A Famalicão das excursões é outro longo tratado de aventuras por mares nunca antes navegados pelos famalicenses. Encontro mapas e crónicas de viagens capazes de embatucar qualquer Pêro Vaz de Caminha. Como, por exemplo, a descoberta de Fátima e Lisboa, aí por 1956, em «esplêndidos autocarros» capitaneados pela Barbearia Gaspar. Ficaram nos anais as bizarras paragens alcançadas - «o Porto, S. João da Madeira, Oliveira de Azeméis, Curia, Luso, Buçaco, Coimbra, Condeixa, Pombal, Leiria, Fátima (pernoitar); Tomar, Castelo de Bode, Tancos, Chamusca, Aeródromo – Lisboa, visitando o Estádio Nacional e outros monumentos (pernoitar); Estoril, Cascais, Boca do Inferno, Sintra, Mafra, Torres Vedras, Caldas da Rainha, S. Martinho do Porto, Nazaré (pernoitar); Sítio, Marinha Grande, Figueira da Foz, Aveiro, Espinho». E, quatro dias depois, o regresso a bom porto, à calmaria do lar, no aconchego da família fascinada em redor de tantos e tão bravos feitos cantados.
Também eu, do sangue deste povo marinheiro, embarquei um dia. Também eu percorri a rota de Lisboa, a mesmíssima rota dos pioneiros do século passado, meticuloso como um romeiro de Santiago. A pé, - até Fátima – de carro, de camioneta, de comboio, à boleia, a pagantes… E mais tarde, chegando-se os clientes à frente, no impensável avião, aterrando (e depois descolando) no encantador «aeródromo» da Portela de Sacavém.
Também eu, enfim, visitei o Estádio Nacional, em jogos épicos da nossa Selecção, e visitei ainda «outros monumentos» menores da capital, como os Jerónimos, a Torre de Belém, o Terreiro do Paço, uma colecção de palácios e o Panteão de S. Vicente de Fora, onde repousam os nossos Reis.
E lembro, naquele cantinho com vista para a Praça 9 de Abril, a Agência de Viagens e Turismo Santa Filomena, Limitada. Na altura desconhecia bastante a sua utilidade, até um dia ler nela se obtinham «passagens aéreas, terrestres e marítimas, passaportes, bilhetes de caminho-de-ferro, reservas de hotéis, legalização de documentos, transporte de mercadorias», além das inevitáveis «excursões a Fátima (110$00) e a Lisboa», em frota própria de autocarros, a «mais completa do País». Corri então, desabridamente, à Santa Filomena, a mochila e as botas meio desapertadas, em demanda de uma bênção da santinha, um destino assim pró jeitoso, mas qual?!, tudo em vão.
A Agência sumira, de Santa Filomena e dos seus miraculosos autocarros ninguém sabia, a Internet monopolizara as reservas, a aquisição de passagens, o passaporte é prerrogativa da Loja do Cidadão e a inflação deu cabo daqueles preços e o euro da nossa velha moeda!
Foi neste estado de desânimo que o meu Amigo Alcino Monteiro anunciou as suas carreiras rodoviárias nos mais inóspitos recantos da portugalidade e dos galegos nossos semelhantes. Partidas ainda no ressonar do sol, uma fatia de auto-estrada antes da primeira paragem para o pequeno-almoço… Depois uma jornada toda e visitas. Invoco terras descobertas ou revisitadas: Montemuro, Viseu e a Estrela, Montemor e Tentúgal, Monção, Valença, a Serra da Arga, Pontevedra e Vigo, quantas mais!... E talvez não cheguemos a Goa, Damão e Diu, mas de Zamora pelo cabo de Bragança o Amigo Alcino já não se livra de nos levar. Tão certo como eu me chamar Bartolomeu Dias. Além, é claro, de todas as pantagruélicas romarias anuais à Gralheira: uma camioneta a estoirar de famalicenses amantes da boa posta de vitela. Avante Minho!!!
(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 23.ABR.2015)