorar ou copiar. Costa é somente bom -  de uma extraordinária criatividade, reconheça-se -  na negociata e na intrigalhada. A coerência é princípio que, se não ignora, despreza em absoluto. Não será a actual Oposição capaz de se fazer ouvir mais alto na denúncia desta sua faceta? Em nome, sobretudo, de uma sã adversidade política com o seu sucessor?

 

 

O chefe da estação

João-Afonso Machado, 16.02.16

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Nesse tempo o espaço era mais amplo e havia ainda o vagar das horas e um jardinzinho junto às latrinas. O movimento de gentes muito sumido e, da rua, entrava-se na estação por uma das muitas portas abertas, passava-se a bilheteira às moscas e saía-se na plataforma. À esquerda os carris desenhavam uma curva larga, vindo para cá rectilineamente, até se unirem ao longe, no fim do horizonte. Nas vias alternativas preguiçavam vagões de mercadorias e carregadores de azul surrado, cheirando igual ao calado armazém mais afastado. As tardes pareciam uma folga perpétua, chuvosas ou solarengas, num andar de compasso dos ponteiros do relógio na parede. Somente não sossegava o telefone estridente no gabinete do chefe da estação.

Bem nutrido, fardado de castanho com muitos botões metálicos, amarelados, e o boné branco, quase de almirante, solenemente levado à cabeça a cada passagem do comboio...

A estação era um lugar de cavaqueira, para muitos um ponto de partida ou chegada, para mim de observação e sonhos, das mais filosóficas interrogações acerca de cada cara bonita à janela das carruagens. De onde viriam, para onde iriam, quem as esperaria?... Há muitos anos, nas férias de Setembro na quinta do Avô, quando se tornava necessário deixar o rio descansar o seu peixe.

Um grande copincha, o chefe! A um canto do seu gabinete havia uma mirabolante maquineta que sinalizava com luzes intermitentes a chegada dos comboios às estações vizinhas, a norte e a sul, anunciando estar para breve o esforço de se levantar da secretária e empunhar a bandeira vermelha, toda enroscada, como se fosse um bastão de comando. Devidamente enchapelado, claro, e sempre deixando ficar pelo caminho  (tanto mais que o Avô era um funcionário de peso na CP...) uma recomendação de cuidado.

Mas a minha familiaridade com estas coisas do caminho-de-ferro proporcionara-me já saber quando devia sentar no banco de espera sob a coberta, por causa da deslocação do ar - o comboio parecia uma bala, um grito perfurante de alerta vindo com ele, um vento na cara, era o rápido ou o foguete; ou quando podia acompanhar o chefe até á locomotiva e assistir à breve conversa com o maquinista - um fugaz, profissionalíssimo, dar de olhos no relógio de pulso e o apito à boca, muito agudo, degenerando numa bufa. A máquina soltava então uma gaitada e lá arrancava, talvez já muito reumática.

E esse amigalhaço, o chefe da estação, sequer deixava adviesse a impaciência, incutia ânimo se o comboio marcava passo e a luzinha vermelha estagnava na maquineta, era sempre um filme de cowboys a passagem de um mercadorias (- Vem atrasado, está parado na Pampilhosa à espera do regional... - Mas está atrasado quanto, sr. chefe? - Uns vinte e cinco minutos, menino, uns vinte cinco minutos...), aqueles seus vagões infinitos, alguns descobertos, com uma guarita no alto e a escolta de olho nos índios, o transporte de gado se não fosse a monotonia dos sacos de cimento... E ralhava, ralhou-me uma vez alto e bom som (- Assim faço queixa ao Avôzinho!) quando me apanhou a semear caricas nos carris, para que o cavalo de ferro as espalmasse, um excelente meio de encravar o mecanismo dos matraquilhos no café...

Era um sábio, enfim, o chefe da estação. Sabia já o que nós só agora sabemos: ter pressa é uma perda de tempo. O tempo de que, com certeza, já se libertou, eternamente de boné de almirante e bandeira manejada como um bastão, soprando pífio o seu apito em todas as estações da bondade.

 

 

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