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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Tiro ao alvo

João-Afonso Machado, 31.05.15

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A manhã acorda sempre quieta e nebulosa depois da excitação nocturna das velocidades. Os circuitos urbanos, posta momentaneamente de lado a questão ambiental, parecem ser salutares para a economia da cidade. E são espectáculo, circo. "Adrenalina" - a palavra soa em todo o lado, a propósito e a despropósito, no irreflectido vozear da multidão. Essa mesma que nos tolhe a vista e os movimentos com os seus instáveis equilibrios no gradeamento das barreiras, onde braços em manivela imprimem mais aceleração às máquinas. São os sonhos acordados de motores nos limites e o estrelato na competição. Uma opaca maçada!

No silêncio das mais saborosas observações, reconheçamo-lo: é a heterodoxia das imagens que buscamos. Um pouco mais de "adrenalina" e assobiavamos, como a multidão, na passagem dos prudentes... E os cheiros e ruídos próprios apenas constituem um indício do descambar da trajectória. De que a presa está próxima... Do ansiado momento da fotografia, em suma. Uma vez mais, a oportunidade, a pontaria e o tiro.

 

 

 

Correio do Minho

João-Afonso Machado, 28.05.15

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«Meu prezado Amigo e correlegionário:
Fi-la bonita esta última estadia na Capital! Imagine o Amigo, dei de caras, ao passar a S. Bento, com um colega de estudos, um rapaz vivaço, de verbo fácil e olhar ladino, sempre posto nas provas escritas dos ursos. Há quantos anos isso não vai! Pois qual não é o meu espanto, quase me esbarro no ratão, trinta quilos mais feliz, a toda a largura do passeio. Um grande abraço, então por aqui?, há que tempos!, etc e tal, não é que eu goste de mãos sapudas e suadas no linho dos meus casacos estivais, enfim, o costume, como V. calculará...

E, em suma, o moço ascendeu a deputado. E assim eu, provincianíssimo, não tive como não me visse, tanta a insistência, à mesa do almoço da casa do pecado. Da Assembleia da República, pois claro!

Mas sabe o que lhe digo? Come-se nada mal. E com serviço a cargo de empregados fardados. A República continua a cuidar de si e foi então, falando dessas décadas tão remotas dos estudos, calhou de mencionar o Vasco Pulido Valente, professor de ambos na Faculdade. Comentário para cá, comentário para lá, e na minha proverbial desilegância deu-me para falar no seu O Poder e o Povo, essa nossa biblia dos serões das sextas. Que quer o Amigo? Saiu-me, terá sido, como dizem, um acto falhado. Ainda por cima citei-lhe aquela parte final sobre o que foi o PRP e a República, o bastante para o meu anfitreão embatucar, empalidecer, o olhar impondo-me contenção, e uma expressão grave - o Pulido Valente escreveu isso? Mas onde está isso? E se o Dr. Mário Soares sabe disso?

Confesso, fiquei incomodado. Se o Soares, ou o Alegre, ou um desses, informado pelo meu antigo colega (só depois percebi, ele deputava pelo PS), resolvem chatear o Pulido Valente? Já pensou? É que ainda por cima fiz a cadeira com dez valores e detesto ele venha a pensar agi por vingança...

Enfim, logo se verá. Apresso-me a regressar ao nosso recanto e recato, ao fresquinho da minha varanda... Até então se despede com um abraço amigo e limpo o

JAM
P.S. A coisa começou a correr mal, ainda eu só citava de cor aquela parte - «na luta pelo poder, o PRP destruíra o inegável liberalismo da Monarquia. A República, longe de ser "democrática" sobrevivera sobretudo graças ao terror popular»... Veja lá se eu prosseguia com a outra, a da perseguição aos opositores e da sobranceria dos dirigentes republicanos! No restaurante deles!...»

 

 

Pombos maratonistas

João-Afonso Machado, 26.05.15

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Milhares e milhares de pombos criados em Portugal e invariavelmente soltos em Espanha, entregues ao seu sentido de orientação. Parece que a esmagadora maioria consegue regressar aos respectivos pombais. Uma outra paixão, tão violenta como a dos cavalos ou galgos.

E decerto à medida dos bolsos onde as mãos não são tão largas. Mas sempre assunto para levar a sério, tecnicista, competitivo. Carregado de logistica. Os pombos vão em camiões TIR, selecções deles, convocados entre os mais promissores atletas do poleiro. E vitaminados (dopados?), em tudo controlados, até na sua vida amorosa, obrigados a dormir a noite toda. A nuvem desengaiolada é como o breu em Espanha, os telemóveis dão conta da partida e a multidão alada esvanece-se no horizonte. Debruçados nas lusas janelas, os columbófilos, de relógio em riste, castigador, sofrerão a angustia e a ansiedade das horas seguintes. Um horror!

Depois funcionarão as regras do jogo, envolvendo registos, distâncias, tempos de voo. Uma cronometragem complicadíssima. E um desporto regalado feito dessa estranha mania dos pombos voltarem a casa. Assim como quem joga xadrês.

Há troca de posturas de ovos, apuramento de raças. Apostas e taças de base negra e copo dourado ou prateado. Clubes e blasers com disticos na lapela. Placas alusivas, obra escrita, orgulho de criadores. Rivalidades e discussões de café.

(Sem dúvida, o planeta é nosso e de muito pouco se pode fazer imenso. Contando não falte o quintal, é claro.)

 

 

 

O cabalístico nº 44

João-Afonso Machado, 24.05.15

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Não registam os anais, de certeza, outra cela mais conhecida do que a nº 44 do Estabelecimento Prisional de Évora. A História não se faz de acasos, toda ela são misteriosos, por vezes antagónicos, encaminhamentos. Como o que levou Afonso Costa a abandonar velozmente, na madrugada de 4 de Outubro de 1910, o "Quartel-general" da Revolução republicana, num coupé de praça, e a esconder-se no Hotel Central, ao Cais do Sodré.

Alguns tiros de pistola, disparados lá para as bandas de Alcantara, foram o bastante para que o heróico caudilho sustentasse ter sido ferido, necessitar tratamento. Examinando-o, o médico republicano Malva do Vale (o único membro do Directório do PRP presente na Rotunda) «declarou sarcasticamente que ele só tinha no corpo um buraco de nascença e natural».

Os factos e as fontes constam da obra (ed. de Autor) de Eurico Carlos Esteves Lage Cardoso sobre Afonso Costa.

Malva do Vale conhecia bem a "ética" da peça com que lidava. Mas ignoraria que o coupé em que ela fugira era o nº 44...

E 88 meses depois - 2x44 penosos meses depois! - Afonso Costa abandonava definitivamente a governação portuguesa, rumando Paris, o eldorado dos nossos auto-exilados republicanos.

Moral da história: se vais tão depressa, vais dentro.

 

 

 

O Zé Alberto "a retalho"

João-Afonso Machado, 23.05.15

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As alarvidades que José Alberto Carvalho terá dito - eu não ouvi, já quase não oiço noticiários televisivos - sobre o testamento do Buiça e os famosos «valores republicanos», como se matar uma, duas pessoas, pai e filho, ambos queridos da esmagadora maioria dos portugueses de então, andasse longe do respeito devido aos seres humanos, - a boçalidade do Sr. Carvalho, dizia, causou geral indignação. E talvez não seja caso para isso.

Porque se José Alberto Carvalho sabe do que está a falar, e fala em nome dos tais indiscritiveis «valores republicanos», ficamos todos entendidos. E legitimado qualquer colega seu, pela res publica que são os canais públicos da TV, para o abater a tiro sob pretextos da intrigalhada à volta dele gravitando lá dentro.

Mas o mais certo é o Sr. Carvalho ignorar completamente do que se trata. Do que papagaia, cinco minutos depois de ter folheado alguma brochura sobre o património do Museu, e só para não ficar calado. Possuido de tais ideias a retalho, o Zé Alberto - e como ele tantos! - acreditem serão os primeiros a louvaminhar o Rei assim lhes cheire a proximidade do Trono. É que acima de tudo o emprego; e só depois as convicções políticas.

Só depois do futebol, evidentemente. 

 

 

"Porque matam o Ave?"

João-Afonso Machado, 21.05.15

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É um traço importante na nossa região, a do Baixo Minho. Sem mais alongamentos geográficos, demarcada pelo Cávado e pelo Douro e tendo por espinha dorsal o Ave. Um rio muito de V. N. de Famalicão, como também de Guimarães, Santo Tirso, Vila do Conde. E há décadas e décadas tratado a pontapé e baldes de porcaria no seu leito.

Lembro passeios de bote na sua foz, a minha meninice povoada de transparência e peixes anafados como tubarões lá no fundo, rochoso, arenoso, encrustado de mexilhões ou em voares das algas. Imaculado. Os robalos subiam a maré como facas na manteiga, as tainhas eram pitéus, ia-se à pesca dos jaquinzinhos já de água na boca para a fritada e, quem gostasse, tinha sempre garantida a caldeirada de enguias. O cais de Vila do Conde era um verdadeiro canavial, tantos os pescadores. E, para o interior, ainda em 1976, sob a ponte de Santo Tirso, tirei uma truta, a excelência do meu repasto no dia seguinte. Mas já o caos se avizinhava, trazido pelos ventos das tinturarias. As águas do Ave adquiriram cores novas, o rio transfigurou-se literalmente em punk. Com espuma em vez de cristas cabeludas.

Depois foi a moda das ETAR’s, um movimento naif e perdulário. Centenas de “chaminés” ao longo do seu curso, centenas de milhares de contos deitados fora. Que me perdoem se exagero… Salvo melhor opinião, porém, não ocorresse a hecatombe de falências o rio teria morrido entretanto.

Sobrevieram, na realidade, tempos de melhor agoiro. A pesca regressou aos açudes e remansos do Ave. E sobre essa pesca, e o que se pescava, deixemos para outra ocasião tantas tolices cometidas. Facto é, o rio lavou-se, oxigenou-se, criou outra aparência, mais civilizada.

Até que, recentemente, regrediu desse aliviante progresso para nova vagabundagem. Sem sequer sair do concelho, basta espreitar o que corre por baixo das pontes de Caniços e da Lagoncinha ou as planuras de Fradelos. Uma imparável tristeza!

De tal maneira, as autoridades decidiram tomar medidas. A “Operação Rio Ave” foi posta em marcha pelo Comando Territorial de Braga da GNR. O objectivo: o levantamento dos pontos de descarga de poluentes e de captação ilegal de águas. A área de intervenção: entre a fronteira das Terras de Basto e o concelho de Guimarães e a nossa freguesia de Fradelos.

Inacreditavelmente os fundos do Ave são um repositório de maldades criminosas: neles jazem cães e gatos envoltos em sacos de plástico, assim condenados à morte, assassinados por afogamento!; e os restos de coelhos e galinhas, bicharada doméstica do consumo alimentar das gentes!; mais objectos, lixo diverso, desde as bolas de futebol aos bidões, pneus, trapos de roupagem, tudo o que a selvajaria de uns tantos achou poder destruir um património de todos por comodismo seu.

O “inventário” é de quem lá anda, os destacados do Núcleo de Protecção do Ambiente e da Unidade Especial de Operações Subaquáticas (incluindo um mergulhador) da GNR. A vergonha é, genericamente, nossa.

Não será de acrescentar mais. Até porque, se o Ave leva semelhantes tratos de polé, os seus afluentes também. O Este, o Pelhe, o Pele, quantas ribeiras serpenteiam pelo concelho e era suposto embelezá-lo em vez de o emporcalhar. Parece até, damos de barato o desemprego grassante e a riqueza turística que os restos mortais dos nossos cães e gatos aniquilam…

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 21.MAI.2015)

 

 

 

Em cada regresso a mais longe

João-Afonso Machado, 19.05.15

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Tudo na cidade são reflexos do Tempo. Dos anos, tantos anos em tão pouco tempo. Um segmento de recta rigorosamente curvilíneo, assim se contam as contas desse rosário. O mais doloroso em quantos minutos de aflição dobrando a rigida distância entre o Passado e o Presente. Porque o Tempo é o antónimo do Espaço, lugar sentado e observador. Ou talvez não: o Tempo varre o Espaço, sopra as almas que o povoam.

Jardins e parques, cafés, tabacarias e cavaqueiras, tascas e passeios... Um magote de gente transportada pelo Tempo de onde tinha assento ou viva voz, o costumeiro, cordial, cumprimento matinal. Na morte das rotinas o luto é enorme sempre que se regride ao Ontem. Tudo não está no sítio em que ainda parece estar, salvo as rugas do que ainda vai estando. Reaparecem expressões esquecidas, transfiguradas, reaparecem, ainda assim... E, invariavelmente, a arquitectura e uma ou outra árvore.

 

 

 

E depois do adeus à TAP?

João-Afonso Machado, 17.05.15

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Já em segunda transmissão e a uma hora complicada (com início às 00.30h), a RTP1 exibe quanto a mim a melhor série portuguesa de sempre. Chama-se Depois do Adeus e é a saga de Álvaro Mendonça e da sua Família, regressados à Metrópole depois da exemplar descolonização de Angola.

Vejam. É notável o rigor histórico, aliás confirmado com a reposição de alguns inesquecíveis episódios (- Olhe que não, olhe que não... - ironizava Cunhal no célebre debate com Soares, uma pequena enxertia no guião; - O povo é sereno, é só fumaça, o povo é sereno... - aplacava Pinheiro de Azevedo em outra tira da grande manif do Terreiro do Paço, nas vésperas do 25 de Novembro).

O enredo desenvolve-se entre 1974 e 1976. E Álvaro Mendonça, recém-chegado aos trambolhões e sem ter como se sustentar, e aos seus, arranja enfim emprego. Numa fábrica onde, pelo empenho e competência, rapidamente ganha a confiança do patrão, o qual viria a ser mais um saneado do PREC, expulso da sua própria empresa doravante em auto-gestão.

Atarantado com os desmandos dos revolucionários, Álvaro tenta chamá-los à razão. Está prestes o colapso financeiro, a falência. Também ele é saneado.

Do pouco que se produzia, o destino eram as UCP's alentejanas, como demonstração de solidariedade com a Reforma Agrária. E dois sindicalistas barbudos, de cravo vermelho ao peito, comandam e coagem a casa toda, desde o guarda-livros ao aprendiz de operário. O resultado: entregue àquela acefalia, a breve trecho não havia tesouraria para os ordenados do fim do mês.

Como é suposto estas histórias terem um happy end, lá chegou a vez dos sindicalistas morrerem com o ferro que mataram. Não se sabe para que outra freguesia foram pregar - mas foram. O Álvaro (Mendonça) foi readmitido, o patrão retomou o que era seu e todos foram muito felizes para a vida inteira.

A alusão ao Depois do Adeus deve-se somente à extraordinária parecença do narrado com a vadiação da TAP. Onde uns tantos - poucos - transtornam o país, - a sua economia, as suas gentes - os seus colegas (todos auferindo remunerações inferiores) e comprometem criminosamente o futuro da Empresa que já não se afigurava brilhante. Sendo que os ditos grevistas - os pilotos - obviamente são quem menos se aflige com o espectro do desemprego...

 

 

 

 

 

O que vale a verdade?

João-Afonso Machado, 15.05.15

Esse livro que está aí e narra um Sócrates "Cercado" é capaz de ter o maior interesse. Não porque se trate de levar o tema para o campo partidário (do qual convém sempre fugir) mas, pelo capítulo já lido no Observador, em resultado do ali retratado sobre a personalidade do homem.

O episódio da licenciatura (o tal trazido a público pelo Observador) é de antologia. Não lhe falta nada - as manobras dissuasoras visando os jornalistas, os telefonemas ao reitor da Universidade, o tratamento ora cerimonioso, ora intimista, a aflição, as irritações, os assomos de fúria. E tudo talvez indiciando um artista não suficientemente inteligente - embora convencido disso - para perceber que há outros tão ou mais inteligentes. E, eventualmente, tão ou mais artistas...

Há, todavia, um outro aspecto relevante, porventura merecedor de uma reflexão mais séria. Muitos são, se calhar os educados religiosamente depois a enveredarem pelo agnosticismo ou pelo ateísmo; mas raríssimos serão os convertidos a outro credo. Na política parece também ser assim: cresce o número dos cépticos; afora estes, vá lá convencer-se um fiel à causa socialista (v.g.) da inveracidade do que toda a gente já percebeu ser verdade...

 

 

"Duas" palavras sobre o AO

João-Afonso Machado, 13.05.15

O chamado Acordo Ortográfico é uma discussão de anos a que jamais liguei. Por indolência e por respeito à nossa Língua. Percebi vagamente que se preparavam para eliminar uma série de letras em determinadas sílabas, e acentos e hífenes, tudo em nome de um facilitismo a tentar disfarçar imensa possidoneira. Até porque dá bastante jeito distinguir entre um António e um Antônio (com circunflexo), que a gente vê logo quem o chama ou de onde vem ele.

E se é para abrasileirar ou africanizar a coisa, troquemos também os "vv" pelos "bb", os "ãos" pelos "ons". Minhotemo-la, quero eu dizer.

De modo que fiquei por completo à margem dessa conversa. Um acordo pressupõe uma convergência de vontades e a minha diverge. De resto, diverge sempre que, como escreveu Sardinha, a lei passa a determinar a sociedade, em vez de unicamente a exprimir.

Uns tantos, muitos até, faziam (ou fazem) questão de assinalar, no fim das suas crónicas, redigirem em conformidade com o "português antigo". Ou algo parecido. Continuei a achar, era dar importância demasiada à vizinhança do Estado, atitude que não fica bem à Nação. Até que, enfim, li hoje, já não sei onde, o AO está em vésperas de se tornar obrigatório, significando isso, quem não escrever segundo os seus ditames incorre em erro.

Um ilustre professor de Direito veio já a terreiro dizer que a situação legitima a "desobediência civil". Sim, se reconhecermos algum poder ao Estado. Sim, se em Portugal se soubesse generalizadamente escrever. Como tal não acontece, nem os estudantes, nem nós outros corremos perigo algum. Tenciono, pois, continuar a dar erros até ao fim dos meus dias. E a fazer-me entender também.

 

 

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