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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Não foi, nem é, mas passa a ser

João-Afonso Machado, 31.01.16

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Em 31 de Janeiro de 1891: um capitão, um tenente e um alferes, acompanhados de meia dúzia de sargentos e poucas dezenas de praças (empurrados para aquela armadilha sabe-se lá com que "argumentos"), resolvem implantar a República no Porto. É de madrugada, a Câmara Municipal tomada de assalto e um civil, advogado, lê uma proclamação vitoriosa. Segue-se a marcha ruas fora, os populares não são aderentes, limitam-se a ser curiosos, sequer são muitos. Iam já em Santo António quando duas descargas da Municipal, posicionada no gradeamento da igreja de Santo Ildefonso, sob o comando do Major Graça, poem a "revolução" em debandada, morta instantaneamente, faltavam uns minutinhos para o meio-dia.

São estes os factos do 31 de Janeiro, em todo o seu rigor histórico. O Partido Republicano da época que o diga, afastado, calado, temeroso das consequências de tanta ingenuidade. Mas a mitologia fez o resto: ainda agora, nos inflamados discursos da romagem ao cemitério do Prado do Repouso, se ouvem ditos e ecos idiotas do que não foi transfigurado em o que é.

E o que é, na realidade do ser, chama-se uma nova onda em formação do jacobinismo maçónico: quer nos palcos da História, como ficou visto, quer nos palcos da política (com Costa a impingir-nos um orçamento impraticável) quer nos palcos do teatro (onde a nossa Catarina d'Arc declama as maiores barbaridades com a convicção - nada ilusória - de que o Poder passa pelas suas mãos).

 

O que é isso, a Pátria?

João-Afonso Machado, 31.01.16

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Nos vagares de uma almoçarada alentejana (uma delícia, bacalhau esfiapado a cavalo de fatias de pão frito) ocorreu-me a Pátria, o seu vazio de sentido. Isso mesmo, a sua real irrealidade em que a II República se sustentou entre as cruzes das cruzadas e uma História adulterada, feita de datas decoradas. Nunca fomos isso que se conta. Fomos apenas um povo genial, como ainda o somos - estonteadamente - afora os estragos irrecuperáveis causados pelo cosmopolitismo. Para apimentar a ementa e o agravo: pelos estragos causados desde os mais ofuscantes ouro e pedrarias dos Descobrimentos. Em suma, somos hoje quase nada.

Mas sentado à mesa de uma almoçarada alentejana - ou, em alternativa, de uma minhota, transmontana, beirã... - a gente percebe a terra, o mar, a planície ou as serranias; o album todo das milhentas diferenças que compõem um conjunto sólido e coerente, na tranquila sensação de a portugalidade não ser o espírito oco das palavras guerreiras - de uma guerra obviamente virtual, à moda do Solnado, a fazer tréguas aí pela meia-noite e tolerância até às duas da madrugada para os desempregados.

A portugalidade não é esse atraso bolorento, essa mediocridade, mas uma vivência de todos os dias e de todos os quatro cantos do planeta, onde quer que se oiça falar português. Não, essa tal Pátria (a do Castanheiro Patriotinheiro da Ilustre Casa de Ramires) resume-se a um muro espesso atrás do qual se escondem, e entre si regateiam meças, saudosistas e esquerdistas, Salazar e Cunhal. Portugal é o mundo, facilitado ou dificultado, em que vivemos a vida individual e colectiva. E a Nação portuguesa - essa sim, imortal, apesar de acossada pelos patriotas e os seus gémeos, os nacionalistas - a nossa integração inteligente do Passado no Futuro.

Ainda mais abreviadamente, a Nação portuguesa é o nosso eterno Amanhã. No Pensamento e na Arte, no estrutural e no condescendente, até mesmo nos lugares mais territorialmente insignificantes como a mesa dos comeres alentejanos, minhotos, transmontanos ou beirões.

 

 

Felipe VI, a referência de Marcelo

João-Afonso Machado, 28.01.16

De Ramalho Eanes fica a memória de um homem probo, austero,  pródigo somente nas muitas e rebuscadas palavras em que se embrulhava para exprimir qualquer simples ideia. Profundamente ignorante, coitado, confiava-se ao núcleo mais politizado do Conselho de Revolução, sem dar um passo que não lhe perguntasse - À esquerda?, mais à direita, volver?

Soares & Sampaio foram vinte anos de jacobinismo puro e duro. De mandatos convergindo magneticamente para a hegemonia socialista, com bem, ou menos bem, conseguidas estratégias sempre disfarçadas no discurso da "ética republicana".

Depois chegou a falta de jeito de Cavaco. Muito aparolado, medroso, hesitante, pouco arguto. Presa fácil da bem orquestrada histeria da Esquerda. A História, agora usualmente escrita por maçons, se encarregará de o colocar na cauda do pelotão, muito atrás das sobreditas divindades.

Enfim, Marcelo. O professor, o analista/comentador, inveterado criador de factos políticos, e o cristão, homem de causas sociais menos televisivas, uma inteligência que ninguém questiona. Qual das suas facetas prevalecerá?

Convenci-me da sinceridade de Marcelo propondo-se manter equidistância dos partidos e contribuir, quanto possa, para a estabilização do nosso presente político. Acredito que cumpra a sua obrigação de não guerrear António Costa, isto é, não se transfigurar em Soares & Sampaio de sinal contrário. Agindo como Felipe VI numa Espanha tolhida por um complicadíssimo resultado eleitoral.

Simplesmente... a Esquerda não lhe consentirá tal. Num regime republicano, a dicotomia Esquerda/Direita chega sempre à Chefia de Estado. Razão porque esta nunca se traduz em representação nacional.  

 

 

Machado, Fm

João-Afonso Machado, 26.01.16

A gente via-o passar, imenso, ritmado, em grande empolgamento de harmónicas, ao longo das notas todas dos Doobie Brothers. No meado dos 70's os comboios, mesmo correndo, demoravam-se nos carris, transportavam sonhos, e a vida era percurso, era estação, era tudo. Como manadas de cavalos. Das pradarias ao deserto, através de vales e montanhas, em demanda do oceano. Long Train Running até hoje, sempre por aí fora nos dias. De jeans, evidentemente.

 

 

A ameaça Freitas do Amaral

João-Afonso Machado, 26.01.16

Entre a obrigatoriedade do voto (que já sugeriu, indignado com a abstenção) e o impedimento de candidaturas presidenciais de representatividade inferior a 1% ou 1,5% (S. Ex.cia pondera ainda as vantagens e inconvenientes de 0,5%), Freitas do Amaral conspira e atenta despudoradamente contra a liberdade das pessoas. Contra a "minha liberdade" de cada um.

Bastar-lhe-ia a ambiguidade política como nódoa que já não sai da sua páginazinha na História.

Mas, por esta ou aquela via, Freitas do Amaral acaba sempre ajeitando as coisas à feição dos seus tiques disciplinatórios, um genuíno "cabeça de giz" num cruzamento movimentado de sentidos diversos a baralharem-lhe a serenidade.

Em nome do direito a nada querer do Regime, em homenagem ao grande Tino de Rans, que ficou apenas a meio ponto percentual de Edgar Silva (a mais dispendiosa campanha...), arrume alguém, definitivamente, o Prof. Freitas do Amaral na secretaria de uma esquadra. Fardado, cheio de correame, barrigudo - correcto, afirmativo - e cercado de manuais de Marcelo Caetano e livrecos de Mário Soares.

 

 

Modos de lendas verdade

João-Afonso Machado, 25.01.16

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As pontes sempre foram o sonho, contam os séculos todos que separaram Frades e Vila Nova entre ravinas que nem os animais se atreviam a transpor enquanto sonhavam também. E é nas serranias que eles, os sonhos, voam mais alto, duradouros como penedos e o eco das águas vindas de todos os céus do azul eterno e de cada fraga. Por isso, por não acabarem, se transformam os sonhos em realidade.

Erguidas as pedras sobre as pedras do Rabagão, assente e comprimido o tabuleiro da ponte, ainda assim o sonho trinta vezes se fez amanhecer desiludido, vergado à fraqueza do saber dos homens, o sonho caira da ponte abaixo, e a ponte com o sonho, aquilo era ruindade do Diabo e uma voz troava nas encostas - Jamais! Jamais! - Então será que o sonho - murmurava o povo -  será que o sonho se definha em sonho só?

Erguidos os olhares a Deus, em volta do Abade, não demorou o retorno à obra, a ponte crescendo em granito cimentado no suor da vontade (- Crede, crede!  - ajudava o Abade) - ganhando dimensão e sentido, rude elegância de formas, por fim uma travessia firmada e salmodiada. Deus contra o Diabo, ganhara Deus, ganharia?, eis que a ponte treme, fraqueja das pernas, empena, entorta, vai cair.

- Crede, crede! - voltou o Abade, ao lançar sobre o lagedo da ponte o pão enorme, roliço, a abençoar o triunfo da vida sobre a fome. E os pilares ferraram os dentes nas margens e seguraram o arco. A ponte não caiu. Envergonhado, humilhado, vencido, o Diabo desapareceu. Dele restou apenas o esforço inútil dos seus ombros marcados na curvatura da ponte triunfante por todos os séculos contados do sonho realizado.

 

 

Montalegre

João-Afonso Machado, 24.01.16

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Quem quer sejais vós - deixo-vos o castelo vivo, inteiro. Montalegre desce o escadorio de rocha e torrões, uma onda de cinzento e verde, e espraia-se em becos até às coisas práticas das avenidas no sopé, o outro lado do tempo. Em redor, a vastidão do Barroso, ainda além dos mistérios dos grandes lagos. Leia-se Salamonde, Venda Nova, Alto Rabagão, quilómetro e quilómetros de metros cúbicos sem fundo. Onde se começa a desenhar o castelo ao longe, no cimo da história toda das nossas fronteiras.

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Não há pedras fora do sítio e as muralhas mantém-se vivas, patrulhadas, de espírito erguido sobre as ameias. Em Montalegre os aromas são os da ausência de limites, transfigurados em carnes fortes, a posta e o rojão, e enchidos, ou amaciados em mil variedades de mel. Durma-se entre granitos eternos, sempre novos, acolhedores, todas as caladas noites das serranias até que se oiça o regresso aos dias comuns.

 

 

O nosso drama

João-Afonso Machado, 22.01.16

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João do Canto e Castro Ribeiro Antunes já era almirante e continuou a ser monárquico quando em 1910 a República se instalou em Portugal. Ele próprio o diz, jamais renegando as suas convicções, não abandonou a Armada por necessidades de uma família, a sua, a sustentar. Mas manteve-se sempre a bordo, ao largo, carregado de condecorações, distante da sinistralidade política.

Com o País destruido pelos republicanos - democráticos, unionistas, evolucionistas  - é natural o almirante Canto e Castro se tenha aproximado do redentor Sidónio. De tal modo que o Ministério de Tamagnini Barbosa e toda a guarnição militar de Lisboa (!!!) viram nele o seu sucessor logo após o crime da estação do Rossio.

Canto e Castro recusou, invocando o seu monarquismo. O argumento da salvação da Pátria, do perigo eminente de uma guerra civil, demoveu-o. O Parlamento reuniu para eleger o novo Chefe de Estado, os deputados monárquicos abandonaram a sala em protesto, não há número bastante para o acto, os deputados monárquicos regressam, Aires de Ornelas, o seu líder, explica que por respeito ao interesse nacional, e o almirante é o escolhido, com 137 votos.

(Resultados de outros presidentes eleitos pelo mesmo método: Manuel de Arriaga - 121 votos; Teófilo Braga - 98; Bernardino Machado - 134; António José de Almeida - 123).

Ocorrem de seguida a sublevação monárquica de Monsanto e a restauração no Norte. Precedidas e sucedidas de sangrentos tumultos e revoltas na Capital. Canto e Castro, gravemente doente, mantém-se fiel ao juramento prestado quando assumiu a Presidência. Nunca por isso foi criticado por alguém.

Por fim, em mensagem ao Congresso de Junho de 1919, resigna ao cargo. Faltavam ainda uns meses para o termo do seu mandato e a sequente eleição.

Uma moção favorável a sua continuação como Chefe de Estado é aprovada por unanimidade dos deputados. E uma vez mais a preocupação com os tortuosos caminhos que Portugal percorria falou mais alto. Canto e Castro, ansioso por regressar a casa e à família, aceitou prosseguir as suas funções.

Assim grangeou um imenso respeito nacional hoje estranhamente esquecido. Talvez porque tenha sido o derradeiro episódio - e filho único em República - em que a chefia de Estado se confundiu com a chefia da Nação - realidade que esta malandragem de agora nem sabe o que é.

 

 

"Maré de cheias"

João-Afonso Machado, 21.01.16

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Procuro na memória uma cheia em Famalicão. Não uma inundação, essa frequente maçada às vezes resultante de canalizações já cansadas, outras provocando lamentáveis desastres humanos e patrimoniais. Digo uma cheia como agora as da Trofa. A meter Santarém, a lezíria, num chinelo, tolhendo o tráfego na EN14, espalhando o caos, chamando aos berros as televisões.

(Tudo porque, ouvi dizer, a edilidade facilitou a construção sobre uma linha de água mais arisca que se repimpa de chuva e gosta de largueza e ar puro. Pois ao que parece os edis famalicenses não se deram a carnavais com a natureza e, de resto, o Ave não navega aquém de Bairro, Lousado, Fradelos, cujas margens a gente não alcança daqui).

Vejam a ribeira da Boca! Se algum dia fez história, afora aquelas manhãs em que depois das escolas – a Primária e a Comercial – era uma lavoura toda até aos Bargos, um empastelado de terra a calcorrear até à futebolística aula de ginástica – lado a lado com o treino dos atletas do F. C. Famalicão. A ribeira serpenteava a céu aberto entre a sucessão de campos que nos separava do destino e ginástica, ginástica, era a sua travessia em pulos bem medidos porque banhos frios em Dezembro ou Janeiro ou Fevereiro, não obrigado! O gado pastava e a rapaziada corria, saltava, colecionava lama nas botas até às bainhas das calças. Ainda assim, nem cheia, nem inundação, somente a água turva, os enfeites de plástico nas bordas da Boca.

E o Pelhe? Durante décadas e décadas escondido, ele e os seus afluentes esquecidos debaixo dos silvados, visível (sempre em coloridos suspeitos) apenas a jusante da velhinha, acorcundada, ponte romana do campo da feira, o Pelhe também não tinha graça alguma. Outrossim o rio Este, vindo as meteorologias difíceis do inverno, galgava o leito e alagava a várzea de Nine com fartura de água e de aves pernaltas, ribeirinhas, sonhos que nunca se me tornaram realidade – tempos antigos, muito antigos, muito menos populosos, em que o meu Avô ainda não tinha netos.

Mas estas ocorrências de alagamentos são assaz mais simpáticas do que as inundações. Alagar significa transformar em lago. Ora, é sabido, os lagos são desprovidos de correnteza, pautam-se pela quietude, não atiram – como as inundações mais bravas – com os automóveis estacionados para cima dos telhados ou para dentro das fendas abertas no solo. Provavelmente apelarão à vinda dos bombeiros, por qualquer vaca encalhada até ao pescoço, mas tudo são botes, oleados a defender da chuva, cordames e técnica, vontades solidárias. Uma aventura!

É o que temos agora em Famalicão, no Parque da Devesa, quando chove a sério. O lago transborda, ultrapassa os bancos de madeira, obriga à retirada dos namorados mais para riba. Alguém me disse, o domingo passado as suas águas vieram até perto das latrinas, quase afogavam os coelhos do Parque. Terá sido tanto? Terei sido eu que esqueci as galochas? Não sei, mas o lago da Devesa cumpriu a sua missão – alagou. E na segunda-feira, já em plena bonança, o cenário pela manhãzinha era lindíssimo, com uma luz magnífica e os patos em actividade infrene, nadando, voando, cavaqueando ao longo das margens ainda muito inchadas. Houvera cheia. Sem inundações, sem automóveis soterrados no lodo, sem dramas. Unicamente para gozo dos nossos olhos. E está garantido, a próxima será ainda maior, as águas vão chegar à Casa do Território mas, por obséquio a Famalicão, contrariando o princípio dos vasos comunicantes.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 21.JAN.2016)

 

 

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