Ausência expulsa
Há coisas que só se escrevem no silêncio do amanhecer, com todo o vagar para desenhar dizeres nunca surgindo. Sequer a caneta pretendida, essa de um tribunal adiado e muita prosa sucumbida à mesa do café, uma caneta já velha, de carga muda, vazia, que afinal não estava lá, ao alcance do coração. É com outra, vinda não sei de onde nem quando. Vinda de antigamente num enorme hiato de memória que foi o que na realidade aconteceu. Já sem remédio, levo-me a pensar à procura de uma expressão sempre em fuga.
A perguntar-me porquê tantos anos sem um almoço, um telefonema. Ao menos, o nosso encontro de há um mês, o que se disse, o resumo de uma amizade que tanto agradeço. Ou a despedida que eu recuso.
Um abraço só com a emoção de o rever porque o corpo já não consentia a força dos braços. No seu conforto fisico, devidamente sentado, em boa verdade a capa de uma extraordinária paz de alma, a tranquila espera da partida para uma vida convictamente feita de luz e olhares de cuidado com os que ainda ficavam... Uma lição.
Todas as desculpas que pedi, asseguradas desnecessárias. E o Tempo remexido: a minha primeira intervenção forense, a sua consideração entregue à minha responsabilidade; correrias durienses, histórias de assombrações e fantasmas nocturnos, perdizes aos bandos, os achigãs e as alheiras do Pinhão, Porca de Murça à mesa, tinto. E três décadas de empenho e desilusões pela nossa Bandeira dos nossos Avós.
E muito ainda. Tudo o que recebi em troca do pouco que dei e por isso continuarei a acrescentar. Lutando contra as areias do Tempo até à descoberta da caneta ideal e das palavras exactas.
Sei não pretende eu acrescente mais. Nem vale a pena, bastariam duas letras para escrever um nome enorme, sem fim e agora sem ausência.