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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"No finar da época"

João-Afonso Machado, 17.09.15

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São já os últimos vestígios do Verão. Mesmo porque escasseia o vagar para pensar nele, a idade tem dessas fatalidades, a distância do tempo em que o Verão se sorvia até ao Outono.

A praia, Vila do Conde, era então uma estadia bastante mais demorada. Se Agosto era o mês da folia, Setembro agradecia-lhe a calmia dos areais e a própria roda de amigos se esvaziava, deixando apenas uma dúzia dos mais renitentes. Os que podiam, os que conheciam os magníficos dias de sol ainda por gozar antes da despedida geral. Esses dias inesquecíveis em que o mar se fazia um lago, a nortada sumia e toda a comunidade veraneante permanecia em êxtase na areia até ao poente. E se descobriam os verdadeiros encantos desta ou daquela e sobrevinham as paixões em serões infindos de cartas e música de LP’s e singles transformados em hinos incansáveis e imortais.

Quando então as coisas corriam mal – isto é, a paixão se desengonçava – fixava-se terminantemente o momento da partida. De resto, seria já na agonia, as calças de bombazina e as botas militares faziam parte da indumentária, o resto cabia na mochila às costas, chamavam-nos as vindimas, o corte do milho, os parceiros entretanto refugiados nas quintas dos seus. A bicicleta parada à porta do Zé Diogo – Vens? – E ele, prontamente, - Vou, espera aí, tenho só de buscar umas coisas, um saco…

E partíamos estrada fora nas nossas recuadas “pasteleiras” sem mudanças mas com guiador “de cross”, rumo a Famalicão. Uma hora a pedalar, um percurso já aliviado do perigo dos emigrantes desenfreados nas suas “vuátures”.

Era depois até ao início das aulas, na sequência da revolução abrilina sempre incerto, sempre adiado. E, além de uma intensa actividade campesina, muito no acastanhar de uns dias notoriamente mais curtos, tínhamos também Famalicão. A Vila.

Havia, incomparavelmente,  menos gente, menos urbe. Famalicão não ia além do que hoje se costuma chamar “o centro”. Sem quaisquer elevações prediais de realce. Movimentando-se com imenso vagar, sempre laboriosamente, com pendular regularidade. Como se as férias fossem, continuassem a ser, a notícia remota, curiosa e exótica de uma realidade distante. O eco de um certo ruído mais a oeste. Bebíamos a nossa cervejinha pelo fim da tarde na mais santa paz de um cafezinho qualquer.

Muito mudou. Famalicão faz actualmente as suas malas balneares mas oferece também, a si mesma, um Verão peculiar, cheio de diversidade e animação. Debanda em turismo tanto quanto recebe os seus hóspedes. Banha-se nas horas de calor, sai após o jantar para um pouco de espectáculo, um pedaço de ar fresco e deambulante. Diverte-se e agita-se, descontrai-se. Creio que sente mais estas despedidas das praias, o reatar do usual curso da vida. O quotidiano, em suma. Mas não sem que antes lance os últimos foguetes: na feira de S. Miguel que está quase a estourar aí.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 17.SET.2015).