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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

EN 1

João-Afonso Machado, 28.02.15

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Entre duas rotundas e algumas dúzias de tabuletas a opção pode estar no recanto esquecido, mindinho, insignificante. Sem beleza alguma, porventura, talvez mesmo já não vivo. Mas em calções, sempre, e em curvas de antigamente, marco geográfico de viagens infindas e arrasantes. Era por ali, por esse imparável contar de horas, quase não fora ainda senão a partida. Havia o rio depois da descida antes de pedir ao motor suasse a subida. E o casarão no alto, o jardim frondoso, algum mistério por momentos a ocultar os minutos que nunca mais eram muitos, as horas todas.

Agora os anos são mais velozes do que elas. O casarão esconde uma fábrica encerrada, o jardim treme de frio, há um letreiro - "vende-se" - e somente se ouve o uivo do cão, que já percebeu tudo, no casebre ao lado.

 

 

 

Nem na Varziela nem na Feira do Relógio

João-Afonso Machado, 26.02.15

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«Em Portugal os amigos são para as ocasiões e numa ocasião difícil em que muitos não acreditaram que o país tinha condições para enfrentar a crise, a verdade é que os investidores chineses disseram "presente", vieram, e deram um grande contributo para que Portugal pudesse estar na situação em que está hoje, bastante diferente daquela em que estava há quatro anos».

(António Costa, na Póvoa de Varzim, depois de antes da crise).

«Fico perplexo que pensem que a oposição ao governo me impede de defender o país».

(António Costa, tentando fazer ouvir-se antes de depois dos efeitos óbvios das sobreditas palavras).

Há baralhações letais. Portugal é quase tudo menos a Varziela (Árvore - Vila do Conde), onde já pontifica a Mafia chinesa, e o Intendente, onde parece que só se vendem telemóveis de primeira água. E um ou outro local mais, de sorrisinhos desentendidos e negócios venezuelanos. Fica o insulto aos portugueses, mesmo àqueles que não sabendo ler, sabem perceber. E uma conclusão lógica: Costa mentiu - aos seus concidadãos ou aos chineses que o escutavam.

 

 

 

 

 

"Ecos do Carnaval"

João-Afonso Machado, 26.02.15

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Talvez o Carnaval da nossa infância se comprasse menos nas lojas. Julgo nascesse de buscas imaginosas ao fundo das arcas, onde se guardavam atavios avoengos, e o improviso fosse o lado mais divertido daqueles dias de tolice institucionalizada. De uma certa permissividade, até, que tornava a brincadeira assaz mais convidativa. É certo, o Eduardo com a sua espingarda de cano de lata, e um dardo de pau lá dentro, terá sido o único índio que a História regista, de longa cabeleira loiríssima e entrançada. Mas fartava-se de fazer uh-uh-uh com a palma da mão a bater na boca e saltaricava a tarde inteira, bem ao jeito de qualquer guerreiro apache que se preze. E, no resto, os estereótipos eram poucos. Da velha saia da bisavó – com todo o respeito pela defunta – surgia do quase nada uma inquietante bruxinha montada na sua vassoura.

Era o Entrudo. Máscaras de papelão e roupagem de serapilheira para tantos. Agora já não é.

Agora o Carnaval abrasileirou. De Ovar a Torres Vedras bamboleia-se, saracoteia a celulite ao frio – o Carnaval português esqueceu que não está no hemisfério sul – criou escolas de samba e regurgita de foliões resignados à folia, quando não à pneumonia. Naquela triste obrigação de se divertirem ou, ao menos, parecerem divertidos. Nos sambódromos, imaginem! Enfim, ganham os proprietários dos cafés, restaurantes, roullotes de comes e bebes e adegas próximas. É um negócio como outro qualquer.

Tudo a aconselhar, aqui no hemisfério norte, uma bela noite televisiva e o privilégio aceso da lareira, para quem a tiver.

Eis senão quando (as histórias antigas intermediavam ou rematavam assim) – eis senão quando o Carnaval famalicense soube nascer, crescer e enrijecer de forma completamente diferente. Sem importações de qualidade duvidosa.

Dá para visionar a sensaboria de uns tantos carros alegóricos Fevereiro fora na Adriano Pinto Basto e depois na Santo António, naqueles apertos da Praça 9 de Abril, na Avenida… Que nada! O Carnaval famalicense disfarça-se e irrompe a pé da periferia para o centro, em bandinhos, de improviso, ninguém esperando por alguém, guiado pelos rumores distantes da música, crescendo, crescendo, crescendo, de participação e movimentação. Juraria: sinceramente bem-disposto e gozão.

É certo, falo à vontade porque não resido lá no coração do Carnaval. Talvez isso seja pedir-me em demasia… O vento uiva, as bátegas da chuva doem. Não, uma pequena voltinha na vila (leia-se: “no centro”) quando a festa começa a animar é o suficiente. O resto é com a parte sobrante dos famalicenses mais os forasteiros. Mas que é um Carnaval genuíno, isso é!

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 26.FEV.2015)

 

 

 

O Sr. Silva e o Sr. Faria

João-Afonso Machado, 25.02.15

O Observador tem indiscutivel qualidade. Pena é não ter necrologia. Valem, a substituí-la, os cronistas e, sobretudo, os comentadores dos cronistas.

Estes fenómenos tecnológicos, outrora impensáveis, permitem, afinal, todos poderem exercer o jornalismo e a política, tal qual até agora só proliferavam os treinadores de bancada.

É naquele jornal on line o caso do Sr. Silva e do Sr. Faria. Eles estão lá especialmente quando se discorre e analisa a odisseia de Tsipras e de Varoufakis. Contra todos os ventos e outras ratoeiras dos deuses. Mas sempre por mero capricho do Destino, jamais na militância oposicionista que a sua constância faz ou faria supor.

Interpelados por outros comentadores, a quem já não afligem os autênticos dislates escritos em cega obediência ao seu credo político, respondem de modo diverso - um mais azedamente, o outro com assinalável e louvável sentido de humor.

E ao longo de dezenas de comentários - embora encontrando-se ali apenas de fugaz passagem - o Sr. Silva e o Sr. Faria não deixam sem resposta uma só frase que os contradiga. É um programa! Vale a pena assistir.

O que eles sabem e divulgam! O que eles se esforçam para explicar que Portugal, como a Grécia, devia enfrentar o Eurogrupo sem gravata e sem vontade de trabalhar! Nem de vencer a "batalha da produção", como não preconizava o inesquecível camarada Vasco Gonçalves.

 

 

Carrapatelo

João-Afonso Machado, 22.02.15

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 O Tempo revolve as águas, traz-nos imagens, momentos redivivos. Gente, magotes de gente, ninguém diga o mundo não comporta toda a gente. E já não importa se foi em Maio, como por acaso foi, a pescaria voltou à tona nesse inesquecível cantinho junto ao paredão do Carrapatelo. Na passagem do autocarro a caminho de Montemuro.

Ainda está por descobrir porque a chuva aguça tanto o apetite das bogas. Três canas de pesca sob baldes de água despejados da negrura do céu e uma trovoada insana. E não sei quantos sacos carregados de bogas, o Pai Marques exultante, fora dele o convite para a pescaria, mal iria se não nos saciássemos, elas pareciam tolas, a barca mal se tinha no vaivém do põe-isco, descrava-peixe, a barca onde nos pendurámos para cair mais de perto em cima do cardume. Como se chamaria o outro parceiro? Quantas vezes ensarilhamos linhas naquele afã?

Reparo agora, são estas pequenas coisas que o lodo do Tempo já prende no fundo da memória. Por isso a caneta e o papel. Certo é, o dia das bogas no Carrapatelo teve um vencedor, o que mais pescou - o Pai Marques, pois claro.

O Pai Marques que Deus tem.

 

 

Não adianta a razão, apenas a mistificação

João-Afonso Machado, 22.02.15

A interrogação essencial é esta: vale o quê citar o insuspeito Vital Moreira? Por exemplo neste trecho recente e candente: «o novo Governo grego teve de abandonar todos os seus objectivos "antiausteritários": nem corte na dívida, nem fim da austeridade orçamental, nem reversão das medidas tomadas, nem novo empréstimo à margem do programa do resgate em vigor (que o Syriza tinha declarado morto e sepultado), nem fim da supervisão da troika (que só perde o nome)».

Porque foi e é isso e quase impossivelmente seria outra coisa. O Syriza é uma fraude eleitoralista que se aproveitou do estado de necessidade das populações gregas. E os soit-disant "nacionalismos" não mais do que uma substância nociva, violentamente tóxica, à essência pura da nacionalidade.

Mas não, a mistificação prosseguirá. A Esquerda é muito isso, como se o abolir das gravatas contribuisse para o evoluir do mundo - se a história do cachecol não fala por si?; não, porque se trata apenas de um presente da mulher...

Dito assim, percebe-se melhor a possidoneira muito sua (da Esquerda) e a sua obsessiva fixação na originalidade. Qualquer coisa como Catarina Martins e João Semedo, uma mulher e um homem (a ordem dos nomes é puramente arbitrária), a direcção bicéfala do BE e o seu - óbvio - afundamento.

Em suma, a razão nada interessa em Política. Bastam os argumentos. Se o fim do mês está a chegar e Tsipras não eleva o salário mínimo dos gregos, conforme prometeu? A culpa é de Merkel e das suas matilhas de coelhos. Não é improvável o Syriza saiba dar a volta assim ao seu eleitorado.

Mas a vida real - onde não há caviar, nem Passos Perdidos, nem mordomias e dinheiros na Suiça - a vida real grega, escrevia, regista uma vaga imensa e inédita de assaltos a residências. É a perseguição dos valores trazidos dos bancos para os colchões caseiros...

Possivelmente os novos deuses gregos acreditaram ainda abundassem por aí resquícios Cohn-Benditistas, sempre arrebatados pela tolice do levantamento das massas populares, vagas generosas e desprovidas de colarinhos, em busca de dinheiros a distribuir por igual entre todos. Deve ser porque não leram a Revolução Inexistente, de Raymond Aron.

 

 

Do futebol ao outro lado do Mediterrâneo

João-Afonso Machado, 20.02.15

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Coisa de 500 vândalos (holandeses?), adeptos do Feyenoord, puseram ontem o centro de Roma a saque. Facto não inédito com outros clubes, em outras cidades. Em outras cidades fora da Europa? Quase não. Este o dado mais importante do problema.

Haja clareza: o nosso continente debate-se com uma vaga imensa de violência. Isto é: a agressividade ganhou as eleições. E a criminalidade campeia, a maioria o diz, e bem.

Tudo aponta a ausência de afectividade, dirão menos, mas sem menos razão. E é nas lacunas de pais e mães que se percebem outros refúgios de fidelidade. Outras deificações. In casu, as variadas cores das equipas de futebol. A "Consagração" é uma esfera mutilada de cautchu.

Mas há ainda outra vertente. A da força dos genes. Ou das raizes à superfície que, oriundas da esfera islâmica, medram mal na Europa. Com resultados sobejamente conhecidos. A violência grassa no nosso Continente, isso é incontornável, e propaga-se da forma mais inteligente.

Não será tanto um problema de polícia. Escolha-se lá a melhor solução, mas, além dos imediatos - as centenas de naufragos e mortes - há males terriveis nestas marés de fugitivos que atravessam o Mediterrâneo de sul para norte. Sobretudo quando, desiludidos, os sobreviventes de tais epopeias regressam às suas origens.

 

 

 

A cada retorno

João-Afonso Machado, 17.02.15

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Os anos trazem, os anos levam. Ao longo de todas as horas de todos os dias de todos os meses. E da pose sonsa, aparentemente sempre igual, da cidade, no silêncio traiçoeiro do Tempo a caminhá-la, ora para perto, ora para longe. Como se o regresso fosse o momento esporádico do reencontro com tudo no seu lugar tantas vezes já ausente. Como se não houvesse o chegar da partida nem o construir da ruína. Ou vozes, por toda a parte vozes, idas ou vivas, todas presentes como o prolongado estar das árvores e das pedras.

Três voltas do planeta depois, a cidade. As memórias parando e arrancando nos semáforos, esquinas delas, ângulos tão dificilmente rectos, alinhados, na indisciplina dos sentidos e na percepção das estações - sobra inverno onde não se vislumbram os comboios e os eléctricos...

Onde estão vocês, encontros diários de outrora, lojinhas de balcão sonolento? Definitivamente na fantasmagoria?

 

 

 

Um minhoto na Capital

João-Afonso Machado, 15.02.15

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Lisboa continua a mesma, sempre em altissima voltagem de gente e acontecimentos. E eu também, o azarado do costume, um esquecido pertinaz. Ao ponto de fazer viagem sem me ocorrer estarmos no mesmo hemisfério, logo ser inverno em Lisboa. Por sinal frigidíssimo, este ano.

E o frio ataca-me fatalmente os pés. Também com Aquiles era assim. Na infernal espera do táxi, à saída da estação, já os pés se me gelavam.  Optei por uma dolorosa marcha forçada até ao Rossio e depois pela Rua do Carmo, onde me lembrei da velha Sapataria Oliveira, que calçava «Lisboa inteira». Ainda existiria, com estes IVA's todos? E ainda me venderia, baratinho, umas botas, umas palmilhas, algo com que proteger os tornozelos, os dedos já rígidos?

Só por isso desviei no Chiado para a Calçada do Combro. Mas ao passar a igreja do Loreto estranhei os populares, um magotezinho, no Largo de Camões, é sempre tão desagradável quando alguém se sente indisposto, a morbidez dos curiosos em volta sem o deixar respirar... E não é que?... Quão pequena a Capital do Império, afinal!!! Ei-la, a minha amiga, umas dezenas de metros à frente, sempre loira, sempre bela, sempre macia, mas sempre arisca. Com um cartaz qualquer entre as mãos. Ah bom!, é carnaval, pensei, como se acordasse então.

E corri para os seus braços. Corri... é modo de dizer; e para os seus braços, de sonhar. Abordei-a, em suma. Cumprimentámo-nos comedidamente, pese embora a sua euforia.

Que estava ali numa manifestação de solidariedade para com o heróico povo grego. Que a Troika tinha os dias contados, agora era dela o medo! E agitava, frenética, o seu cartaz com uns recortes toscos das fotografias de Tsipras e Varoufakis.

Senti curisidade. E, disposto a beber qualquer coisa quente na Brasileira, perguntei a que horas seria a manifestação.

Quase levei com os governantes gregos pela cabeça abaixo. Eu era sempre o mesmo, um céptico, um cínico, um egocêntrico! Um saloio.

- Não sou, não senhora, sou minhoto.

Mas ela não quis saber. Em seu redor, cinquenta, sessenta almas com um aspecto excessivamente sindicalista ou ataviadamente desmazelado. O que faria a minha amiga ali, meu Deus!, entre tanta fealdade?

Assegurou-me à pressa que a esmagadora maioria dos helenos (ela às vezes gosta de falar caro) estava com Tsipras e o nosso PR, o nosso 1º, não podiam continuar a dar palpites, a interferir, invejosos, sabujos...

Achei melhor não opinar. De resto, em nada me comprometia politicamente ficando ali, junto dela, pena até (pensei baixinho, envergonhado), fosse uma multidão compacta e mais chegadinho ficaria, alguém invectivou a Sra. Merkel e eu preparava-me para bater palmas e gritar também - uuuuuuuuh, eu a ganhar folego para a convidar para jantar, e ela, entre dois ápodos tremendos aos neo-liberais:

- O Varoufakis é um pão, não acha?

Não achei coisa alguma. Minhoto, sim, parolo também, mas o resto não. Despedi-me num repente e debandei para o antigo poiso de Pessoa. Só para comer uma torrada.

 

 

 

"Quartzo Azul"

João-Afonso Machado, 14.02.15

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Ressoam saltos aflitos de anos escassos

em tantas mágoas infinitos,

corriam as águas de invernia

sulcando silêncios nos braços

 

do eterno instante da alegria.

 

Terra de amanhã

nas horas de então cavadas

em buscas desenhadas de ilusão,

promessas a carvão

esquivas como se não vivas.

 

Neste riscar da pedra triste

(ressoam saltos aflitos de anos escassos

em tantas mágoas infinitos)

 

ainda medra de voz em riste

quem as anule,

todas as cores e amores

 

do Quartzo Azul.

 

 

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