"Questões residenciais"
O retrato que um dia apanhei de um estimadíssimo Opel dos Anos 50 estacionado frente ao Garantia – encheu-me as medidas vê-lo exposto no quadro do Flash Urbe apresentada a semana transacta na Casa das Artes. Estava ali quase uma bem buzinada viagem ao Passado, sem qualquer ponta – acrescente-se – de saudosismo. Somente pela beleza da máquina e pela recordação de um hotel com vida, na pacatez de uma vila viva e esperta, tão movimentada.
Não obstante, nesses idos muitos alertavam já para a carência de habitação em Famalicão. A propriedade horizontal era muito escassa, o estacionamento não constituía qualquer problema e a Vila não crescia. Demoraria ainda, até despontarem as torres, os galardões de cidade e uma periferia cada vez mais alargada. No “centro” – isto é, no perímetro urbano da nossa infância – pouco mudou, a não ser o fado lastimoso de uma mão bem cheia de edifícios abandonados.
É uma pena! Algo, creio, a não passar despercebido aos responsáveis autárquicos e daí, por exemplo, a referida iniciativa do Flash Urbe – um concurso levando os participantes à caça do que urge poupar ao flagelo da degradação.
Depois a gente deita o olhar às angariações das agências imobiliárias e, entre propostas “no centro”, “ao centro” e “quase no centro” deambulamos já por freguesias onde o gado ainda pasta… Verdadeiramente nas redondezas. Não há oferta, em bom rigor, para quem queira habitar a Vila, o dito “centro”. Nem lugar para deixar o carro sem ser ao relento. E, no entanto, Santo António, Alves Roçadas, Adriano Pinto Basto e tantas outras são artérias pejadas de velhas construções – velhas e enormes – defuntas, comidas pelas décadas, não mais do que desarticulados montões de ossos.
Provavelmente, a maioria prefere zonas mais afastadas – quiçá próximas das grandes superfícies. Provavelmente os preços rentáveis do “centro” não cabem nos remediados bolsos da fatia substancial da procura. Provavelmente esta sofre ainda os constrangedores efeitos da “crise”.
Ainda assim, é legítimo perguntar se algo pode ser feito. A pôr fim ao depressivo efeito da visão da ruína. E também para satisfazer o gostinho de quem não esquece os recantos e encantos da “vila velha”. Onde o pomar e a tabacaria, ou o pronto-a-vestir, estão logo ali, e a sapataria aussi, no descer das escadas. O comércio local seria o primeiro a ganhar, certamente, e o trânsito automóvel abrandaria em força, poluiria, cansaria, muito menos.
Resta apenas aguardar o futuro. Olhando as sobras do passado: uma bela fachada oitocentista, cheia de varandins em ferro forjado e janelas de guilhotina (de vidros escaqueirados) pode rapidamente transformar-se na porta de entrada para uns tantos apartamentos. E em qualquer canto da sua imensidão se abre uma rampa para as respectivas garagens. Aqui mesmo declaro: estou comprador (desde que não me pisem os calos, é obvio).
(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 15.JAN.2015)