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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Como seria então?

João-Afonso Machado, 13.06.15

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A história adivinha-se nas suas formas arredondadas, vagarosas, e quase parece fantasiosa, capaz de furar a Cortina de Ferro. Mas sim, é um Skoda com mais de sessenta anos, decerto quase todos vividos em terras lusas. Servindo de ambulância em Vizela. A resvalar no empedrado das estradas, dotado da suspensão, do conforto que facilmente intuimos. Porque o mundo acelerou prodigiosamente rumo ao bem-estar, à meta das vidas vencendo a Morte. Com viaturas amareladas que transportam um hospital inteiro lá dentro, e equipas de reanimação, estabilização, às vezes com helicópteros, quase sempre com ciência e eficiência e a indispensável esperança.

A velha Skoda não se atreveria a fazer promessas. Nem a de cumprir pontualidades. Chegava, conseguindo, transportava para onde Deus quisesse. O Homem podia realmente menos, então. E no seu interior, duas barras de ferro paralelas ligadas por um corte de lona. A maca. À vista, modelo small, não extensível. Do local do sinistro a um hospital capaz, o que reservaria a sorte ao sinistrado?!

Calhando, sobretudo umas mãos, um olhar gingando nos tropeções dos quilómetros. E algumas palavras que dele se apiedassem, mais o gesto de lhe compor a dobra do lençol sobre a manta na enxerga puindo a maca. Os estrados, os colchões de espuma chegariam muito depois. Mas talvez a alva roupa de cama sobre o frio dos ferros e da lona, a almofadinha nas nucas, e essas vozes ao lado, incapazes de se esquivarem aos buracos das rodovias e às cancelas das ferrovias, ou às emoções, talvez tudo isso tão pouco fosse o mais a viajar no incerto trajecto onde muito já seria vencer o desespero.