Negócios de Inverno
Manhã de sol, domingueira, quando já algumas bicicletas a atravessam e os cães, à trela, gozam o consolo possível, coitados. Uma manhã tão igual a outras, todas com hora marcada para essa panóplia dos rituais das gentes, não esquecendo o cafezinho e o jornal.
Ainda assim, a ímpar manhã de uma praia varrida, desempoeirada, vaga, disponível. Apetecível. Maquilhada ao jeito das agendas imobiliárias. Estava à venda por bom preço.
Assim a comprei, num impulso de milionário excêntrico. Apenas porque sim. Porquê é Dezembro e há vida para além do Verão. Porque no silêncio de tantas portas e janelas cerradas se forma o eco das nossas palavras e dos passos sem atropelos. Sempre recordando cores, convicções, planos entusiasmados, anos para trás.
Aquecido pelo blusão, iluminado pelo sol, abastado em espaço livre, vergado ao peso da nostalgia - eis, em suma, porquê. Porque comprei a praia.
E terei feito bom negócio. Lá para Maio começarão a não faltar os interessados. Em Junho estará madurinha e em Julho valerá decuplicadamente. O coração não pode ter voz activa nestas decisões e as mais-valias hei-de disfarçá-las entre a multidão.