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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Memórias vilacondenses (XIX)

João-Afonso Machado, 21.10.15

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As janelas do quarto da Avó não têm tempo e na rua, lá em baixo, Vila do Conde permanece Julho, Agosto e Setembro. Sempre - a Praia. As criancinhas de bibe azul saem em comboio da colónia de férias e ziguezagueia o costume das peixeiras, canastras à cabeça, de porta em porta. Todos os vagarosos dias da Bento de Freitas e de tanta gente para não esquecer... Como os gatos da Avó também não.

E muito mais - a Praia. O paredão, a rede de vólei e os gelados Olá! O Mar à Vista. A "Baía dos Elefantes". As nuvens de bicicletas nos passeios. O recato da Avó e das senhoras suas amigas tricotando à sombra, em cadeiras de abrir e fechar, na grande barraca azul. A nortada e os toldos onde se entricheiram gerações de banhistas. Sempre, sempre, até à era mais recente dos biquinis. Camada após camada, na sobrevivência de todos eles e elas. Conto alguns cento e trinta anos, nos cinquenta e cinco que já vivi, sem exclusão de alguém.

É o tempo que para este seu neto a Avó carreou do seu Avô. O desfile constante -  dias vagarosos - da Bento de Freitas. Tragam toda a gente que já não está mas ainda está. Ou é. Todos os que afinal não desapareceram e logo à noite se reunem na Assembleia. Mesmo depois de uma tarde à mesa do bridge e de mais um chazinho em casa não sei de quem.

À janela do quarto da Avó aprecio as virtudes das duas beldades, infelicidade minha - de outro calendário, os seus jeans de "boca-de-sino" empastelados em remendos, a bijuteria e o patchouly, o cauteloso andar sobre tantos centímetros de cortiça; cá de cima não escapo ao magnetismo dos decotes, são loiras as suas portentosas cabeleiras.

E tudo tento não fuja, apoiado na janela do quarto da Avó. Onde vou coleccionando estilhaços de recordações e reconstruindo a memória. Em volta das saudades da minha Avó. 

 

 

 

Houve um dia alguém

João-Afonso Machado, 19.10.15

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Depois do primeiro jamais descobri o anterior que lhe deu nome. Nem já decerto irei a tempo desse passo atrás no Tempo. Mas sei que piso as suas passadas, sinto-as sob os meus pés no silêncio dos lugares mais recônditos da alma e das pedras. Foi o filho de apelido Prado. Quando a entrada se virava para nascente e nós nascíamos geração após geração, os séculos a morrerem num poente estrada fora até aos sinos cumprindo os seus ritos. Sempre no borbulhar das águas como no prosseguir do sangue, não recordo à sombra de que árvores, tão idosas quanto vamos sendo ainda. Sem esquecer o cidral e a lenha encastelada para o lar desses invernos todos.

E é o que me vai nas veias. O que já lá estava no primeiro, o mais antigo depois do anterior, de João-Afonso até João-Afonso, ao longo de uma hemorragia morosa e insatisfeita, quem e onde terá principiado a sangrar?

 

 

 

Invernos que já não há

João-Afonso Machado, 17.10.15

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Está-me ainda nas mãos o frio desse tempo que a memória congelou. Como a bica do gado e o fontenário do terreiro e as manhãs brancas nos prados. A terra endurecia na aspereza do granito e a visão tolhia-se-nos em espessas baforadas saídas pela boca. A martelar o chão com o dorido dos pés.

E elas, cachopas novas, caras difusas e penteados todos iguais, nomes alguns, um puxo enrodilhado logo ao acordar, elas muito conformadas, sabedoras na véspera do seu destino, a lavagem da roupa no tanque, elas, gente de hoje jamais, duas de cada lado para ir mais rápido, que amanhã talvez não fosse preciso, a labuta seria outra.

O sabão começava assim cedinho a deslizar nas roupas de uma família numerosa. Oiço ainda o bater dos lençois encharcados nas pedras inclinadas, polidas, gastas do uso. Com força, com raiva, mas não com revolta. E um coro de vozes entoando refrões da moda cançonetista a enganar as horas. De mangas arregaçadas e meias grossas entaladas nos chinelos. Sem as luvas que nós calçávamos sem evitarmos dedos insensíveis, incapazes de pegar os lápis da escola.

Eram invernos como os termómetros já não registam. E à noite, à luz de um candeeiro a petróleo, a conversa na cozinha, em torno da Emissora Nacional na telefonia a pilhas, versava toda a vermelhidão, a coceira das frieiras.

 

 

 

O lado solar do próximo Governo de Costa

João-Afonso Machado, 16.10.15

Escusa agora Manuela Ferreira Leite de alertar para o «golpe de Estado constitucional», aliás inexistente. Trata-se apenas de uma jogada política recordista nacional em falta de escrúpulos. Costa luta pela sua sobrevivência, que é quando vale tudo menos a razoabilidade. Inúteis, portanto, os vídeos do tempo em que lhe convinha sustentar - e arengava e sustentava - o contrário da sua actual conduta. Ou as muitas manifestações, dentro e fora do PS, contra o convénio com o PCP e o BE. Costa será 1º Ministro. Já despudoramente age e fala como tal.

Circunstância esta, aliás, com muitos e excelentes méritos. Vejamos alguns.

Se Passos e Portas, até hoje, eram sobremaneira indiferentes à maioria da Direita - por manifesta falta de "presença de Estado" - sem dúvida passarão a contar com mais atenção e aceitação. Em novas eleições (previsíveis para muito breve...) a abstenção virá por aí abaixo.

Provavelmente chegámos ao fim de um PS ideologicamente dúbio. Tudo indica, haverá fracturas, dissensões. Dois PS's e uma maioria eleitoral estável de Direita.

Um acordo parlamentar ou uma coligação PS/PCP/BE é materialmente impossível, salvo se o PS deitar fora o Tratado Orçamental. O que decerto não fará.

A desilusão de sindicalistas e afins será redobrada. O PCP e o BE acusados de traição pelos "trabalhadores" se persistirem em honrar os seus compromissos com o PS. A "rua" encarregar-se-à do resto.

António Costa ver-se-á coagido a perceber que a sua casta privilegiada é mera fantasia. A sua morte política adivinha-se precoce.

Há senãos: desde logo, marcaremos passo na recuperação económica. Mas talvez não cheguemos ao desespero dos gregos. Talvez mesmo não cheguemos a um segundo resgate.

 

 

"Ritual"

João-Afonso Machado, 15.10.15

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De todas as frases perdidas

resta a memória de amanhã

nas horas brandidas por espada incerta,

angústia vã de porta aberta

 

em mais um adeus,

tão longe os seus rumos

de monge em alma deserta.

 

 

"Um lugar de história e «pica-pau»"

João-Afonso Machado, 15.10.15

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Veio da Régua casar a Famalicão, Zeferino Bernardes Pereira, e não é da minha geração. Enfim, terá pertencido à dos meus bisavós, circunstância absolutamente irrelevante, tal como a de jamais militarmos debaixo da mesma bandeira e amiúde insistirmos em prolongar a discussão sobre tal divergência. Era muito para isso aquela casa onde o azul e branco se degladiava com o rubro-verde, – sempre de modo respeitoso e aprazível - os leitores dirão qual a mais bonita combinação de cores. E assim talvez convençam o Zeferino Pereira, o primeiro presidente da nossa edilidade eleito (em 1914) após a implantação da República. Um teimoso que não consta haja deixado inimigos, e a quem os adversários políticos do Partido Evolucionista alcunharam de Mestre Zéfrino ou também Contas-Achas, por ser austero, muito cioso do rigor dos números da poupança. E se dúvidas subsistem sobre a verdade do que escrevo, consultem por favor o blogue dopresente, do meu amigo Amadeu Gonçalves.

Aí saberão também que Zeferino Pereira habitava a casa na esquina das Ruas Adriano Pinto Basto e Narciso Ferreira, – a tal onde discutíamos acesamente – uma interessante fachada em azulejo e um interior consumido pelas chamas, vão lá uns três ou quatro anitos. Já aqui referi esta grande desgraça e os traumas que produziu no estabelecimento de bem comer Sete Velhos – também em espírito assaz frequentado por Mestre Zéfrino, sempre saudoso dos dias do seu tempo e de uma boa polémica com os talassas.

Se este nosso autarca deixou herdeiros, ignoro. Não fui assim tão longe nas minhas averiguações. Certo, certo, a sua residência, provavelmente construção sua, não saiu do sítio onde a época dos meus bisavós a deixou e se mantinha quando eu vim ao mundo. Impossível esquecer a placa incrustada na sua frente, apontando a rota de Guimarães. Famalicão acabava logo além, depois da Industrial do Barreiro (recordam-se?) e de uma ideia difusa de altos muros de pedra, aí pela Rua S. João de Deus. De rotundas – zero!, de Bernardino outro tanto. Mas o rés-o-chão da antes habitação povoava-se dos aromas do presunto e dos pipos da tasquinha do Marques Miana.

Não são iscas da minha juventude. O antagonismo entre mim e Zeferino Pereira, teimosamente mantido, atropelou um pouco esse outro personagem, sem dúvida interessante, o Marques Miana. Ofuscou-o. E depois foi a minha longa ausência no estrangeiro tripeiro, uma maçada de décadas, e, entretanto, uma qualquer visita nocturna, a janta a queixar-se do atraso e aquele reclame sobre a porta da entrada – Sete Velhos – a chamar, a aplacar os ânimos, era mesmo ali. E foi. O proprietário, o Sr. Álvaro Velho, não ignorava a minha existência, nem a da minha família.

Repeti o programa com pendularidade. Geralmente às sextas-feiras, a caminho do fim de semana, com os filhos, ainda pequenotes, pelando-se já pelo “pica-pau” acompanhado de batatas fritas. Foi por então que conheci Zeferino Pereira e o apresentei à minha prole. Em boa verdade, firmámos amizade, em consonância com a simpatia do Sr. Álvaro Velho. E assim os anos foram trotando, uns atrás dos outros.

Depois do incêndio, todos se voltaram para a Câmara Municipal peticionando obras: Mestre Zéfrino, com a sua autoridade histórica, o clã Velho, honrando o inesquecível “pica-pau”, e até eu, nesta minha coluna. Já com saudades de berrar ao ouvido do fundador da casa um destemperado “Viva o Rei!”. E em nome de uma fachada que tanta falta faz à estética urbana desta terra. Até que as máquinas vieram e se deu sumiço às vigas carbonizadas do telhado e dos soalhos e ao mais imprestável.

Por agora ficaram as paredes e o vazio entre elas. Mas consta o andar cimeiro, a reconstruir, será sede de uma associação e cá em baixo renascerá das cinzas o Sete Velhos.

Oxalá sempre com o seu “pica-pau”. E o assossegado espírito de Zeferino Pereira. Mai-la história que ainda não ouvi do Marques Miana. Tudo compondo as vindouras amenas tardes famalicenses. – Qual quê a República, Sr. Zeferino? – Ó Sr. Álvaro, traga lá mais uma pinguinha, que o Sr. Zeferino também não diz não…

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 15.OUT.2015)

 

 

Em volta de uma travessia

João-Afonso Machado, 14.10.15

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Há uma história do enquanto arrefecendo o Tempo. Essa é a noite tranquila dos nossos dias. Todos entendem porquê.

E enquanto não somamos quantos calendários, com ou sem meninas atrevidas cavalgando motas rumo ao ano que vem, enquanto o lixo não amontoa quantas meninas amarfanhadas e motas ultrapassadas de tantas décadas já, enquanto tal, o encanto de uma ponte qualquer. Mais ou menos curvada, medieva ou esgalgada de modernidade, a lançar-nos sobre as águas para uma ideia de amanhã.

E assim o Tempo permanece em hibernação, troglodita, em todas as estações da nossa vontade viva.

 

 

 

Isto não é um bazar marroquino, mas...

João-Afonso Machado, 12.10.15

Quando ouvimos o chorrilho de palavras repetidas em que António Costa se refugiou, à saída de Belém, percebemos só pode estar já tomada a sua decisão - ainda não declarada, mas de rabo de fora - de inviabilizar um Governo PSD/CDS (ainda que o convidem para o mesmo) e ascender ao cargo de 1º Ministro em que, claramente, Catarina Martins o empossou hoje também. Ao colo, por isso, do PCP e do BE e dos mais "famintos" do PS.

Torna-se, por isso, inútil o apelo à lógica eleitoral ou à rectidão política. Ou o reenunciar da insofismável verdade de que Costa joga nesta cartada todo o seu futuro. Mesmo porque os "números" envolvidos na sua falência são significativamente superiores aos dos negócios dos pequenos e honrados merceeiros com que vivemos lidando nos nossos bairros.

Da parte de comunistas e bloquistas é o que socialista algum se atreveu, até hoje, oferecer-lhes: o poder. O resto é toda a versatilidade da verdade revolucionária.

E não há Cavaco (em final de mandato e desacreditado politicamente) que se lhe consiga opor. Que se trata de um desastre nacional, é inequívoco. Enorme mas não irremediável; e com a imensa utilidade de uma lição bem explicitada.

Isto posto:

Não pode é a Direita -  designadamente os dirigentes da Coligação - dar um passo a mais do que o necessário para não ser acusada de intransigente. E deverá sempre alertar - até à exaustão! - para as fatais consequências dessa aliança espúria nos mercados financeiros e na UE, ou junto do FMI. Já agora, ir pacatamente fazendo a contabilidade dos socialistas, independentes, sindicalistas, empresários ou autarcas que se proclamarem defraudados por Costa e os seus correlegionários marxistas-leninistas-trotskistas. 

Tudo para memória futura.

A democracia prosseguirá, assim, dentro de "breves momentos". Com um PS lavado de fresco e credível.

 

 

 

Também é liberdade

João-Afonso Machado, 12.10.15

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Nas arrastadas horas da incerteza a caneta desce o papel por desacautelados degraus onde tacteia o espírito e ecoa o coração. O tempo é uma grilheta, ferro tolhendo os pulsos, o mofo da cadeia. E o silêncio a ignorância. Tudo é nada ou o potro antigo doendo as angústias.

Nessas arrastadas horas, mesmo dentro da escuridão, tento o desenho ao pormenor do carcereiro em furos de um cartucho inteiro. No estouvado disparo de minha caneta à queima-roupa. 

 

 

O barómetro Lacãozinho

João-Afonso Machado, 12.10.15

Deu a mão a Seguro mas, na altura certa, trocou-a pela paternidade de Costa. E deputou com todo o folgar de um menestrel. Até sobrevir esta última campanha eleitoral, os comícios, jantares e arruadas. Nem se deu por ele. O verbo esgotou-se-lhe, a presença também. Adeus!, ó frases redondas e olhares de perspicácia ante as câmaras televisivas. É pequenino, todos sabemos, mas também Zaqueu o era e subiu à árvore. Enquanto Costa desfilava à frente de mais uma fracassada aglomeração de gente...

E agora Sérgio Sousa Pinto, Vítor Ramalho, a UGT pela voz de Carlos Silva... O tempo está inequivocamente a mudar!

A leitura do barómetro não adianta muito mais. Acentua-se a pressão sobre António Costa mas Jorge Lacão ainda não reapareceu na atmosfera política. É literalmente um sinal de imprecisão. Mas que o tempo está a mudar, isso está. E o dia virá em que Lacãozinho brilhará de novo, como sempre em apoio da nova liderança do PS.