A vindima do velho Menezes
Tem vista para os cumes do Gerês com se estivesse num balcão arredondado, ao sol, a vindima do velho Menezes. Uma vindima nova, da idade das suas vinhas, ameaçando vindimas muito mais exigentes daqui a uns anos. E uma visita antiga ao cozido à portuguesa com o velho Menezes a chamar os amigos nestas horas de aperto no aproveitar dos sábados.
Mas a gente vai. Feliz - ou infelizmente - já não para cima de umas escadas, o cesto de vime pendurado por um gancho nos degraus, a subir também, o paleio com as cachopas a resvalar no brejeiro, o volta a descer depois de um último gaipito colhido mais longe, o corpo poisado nos arames da ramada... Agora já nem podia ser, os arames não aguentavam, nem o velho Menezes vai cá em ramadas, a sua vindima é um dia percorrido ao longo dos bardos, um campo após outro da memorável vinha.
E é este manancial de recordações e comparações. Como sempre, acordei com um ataque agudo da minha vindimite crónica, estive mesmo para telefonar ao velho Menezes a dizer não podia, o sofrimento era muito, mas depois lembrei-me, seria a oportunidade de estrear a baínha em boa pele alentejana que um dos meus afilhados me ofereceu para a navalha, não é que os jeans precisem de cinto, em boa verdade, mas sempre se dá um ar de cowboy e se disparam umas fotografias. Além de que a viagem podia ser mais longa e o velho Menezes merece e enquanto faz vinho não inventa aguardente de gengibre e malagueta. O melhor ainda seria tomar um xarope qualquer e partir.
Fomos, pois. Estava lá tudo: o Gerês, ao longe, o vale do Cávado, em baixo, os cães do velho Menezes e a tal sua vinha nova, a menina dos seus olhos. Quando chegámos, alguns vindimadores mais voluntariosos haviam já despachado a vinha pioneira, mais sumarenta, facto porque muito lhes ficámos agradecidos. Quanto à outra, a vinha nova do velho Menezes, as vides ainda não atingiram toda a sua pujança e - digo eu, um desconhecedor - há por ali mais umas arestazitas a limar. Como ele, enfim, saberá pegar na devida ferramenta.
Deitámo-nos ao trabalho. O sol queimava. A glicose e a frutose são pegajosas. Vindimei um dedo meu. E enchi uns baldes com cachos. Apesar de tudo sobrevivi e conseguimos regressar a território pátrio.
Mas será talvez devido à manifesta ausência de perdizes naquelas bandas, piorei muito da minha vindimite. Estou até acamado e já mandei recado ao velho Menezes, assim para o ano não sei como vai ser. Não sei, não...