Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"Passagem de Ano"

João-Afonso Machado, 31.12.14

NATAL.JPG

Antigamente, dizem os jornais de então, havia festa rija de Ano Novo em Famalicão. Era na Associação Comercial e o evento – para utilizar termos de agora – envolvia casacas e vestidos de noite, jantar e ceia requintadíssimos e muita gente, os mais importantes cá do burgo e número avultado de – cito – advogados e médicos vindos do Porto. Um acontecimento digno de crónicas pormenorizadas, exclamativas, reverentes e atentas. Em papel bastamente adjectivado, quase cor-de-rosa mas, para infelicidade nossa, desprovido de fotografias.

Por isso nos resta apenas a imaginação, querendo reconstituir, rebobinar, esses bailes em que se dançava valsa, tango e o foxtrot. Com os advogados e médicos vindos do Porto à compita com os cavalheiros famalicenses, num cenário onde decerto não faltariam damas fascinantes faiscando as suas jóias nos salões. Na Associação Comercial, isto é, no casarão de azulejos amarelos que pertenceu ao Barão de Joane e actualmente abriga o Millenium-bcp. Não haver por ali dois ou três parzitos de fantasmas, ainda de colarinho engomado ou decote atrevido, enchendo o Tempo com o seu hábil passado no foxtrot!... Para, ao menos, a gente aprender como é…
Não aproveito a deixa para voltar ao triste “caso Garantia” – uma causa por que me bato – tão a jeito de tanta coisa, e sem qualquer necessidade agora de importar advogados e médicos do Porto. Mas aquilo é espaço para muito, até para uns bailaricos assim foxtroteados. Para algo diferente dos reveillons costumeiros, sem originalidade alguma, de cone enfiado nas cabeças e gaita estica-encolhe nas bocas, mais o inevitável espumante goelas abaixo, tudo a preços pouco – digamos assim – competitivos. Mas necessários à remuneração do parodiante especialmente convidado para animar o espírito das gentes essa derradeira noite.
A festa fazia-se cá. Evidentemente, sem bagunça e com foxtrot. Ou, vá lá, com o twist ou mesmo o disco-sound. O revivalismo é de demonstrados resultados positivos nestas ocasiões.
Enquanto não, a lareira entre os nossos serve muito bem, em vagares para toda a preguiça derreter ao lume. Aí pela meia-noite, uma troca de beijos – que significa sempre uma promessa a honrar – e um brinde com algumas uvas passas. O despertar da conversa, o copito de branco, mais uma fatia de bolo-rei, um fugaz pensamento nos ausentes. Uma pontinha de saudade, outra de ansiedade em face do futuro. E depois a deita, que já cronometrámos mais um ano completo.
Pois seja o próximo proveitoso e com muita saúde para todos! É o meu sincero desejo. Até 2015!

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 31.DEZ.2014)

 

 

 

S. João de Baños de Bande

João-Afonso Machado, 30.12.14

BANHOS.JPGA primeira imagem: o estranho areal, silenciosamente plano, e as águas no azul mais parado, o voo rasante dos patos. Uns passos adiante, a estranha configuração de pedras a fazer crer uma ceifa em construções antigas. Dezenas e dezenas de compartimentos nessa considerável área. Tudo são hipóteses.

Enfim, os tanques. As águas de um excelente banho quente, a libertar vapor. Cá fora o vento uiva e restam ainda bocados de geada nas sombras definitivamente esquecidas pela fraqueza do sol. Regredimos ao passado da romanização. Bande é no concelho de Ourense e galegos e minhotos gozam essas novidades da Civilização, as termas. Ouvem-se ainda os ecos longínquos de gládios e escudos e o relinchar de cavalos - haverá já mortos e feridos? -  e a imaginação atinge temperaturas perfeitas em tão reais águas.

Aquis Querquennius, um acampamento dos exércitos dos Césares, diz-se também, um hospital deles. Afinal, o Tempo não anda sempre para a frente.

 

 

 

Lá nas alturas

João-Afonso Machado, 28.12.14

HÉLICE.JPGHá aviões a mais no ar: aviões que desaparecem sem deixar rasto, aviões abatidos por mísseis, aviões simplesmente protagonistas de avarias e quedas. Foram muitos os casos este ano. Parece que o céu se igualou  à floresta virgem, aos meandros sírios e iraquianos ou às estradas portuguesas. Quando é, são muitas dezenas de vidas de uma vez só. E já não é só de vez em quando.

Em suma, está definitivamente posta em causa a confiança no tráfego aéreo. Algo com que temos de aprender a lidar...

O pior é o resto, o principal: as pessoas. Os infelizes que viveram derradeiros minutos (queira Deus, tenham sido pouquíssimos minutos) de horror. E os seus familiares, os milhares ainda agora a sofrerem a incerteza, a perda e a revolta. Os números escandalizam, assustam, fazem-nos pensar, sim ou não?... - havemos de embarcar. Será que ocorre cada número é um ser humano, uma vida perdida ou amargurando os familiares, o número que ninguém quer mas todos podem ser?

 

 

 

Critérios, interesses, pessoas

João-Afonso Machado, 27.12.14

PALMENSE - INTERV..jpg Em número de 44, a Comunicação Social invocou as mais famosas personalidades que nos deixaram este ano. Contas feitas por alto, 25 pertenciam à esfera da Sétima Arte. Há-as também oriundas da música mesmo que apenas pela circunstância de se nascer filha de um músico. E, em doses muito pequeninas, equitativamente repartidas, do desporto, do jornalismo, da moda, da literatura e da política. Além da Duquesa de Alba obviamente.

Talvez tudo isto dê para pensar. Como seria se Gabriel Garcia Marquez não tivesse morrido em 2014? Nem Ariel Sharon?

Lê-se pouco, isso é verdade. E dos governantes muito se pode esperar de desentusiasmante. Ainda assim corre-se o risco de fazer da fantasia realidade. Ou de se circunscrever o mundo às páginas cor-de-rosa de algumas revistas. Numa espécie de propensão para - quanto mais depauperados mais fascinados com o glamour das estrelas do cinema.

Estas agradecerão, entretanto, a atenção dispensada (certificando a sua relativa eternidade) mesmo porque, de outro modo (em vida), queixar-se-iam também de a sorte os ter deixado na mendicidade ou quase.

 

 

 

 

A todos - um bom Natal

João-Afonso Machado, 23.12.14

002.JPG

Dê o Mundo tréguas a si mesmo. Que todos olhemos em volta sobretudo para quem, por esta ou aquela razão, não vai passar os próximos dias como é legítimo gostar: em paz consigo e com o próximo. 

Porque o Natal é sobretudo isso: um tempo de Paz. O maior bem a que podemos aspirar. O oposto das doenças espirituais que o Papa Francisco agora mesmo enunciou. De algum modo, todas elas relacionadas com a ganância do poder e da riqueza.

Sejamos, pois, apenas nós e a nossa visão da vida - honrada e proba.

Um Santo Natal para todos, meus caríssimos amigos.

 

 

 

Natal de sempre, Nazareth's

João-Afonso Machado, 23.12.14

013.JPG

A todos, Nazareth's:

Se vos disser, por exemplo, não vejo o Manel da Tia Missanga desde 24 de Abril de 1993, lembro apenas que não esqueço datas, nem momentos, nem alguém. Lembro tudo e todos. Nesta altura, principalmente, - com imensa saudade - lembro os Natais com o Avô Custódio, os presentes atulhando a árvore de Natal, tanta gente a chegar, a minha estadia sempre em casa do Tio Quinho e da Tia Ingeborg... A libra no bolo-rei... A Avó Lina... E, é claro, todos os Tios que já partiram (o Tio Manel, o Tio João, o Tio Rui, a Tia Lélé, o Tio Zé Manel, a Tia Missanga), o Toninho, a querida Titas. Com muita, muita saudade, insisto.

Há pouco estive aí, no hemisfério sul. Não cheguei a Moçambique (porque então procuraria o Manel), sequer a Lisboa. Mas fui a S. Martinho, onde a colónia costuma assentar arraiais e há Natal também. (Até comendo decerto fatias douradas em vez de rabanadas...). Vi-os todos, milhares de nós, afogueados naquele clima tórrido, inclemente, do suão de Souselas.

Por isso me lembrei dos Tios e dos Primos. Lembrei que não me lembro de algum momento mau. Porque mesmo nos difíceis, todos estivemos lá, em corpo ou em espírito.

Assim revivi a Família Nazareth. E a reuni aqui (os filiados no Facebook e os outros), num desejo enorme de um Natal muito feliz em vossa casa, sempre entre nós.

Beijos e abraços a distribuir conforme os usos antigos.

João Afonso

 

 

 

Breve esquisso do Luís-jardineiro

João-Afonso Machado, 22.12.14

LUIS JARDINEIRO.JPG

O Luís-jardineiro é alto, esguio, não se lhe conhecem origens nem a idade. Há um coração onde ele vive sempre, uma memória imortal, um andar perpétuo sob o verde folhame das cameleiras. Assobia como qualquer toutinegra, maneja a navalha com artes de escultor. E planta rosas em destreza igual à das suas façanhas nas esperas às ginetas. 

É um personagem, o Luís-jardineiro. As voltas de um romance. Apetece anunciá-lo, reverente, dedicado, amigo, os olhos molhados das lágrimas ou o cigarrinho por ele enrolado e fumado até ao último fiapo de tabaco. Sem distinguir no trato o avô do neto, guardados os modos próprios de cada geração.

Como ninguém atravessa os pinhais à noite, sem luz e sem se perder. Arma o laço aos coelhos e casquina uma risota se lhe foge alguma anedota brejeira.

Ganha vida, o Luís-jardineiro. Decerto nunca a perdeu. Talvez por mais não ser senão saudade, o inconformismo da alma e a mordaça cuspida pela razão.

 

 

Passos pontuados

João-Afonso Machado, 20.12.14

TANQUE.JPG

Foi uma surpresa a caneta nova, a lapiseira a acoolitá-la, uma vontade súbita de escrever correndo desenfreada para o papel. Há viveres insubstituíveis, palavras em azul deslizante, dedos rendidos ao encanto da caneta a estrear. Ponto final.

Parágrafo. O sonho dura a noite inteira e acorda impaciente. Restam poucas páginas do caderno mas os matinais afazeres nelas cabem decerto. Ouvem-se riscos de fúria mal contida, indignados pontos de exclamação, o campo é tema, o frio destes dias também.

Parênteses. A garça real não dorme e enche o céu com as suas asas. Foge num vagar inultrapassável para o lugar oposto da fotografia. Não há tempo para vírgulas quanto mais para esperar o seu regresso.

Já a caneta deambula, dança e palra no abraço apaixonado dos dedos, um rasto sempre azul a marcar a brancura e o palco onde soam ideias em nexo menor. Fim de citação.

Post scriptum: nem tudo a invernia mata. Sobram lirios e a fartura das águas encasacadas nos limos.

 

 

 

A muita força da Igreja

João-Afonso Machado, 19.12.14

SEXTINA - CRIAÇÃO DO HOMEM.JPG

O supremo ícone do Capitalismo (e, por acaso, a maior potência aqui do planeta) e um dos derradeiros sobreviventes do imperialismo proletário, 53 anos depois, fizeram as pazes. Houve, ou haverá, recíproca libertação de prisioneiros, o nome feio de "nação terrorista" vai ser banido e o embargo comercial dos EUA a Cuba parece ter também os dias contados.

Tudo isto após 18 meses de negociações entre Washington e Havana. Encontros secretos, decerto delicados, complexos. Mediados pelo Papa Francisco.

Um acontecimento com ressonância histórica. E uma oportunidade de reflectir sobre o papel da Igreja entre os homens. Ou sobre esta forma de oração que vai além do genuflectório e da ladaínha e nos manda sair cá para fora a fazer coisas, em vez de esperar que elas aconteçam. Sem puritanismos , sem maníqueismos...

 

 

Nos cimos da Pederneira

João-Afonso Machado, 18.12.14

PANORÂMICA.JPG

É um eco olhando saudoso o mar. Um eco calado no silêncio do Tempo, a Pederneira. Na sua expressão, as águas fundas de outrora, o estaleiro, tantos mastros e velame, a faina dos carpinteiros. Partiam e chegavam, às vezes maldosas e piratas, embarcações negras, agoirentas. As águas sempre um segredo, qualquer esperada surpresa. 

E o santuário, a devoção à Senhora da Nazaré, o mundo a crescer pelos cumes, arribas imensas a fugir da ameaça do areal, a realidade de hoje. A Pederneira adormeceu ao ritmo da praia em expansão. Tal qual as lides da pesca.

E o sangue gritando por ossadas antigas. O mar contado até mil vezes mil.

Assim tão longe, sobra agora o nome de uma igrejinha, a paroquial Senhora das Areias. Espreitando o Sítio, ainda no coração de muitos e de um dos quase esquecidos cinco coutos de Alcobaça.

 

 

 

Pág. 1/2