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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"Comparações que dão gosto"

João-Afonso Machado, 03.09.15

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Sefton Park fica em Liverpool. É complicado descrevê-lo, tanto quanto conhecê-lo integralmente. Mas imaginem um escadório descendo até um avantajado lago, lá longe mais estreito, cada vez mais estreito, até se pulverizar em canais a imitar os riachos e as nascentes.

Já assim constatarão Sefton Park em desvantagem perante a nossa Devesa, dotada de cursos de água naturais, o Pelhe e a ribeira do Talvai, sua afluente.

Imaginem depois relvados imensos, sem termo à vista, verdes como uma horta repolhuda, bordejados por alamedas infindas, e tudo sem um fiapo de lixo, uma ponta de cigarro que seja.

(Bom, Liverpool é maior do que V. N. de Famalicão… E a Grã-Bretanha praticante de longa data de alguns bons hábitos…)

Ainda faltam os animais. Comparações faunísticas. Imaginem a animação que navega o Sefton Park: cisnes, gansos do Canadá, galeirões, galinhas de água e os seus pintos, mergansos e mergulhões, não sei quantas variedades de patos… Quem calha, as crianças, os idosos, atiram-lhes migalhas de pão e toda aquela babel ornitológica comparece ao banquete. Confiadamente. Os bichos gostam das pessoas quando as pessoas gostam deles. Posto isso…

As árvores impressionam pela sua frondosidade. Pela diversidade. Pela beleza dos seus troncos já com uma contagem indeterminável de invernos. Imaginem o respeito que elas impõem aos frequentadores do Park!

Aqui por Famalicão, bem vistas as costas, batemo-nos de igual para igual. O arvoredo do parque da Rotunda cresceu tão alto como o mais portentoso. As sombras de Sinçães são uma bênção em maré de canícula. E as águas da Devesa uma maternidade de patos, um poisio de garças e corvos-marinhos. Os melros, lá como cá, cantam em português. Se as gralhas, os corvos e as pegas escasseiam por estas bandas, nós temos a vantagem dos gaios e o formigueiro de coelhos nos entardeceres acima da Casa do Território…

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Em suma, ficamos – Famalicão e Liverpool – todos a ganhar. Sobra espaço para as bicicletas (os britânicos também se fartam de pedalar), para o passeio do cão (entre beagles e terriers aquilo era um manancial), para o footing ou a simples deriva conversadora. E para os bancos de jardim: talvez o mais belo lugar destas andanças; onde os namorados namoram e os demais, quando se sentam, é porque aprenderam a refrear a velocidade da vida.

Só não vislumbrei piqueniques: palpita-me que na Grã-Bretanha pensam como eu – os parques e os parks só por azar hão-de sofrer debaixo da manta dos piqueniques.

Consumada a obra – A Rotunda, Sinçães, a Devesa e, do outro lado do Canal, Sefton Park – importa a conduta. O silêncio.

Não o entendamos – o silêncio – como o mutismo da clausura; antes como o vagar da natureza e das gentes. De modo a que ninguém fuja de alguém, nem sequer as lavandiscas, os piscos ou os chapins. O silêncio nos parques é difícil de explicar e não contende com o correr das bicicletas e dos atletas. É somente fácil de experienciar, bastando que todos nos sintamos bem nos parques, assim como os ingleses se sentem e gozam os seus parks.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 03.SET.2015)