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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Um rebanho já só meu

João-Afonso Machado, 31.10.15

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Nascemos entre os animais, uma galeria como deve ser de cães e gatos, a copiosa capoeira. E mais, dias sadios de gado, lembranças só minhas, as do rebanho de ovelhas, o carneiro de olhar firme, cabeça erguida, e os cordeiros mamando no biberom ao colo de mulheres sentadas nos degraus da corte. Falo sozinho, quem entretanto não morreu já só recorda os que morreram sobrevivendo ao esquecimento, à eternidade de segunda categoria.

Como essa mulher cuja face se esfumou no tempo que também lhe levou o nome. Ficaram apenas as mãos, o eco perdido de uma voz finalmente assentindo em me confiar o biberom, eu não seria muito maior do que o cordeiro.

E todas as recomendações iam para a braveza do carneiro, o feroz sultão entre o seu harém. Que nem me aproximasse! Os criados de lavoura, os mais novos, toureavam-no com uma cesta de vime, tão truncadas chegavam cá acima, qual televisão, quais notícias?!, as proezas taurinas em capotes de cores garridas. Mas o carneiro investia, marrava o fundo da cesta, os rapazes riam, oiço-os ainda, sem cara nem identidade, uma ténue expressão de gozo, já não há quem me ajude a fixar-lhes os contornos, investia o carneiro, disso tenho a certeza, a minha memória é um compêndio, às vezes faltam-lhe é umas páginas, agora no capítulo da tosquia, tarefa certa e um buraco na sua autoria. Quando as ovelhas se tornavam mais pequenas e menos gordurosas ao tacto. Não eram muitas, o rebanho era caseiro, a corte tacanha, com uma porta de madeira carcomida, remendada, e um cravelho a fechá-la. Num cantinho ao lado do estábulo, sob a janela do palheiro.

Falo sozinho, já disse, todos se interrogam - teria sido assim? - mas a lã tosquiada era lavada no tanque e alguêm - quem? - me explicava depois de onde provinham os mais pesados cobertores do pico do inverno.

Eu não teria mais de três, quatro anos o que não tira o rebanho estivesse lá, pastava no campo da horta e hoje entendo o chorado mistério do fim dos cordeiros. Já não a tempo de pegar neles, foram-se um pedaço antes da idade bastante. Como também o carneiro e a cesta de vime com que não o enfrentei. Por isso, ainda agora quando os avisto, carneiros e bodes, os agarro pelos cornos retorcidos, torço-lhes os cornos zangado com Cronos desde esse dia em que o rebanho desapareceu, já não me lembro - mas conjecturo - porquê.

 

 

 

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João-Afonso Machado, 29.10.15

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Duas vezes em um só dia é demais: a alusão, em crónicas de hoje, de Bacelar de Vasconcelos (JN) e de Francisco de Assis (Público) à II República como sendo a actual - como se 48 anos de salazarismo estivessem fora do Regime. A lavá-lo e a pontapear a História. Contas à moda do republicanismo socialista-maçónico.

Porque o art. 5º da Constituição da República Portuguesa de 1933 dizia claramente: «O Estado português é uma República unitária e corporativa». Não gostam os senhores aventaleiros? Paciência. Os Presidentes dessa longa República autocrática foram - quer queiram, quer não - quatro, a saber, Óscar Carmona, Salazar (interinamente, após a morte deste e até à eleição do seguinte), Craveiro Lopes e Américo Tomaz.

A gente percebe os intentos. Aliás, intentos esses deitados abaixo pelo insuspeito Vasco Pulido Valente em crónica de 2 de Outubro de 2010 no Público. De que fica um excerto, a parte final:
«Como é possível pedir aos partidos de uma democracia liberal que festejem uma ditadura terrorista em que reinavam "carbonários", vigilantes de vários géneros e pêlo e a "formiga branca" do jacobinismo? Como é possivel pedir a uma cultura política assente nos "direitos do homem e do cidadão" que preste homenagem oficial a uma cultura política que perseguia sem escrúpulos uma vasta e indeterminada multidão de "suspeitos" (anarquistas, anarco-sindicalistas, monárquicos, moderados e por aí fora)? Como é possível ao Estado da tolerância e da aceitação do "outro" mostrar agora o seu respeito por uma ideologia cuja essência era a erradicação do catolicismo? E, principalmente, como é possível que a Monarquia, apesar da sua decadência e da sua inoperância, fora um regime bem mais livre e legalista do que a grosseira cópia do pior radicalismo francês, que o "5 de Outubro" trouxe a Portugal?».

 

Resta acrescentar que, pelos avisos dos tempos mais recentes, provavelmente anda estamos na República-zero desse abençoado paraíso político prometido...

 

 

 

"Raias Poéticas"

João-Afonso Machado, 29.10.15

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Já na sua quarta edição, é um acontecimento que prima pela originalidade, creio não ofender se o julgar destinado a um público muito específico e decerto empenhado em ir além da poesia (seguramente da poesia mais convencional) e no diálogo entre poetas do universo linguístico oriundo da velha Península Hispânica. Falo das Raias, de que Luís Serguilha é o epicentro. Explicando com mais detalhe: tem o nome completo e os apelidos de Raias Poéticas – Afluentes Ibero-Afro-Americanos de Arte e Pensamento e é um projecto-erupção nascido (se me engano, desde já me penitencio) em Luís Serguilha, um poeta famalicense nestes últimos anos sobretudo em viagem por brasileiras aventuras.

Atrás utilizei, não sei se repararam, termos próximos da génese dos sismos e vulcões. Foi propositadamente, serve de homenagem à poesia de Serguilha – torrencial, vibrando palavras, retalhando e recompondo palavras, roubando-lhes (com algum “descaramento”) o seu sentindo comum, numa escrita carregada de fracturas e lava incandescente. De uma leitura dolorosa. E assim deixo a indicação do seu recente Kalahari, um livro ainda há pouco apresentado em V. N. de Famalicão, marca identificativa de um estilo vanguardista de que Luís Serguilha é percursor na nossa literatura.

Mas as Raias são – como elas próprias se intitulam «afluentes». Ou confluências. Porque resultam em dois dias de gente das mais diversificadas origens na Casa das Artes, veiculando poesia e ideias. Numa alternância de «raias sonoras» e «dobras-do-pensamento», isto é, de declamação e exposição-debate.

Também a mim coube o honroso convite para dizer três ou quatro coisas da minha autoria. E muitos e mais consagrados vieram, do Algarve, da capital (e arredores), do Porto ou Coimbra… da Galiza, de Castela, da vastidão brasileira, de Angola até.

Ali fui reencontrar nomes de outras épocas e outras escritas. Como o tempo passa! E vim acabar num mundo curioso e diferenciado da poesia moderna, em casos diversos ainda sem notoriedade e decerto pouco preocupados em alinhamentos de escolas. Por forma a sustentar a curiosidade e a expectativa na subida ao palco de cada autor.

As Raias são episódios bem administrados, um património de que se arroga Luís Serguilha o Curador. Estabelecem uma ponte enorme entre o Brasil da sua vida presente e o Portugal do seu berço embalado em Famalicão. Nesta proveitosa vaga de pessoas das Letras – e da Ciência e das conexões entre ambas – nota-se também (agora colocando-nos do lado de dentro do nosso portãozinho) um peso maior dos forasteiros, um sinal sonoro menos intenso dos locais. Não é uma questão de culpas ou esquecimentos ou debilidades abstencionistas. É apenas um facto, um caminho a percorrer, um tempo decorrendo até, ou entre, a definição de novas Raias. Por que ficamos a aguardar.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 29.OUT.2015).

 

 

Já há acordo mas está quase

João-Afonso Machado, 28.10.15

O governo da Coligação não passa, nisso estamos de acordo, embora ainda quase a conhecermos se serão uma, duas ou três moções de rejeição a chumbá-lo.

Também estamos de acordo - a não ser que Cavaco Silva lance algum torpedo - seguir-se-á um Governo de António Costa, conquanto ainda não se saiba se o acordo que o sustenta é, ou não, de mera incidência parlamentar. O PCP sente-se muito à vontade comandando as tropas sindicalistas em parada, mas os olhinhos da Catarina brilham por uma cadeira, onde fique mais alta sentada, na solenidade do Conselho de Ministros. E uma cadeira de jeito, Catarina neste acordo é já uma vice-primeira, uma espécie de Paulo Portas da Esquerda.

(Costa, jogando em dois tabuleiros, intenta o movimento oblíquo de um bispo, mas D. Januário entretanto não está lá).

Temos acordo, em suma. O acordo, por isso, está quase concluido. Não sabemos é se temos Orçamento de Estado. Está caríssimo e muito atrasado na sua entrega. Os comunistas exigem preços exorbitantes e não garantem prazos. Que lhes paguem nada menos dum aumento do salário mínimo. Importante, importante é a rua e a UGT urge pô-la fora dela. Carlos Silva já o percebeu mas ninguém lhe liga. E não convém ainda agitar as águas esquecidas do BES ou alertar para a tempestade BANIF que se avizinha.

(Costa muda de tabuleiro e vai jogar o cavalo. Ia! O zeloso PAN impede-o. Mais um impasse).

Enfim, o acordo que temos é um cilindro sobre Centeno e o seu sonho de Ministro das Finanças. Falta-lhe ser político, isto não é para otários. Outro dia que passa... e nós continuando a aguardar o acordo que já temos, mas não temos firmado. Uma coligação negativa? - Isso são bocas da reacção!

 

 

"Não sei"

João-Afonso Machado, 27.10.15

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Enquanto não é logo ouvir-me-ei

de olhar aberto ou coração de inverno,

não sei

o lugar incerto esvaído,

inferno? lassidão?

tempo escrito?

esforço perdido?

 

Não sei!

 

Enquanto não é logo construirei

palavras onde afogo

chamas geladas e pedras incendiadas,

sortes macabras

de quê – não sei!

 

 

 

Improvisadas profecias

João-Afonso Machado, 26.10.15

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Os dias passam Outono adentro sem medo do frio. E nós com eles, esquecidos das camisolas, longe de noções, desmemoriados. Como se nada fosse. Absolutamente alheios ao cinzento sibilino que dá todo o sentido à quente assadura das castanhas embrulhadas em água-pé, distantes milénios do desconfiado semblante dos caçadores de mamutes enquanto pináculos de gelo se liquefaziam. Como não é viver uma mudança de era? Ignorá-la e aos desarranjos da atmosfera, esse vingativo e imprevisivel capote sobre a nossa existência?

Acreditando sempre que os seus caprichos, a avareza do sumo ou a sua desbragada quantidade, a insânia dos ventos, são azares do vizinho do lado... 

Mas, entre o alarme pela escassez à mais chorada saudade das lareiras acesas, ficará sempre a constância das cores. Os amarelos empardecidos continuam a avermelhar sobre os verdes perenes. (Na Natureza, porque somente ela autoriza tais combinações...). É Outubro ainda neste final do Quaternário.

 

 

 

Sócrates - a conferência-doença crónica

João-Afonso Machado, 25.10.15

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"Justiça e política" podia ser um tema sério e um debate plural e interessante. Foi apenas, todavia, mais uma viagem de Sócrates e uma aterragem, não num estudio televisivo mas em Vila Velha de Ródão, em outro dia da sua cruzada contra o seu próprio imaginário.

Da monologante conferência: zurziu Cavaco Silva, o Poder Judiciário, a Imprensa, o mundo inteiro dos inimigos que perspassam o seu espírito doentio. Reduziu investigação e provas obtidas à condição sumária de «bisbilhotice» e «coscuvilhice». Afinal acabou zurzindo em si mesmo, no Sócrates político, - estadista onírico - na realidade um esbanjador dado a luxos e ao novo-riquismo na sua mais feia expressão: a de quem sequer respeita as dificuldades vividas pelo povo que diz amar correspondidamente. E por isso prega a solidariedade no enésimo andar de algum hotel de muitos salários mínimos por cada noite dormida.

(Afora o mais que se venha a concluir nos tribunais...).

E não se cansou de gritar - jamais o privariam dos seus direitos políticos! Como se não estivesse ali a falar livremente para os que o quiseram ouvir. E sem se dar conta de que assim poderá prosseguir em outros lugares quaisquer, menos ao lado de António Costa e dos seus novos aliados políticos. Porque são esses os únicos interessados em calá-lo ou apartá-lo, não obstante serem também os únicos com quem seria viável a continuação da sua carreira pública. A sua família ideológica, enfim.

Apesar dos ataques, das críticas e medos, apesar da oportunidade e da sala cheia de amigos - Sócrates encerrou a conferência sem responder a perguntas dos jornalistas presentes...

 

 

No regresso do macacal

João-Afonso Machado, 24.10.15

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A primeira conquista da Esquerda Unida: o segundo lugar da hierárquia do Estado. Outra vez no modo revolucionário a que nos teremos de habituar.

O incensado: Ferro Rodrigues, se fosse cognomizável, o De Cócoras. Depois das palmas, da sinalética do triunfo e de um pensamento para as mordomias alcançadas, o discurso sem precedentes. Nem prudência, espírito apaziguante, eloquência, cavalheirismo. Sob a lengalenga da igualdade, a clivagem óbvia entre nós e eles.

E por isso, contundentemente, Fernando Negrão o classificou um discurso «do PS, até do PCP e até do BE». Ferro não soube manter «uma posição de equidistância» nem «o cumprimento rigoroso de uma pose de Estado». Para o que, parafraseando-o, ele mesmo, se estará cagando. Fica a para a História, literalmente, pela fealdade. Nunca outro antes empossado neste cargo passara por tal.

Oportuníssimo, a propósito ainda, o final da intervenção de Nuno Magalhães: «não estou certo de que vestiu o fato de presidente da Assembleia da República»...

Fê-lo, porém. No jeito simiesco e gutural que lhe é indissociável. E alapou-se já no cadeirão lá em cima. Prossiga a República!

 

 

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 23.10.15

TELHADOS.JPGHá cinzentos tão calados do verde que os seus olhos ficarão azulados comigo, abrindo e fechando histórias, até esse dia em que também eu não mais as contarei. 

 

 

Por ora é o que há

João-Afonso Machado, 22.10.15

Depois de termos assistido à maior fraude eleitoral de toda a história da democracia parlamentar, cedo se percebeu, face ao andar despachadinho de António Costa, quaisquer argumentos de natureza racional, ética, política, seriam absoluta perda de tempo. E quase toda a gente, ainda por cima, se esqueceu, no burburinho levantado, da mentira agitada pelo desesperado PS costista sobre a súbita "disponibilidade" do PCP - um partido que desde 1976 não faz mais senão apelar à unidade de esquerda, apelo esse sempre caído no saco roto da moderação dos socialistas.

Assim chegámos a hoje. Ao dia em que Cavaco Silva deverá revelar se pretende acabar a sua passagem por Belém menos mal ou pior.E à noite em que Costa e a sua trupe de gananciosos enfrentarão a Comissão Política Nacional do PS e o que nela haja ainda de rigor, honestidade ou bom senso.

Em termos práticos: assiste aos portugueses o direito de conhecer e ver debatido - e rejeitado - no Parlamento o programa da Coligação. Com o que a eventual posterior indigitação de Costa, à frente de um Governo socialista-bloquista-comunista (ou não será assim?; nem isso sabemos...) se adiará talvez para depois das Presidenciais. Se estou à espera de uma vitória de Marcelo? Não, antes aguardo com impaciência o congresso do PS, calendarizado para então.

Porque este se afigura da maior importância para aquilatar do real abuso de poder perpetrado por Costa. Francisco de Assis, por algum motivo ainda não se calou, e Seguro (ter-se-á definitivamente retirado, enojado como Guterres?) mantém um silêncio capaz de descambar em trovoada.

 

 

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