"Passagem de Ano"
Antigamente, dizem os jornais de então, havia festa rija de Ano Novo em Famalicão. Era na Associação Comercial e o evento – para utilizar termos de agora – envolvia casacas e vestidos de noite, jantar e ceia requintadíssimos e muita gente, os mais importantes cá do burgo e número avultado de – cito – advogados e médicos vindos do Porto. Um acontecimento digno de crónicas pormenorizadas, exclamativas, reverentes e atentas. Em papel bastamente adjectivado, quase cor-de-rosa mas, para infelicidade nossa, desprovido de fotografias.
Por isso nos resta apenas a imaginação, querendo reconstituir, rebobinar, esses bailes em que se dançava valsa, tango e o foxtrot. Com os advogados e médicos vindos do Porto à compita com os cavalheiros famalicenses, num cenário onde decerto não faltariam damas fascinantes faiscando as suas jóias nos salões. Na Associação Comercial, isto é, no casarão de azulejos amarelos que pertenceu ao Barão de Joane e actualmente abriga o Millenium-bcp. Não haver por ali dois ou três parzitos de fantasmas, ainda de colarinho engomado ou decote atrevido, enchendo o Tempo com o seu hábil passado no foxtrot!... Para, ao menos, a gente aprender como é…
Não aproveito a deixa para voltar ao triste “caso Garantia” – uma causa por que me bato – tão a jeito de tanta coisa, e sem qualquer necessidade agora de importar advogados e médicos do Porto. Mas aquilo é espaço para muito, até para uns bailaricos assim foxtroteados. Para algo diferente dos reveillons costumeiros, sem originalidade alguma, de cone enfiado nas cabeças e gaita estica-encolhe nas bocas, mais o inevitável espumante goelas abaixo, tudo a preços pouco – digamos assim – competitivos. Mas necessários à remuneração do parodiante especialmente convidado para animar o espírito das gentes essa derradeira noite.
A festa fazia-se cá. Evidentemente, sem bagunça e com foxtrot. Ou, vá lá, com o twist ou mesmo o disco-sound. O revivalismo é de demonstrados resultados positivos nestas ocasiões.
Enquanto não, a lareira entre os nossos serve muito bem, em vagares para toda a preguiça derreter ao lume. Aí pela meia-noite, uma troca de beijos – que significa sempre uma promessa a honrar – e um brinde com algumas uvas passas. O despertar da conversa, o copito de branco, mais uma fatia de bolo-rei, um fugaz pensamento nos ausentes. Uma pontinha de saudade, outra de ansiedade em face do futuro. E depois a deita, que já cronometrámos mais um ano completo.
Pois seja o próximo proveitoso e com muita saúde para todos! É o meu sincero desejo. Até 2015!
(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 31.DEZ.2014)