Famalicão tem-se fartado, ultimamente, de rolar. Quer no vagar das memórias históricas, quer na audácia, no improviso e na boa disposição da gente mais nova. Passo a dar exemplos.
A mostra e o desfile de viaturas antigas de bombeiros promovidas (em segunda edição) pelos “de baixo” constituíram, para mim, um dos mais grandiosos espectáculos a que me foi dado assistir aqui na terra. Gosto particularmente de carros do passado. Mas o impacto daquelas oitenta e tal relíquias alcançou um significado transcendente. Talvez Portugal, neste domínio seja um país privilegiado – um país à margem da destruição que afectou a Europa restante nas duas guerras mundiais, onde se deitou a mão a quantos máquinas e motores ajudassem ao transporte, na vida e na morte, nos acesos combates que a arrasaram.
Aqui neste nosso cantinho, “à beira-mar plantado”, o que choramos perdido no lixo apenas se deve à incúria e imprevidência tão costumeiras entre nós. A um misto de ignorância e falta de meios que se nos refastelou no espírito e no bolso. Sob o mote, aliviado, do que é velho é para deitar fora. Salvou-se muito, ainda assim. E mais há esperando. É só vaguear um pouco pelo Interior e o que digo ressalta aos olhos. Assim não nos demoremos e esse património de chapa ao léu não abandone o território nacional onde ouviu gemidos e súplicas e fez história…
Em suma, foi um gosto. E foi uma honra. Foi a maior mostra europeia de viaturas anciãs de bombeiros. Foi uma organização da Real Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de V. N. de Famalicão (de seu nome completo – não lhe apaguem o “Real”, por favor, essa distinção, à época, de calibre maior). Uma alegria e uma emoção…
… Um desses momentos que nos transporta no Tempo até aos limites da imaginação ou, pelo menos, da nossa consciência. De uma estranha noção dos bombeiros sempre presentes nos momentos de aflição ou de tristeza. Ora quando os matos ardiam, e solavancavam os rígidos Land Rover’s sobre pedras até à última gota de água do seu transporte, ora nos féretros em cada freguesia, às costas do velho “carro da bomba”, nessas horas de dor paradoxalmente engalanados de coroas de flores… Como não viver, até ao mais primitivo episódio, o memorial dos bombeiros voluntários?
E uns dias volvidos, a “Mais Louca Descida” da “rampa” dos Caminhos de Santiago, organizada pela Associação Recreativa e Popular de Antas (ARCA). Na qual me foi solicitado – tive esse privilégio – realizasse a cobertura fotográfica da brincadeira.
Lá fui escolhendo os lugares onde me pareciam mais prováveis os desejados instantes de surpresa e espectularidade. Foram umas tantas descidas no arrojo das trikes e na graça, no engenho ou na imprevisibilidade, mesmo na velocidade dos carros artesanais. De competição, cronometrada ao segundo, e de entretenimento se ilustrou um dia inteiro.
Quanto a este último capítulo, espero a ARCA tenha gostado dos retratos. Fez-se o melhor que se pode. (No catálogo das viaturas dos bombeiros também…). Julgo que são registos, razoáveis ou nem isso conseguidos, de uma Famalicão cheia de boas ideias e criatividade. De muita acção. Com direito a múltiplas reportagens televisivas para o País todo…
(Da rúbrica De Torna Viagem in Cidade Hoje de 18.JUN.2015)