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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Moralidade à parte, que é estranho, é

João-Afonso Machado, 31.10.14

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A notícia televisiva de hoje tresandava a esturricado. Era a história de uma jovem americana, doente cancerosa que escolheu abreviar a vida. Quer dizer: localizado o cancro no cérebro e conhecedora ela da evolução quase certa do mal, declarou pretender não atingir os estados terminais da desmemoriação, cegueira, inconsciência e, por isso, marcou data para a sua morte - hoje, exactamente.

Fê-lo, acrescentou, pelos seus familiares. Não cabem nestas linhas quaisquer comentários de natureza moralista sobre tal opção.

Certo é, porém, a infeliz senhora concluiu agora querer viver pelo menos até amanhã. E justificou: sente-se bem com os seus, feliz na companhia do marido, com quem passeia diariamente. Palavras da própria e imagens em movimento a confirmá-las.

A entrevista estendeu-se ainda à sua mãe. E esta, num falar compungido de quem considera a filha já muito atacada nas suas faculdades cognitivas, parecia censurá-la pela decisão de adiamento. Que não devia esperar mais pelo alívio que a morte significará...

A quem? - pergunta-se. Este é um molho de suspeitissimos bróculos onde se ata toda a pretensa modernidade social: o aborto, a eutanásia e os derivados da institucionalização das relações homossexuais. Qual o atilho? Nem mais do que o desprotector dos ramos mais frágeis - o doente, o feto, o proveta ou o adoptando. 

Tal qual falássemos de uma ninhada de cachorros que convirá, ou não, vir ao mundo, alimentada, ou não, a biberon; ou dos respectivos progenitores, a cujos donos compete decidir para quando a injecção letal a poupá-los ao sofrimento.

 

 

 

História do patinho feio

João-Afonso Machado, 29.10.14

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Havia quem recordasse o vago rumor das águas onde enfim apareceu a levada sem perguntar se o tempo era, ou não era, real. Nessa outra cidade calçando sapatos todos os dias que antecederam a queda dos tapumes, numa supresa de intensidade sísmica.

Sem se viverem momentos de horror, registaram-se sucessivas réplicas de incredulidade -  tantos sapatos envernizados depois, quem diria?, um rio, um rio só da cidade, entre o arvoredo e os codeços e silvados de uma memória perdida. 

Sim, o rio estava lá. Dele fugia o lamentado murmúrio da levada, por tão poucos sentido. E, aparadas as barbas a marginá-lo, já liberto de rugas e crostas, logo surgiram reflexos de vida. A ponte foi o instante demorado a atravessar para o lado onde a cidade mais se quis ver ao espelho: não era menos do que as outras, agora cria.

 

 

Por onde anda a Ordem Militar de Cristo!

João-Afonso Machado, 28.10.14

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Os derradeiros fiapos de decência neste desditoso País quase engasgaram a gargalhar na sua frugal mesa de jantar. Talvez por distracção, alheamento, falta de pachorra acerca do que por aí vai acontecendo, ia-lhes passando ao lado a anedota. Qual seja ela, a Ordem Militar de Cristo pertence ao Presente. Vale dizer, a Pátria também. Uma pátria republicana, claro, como essas bojudas que, às vezes, quase esbarram connosco.

E deste modo a Ordem Militar de Cristo está no topo das condecorações da nossa estimada República laica. Vocacionada para galardoar quem preste "relevantes serviços" a essa pátria (XXL), como é habitual os nossos primeiros-ministros prestarem.

(Quem não souber o que foi a Ordem Militar de Cristo faça o favor de se informar e tomar o peso ao ridículo da situação...).

Porque, desde logo, Cristo está a mais neste programa ecuménico. Assim como, desde Pinheiro de Azevedo (que  Deus tenha), não se saiba como encaixar um 1º Ministro numa Ordem Militar. Quando muito, esses "relevantes prestadores de "serviços" deveriam aspirar a alguma Suprema Ordem Cívica do Radiante Arquitecto, um designativo decerto mais sonante e adequado.

Cum granum salis, o assunto está a suscitar polémica dado Cavaco sentir alguma renitência em investir grão-cruz de Cristo... - o flamejante knigth José Sócrates, também a querer pendurar o escudo, e a amarrar o seu burriquito, entre os mais da Távola Redonda. 

Assim estamos. O Poeta Alegre já desembainhou a espada, pronto a dar a vida pelo seu parceiro de sinédrio. Éticamente. E a Nação portuguesa tenta, em desespero, consolar o Infante de Sagres: faz de conta que Cristo voltou à terra e pela segunda vez é cuspido a caminho do Calvário.

(Subido à bolina, vela desfraldada, subsiste essa esperança...)

 

 

 

Perdizes "assilvestradas" e um desgosto enorme

João-Afonso Machado, 26.10.14

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A perdiz nascida e criada em estado absolutamente selvajem já não chega para as encomendas e, onde as há, são poupadas, gerida a sua caça. O resto, por isso, são perdizes de aviário, postas no terreno em fase adulta. E a conversa assim vem girando em torno destas e daquelas, as mais cobiçadas. Sendo certo que, após uns meses de liberdade, as ditas perdizes vindas da capoeira voam com toda a desenvoltura, proporcionam bons tiros e enchem igualmente o prato de bons sabores.

Chamam-lhe agora "perdizes assilvestradas". Tornadas silvestres. Quer dizer (segundo o dicionário), "selváticas", "agrestes". Portugal, ninguém o negue, é uma delícia de criatividade mesmo que, às vezes, inútil.

Ontem, em Vila Flor, Trás-os-Montes fez jús aos seus mistérios. "Selvagens" ou "selváticas"? Não deu para perceber. Muito poucas, isso sim.

Tudo não teria importância alguma, não fora o episódio seguinte. Depois da lebre chumbada numa perna por um dos parceiros, escondendo-se entre as estevas, e aquela (esta) voz serena - Sosseguem ela descobre-a... - E descobriu-a, a lebre quase do tamanho dela bem segura pelos quartos traseiros, mas esgravatando a terra, ainda tentando a fuga. Ela, incapaz de a bocar e trazer, aguardava a chegada do chefe, tão tranquilamente quão este (o próprio) falara e previra.

Não tardou, marrou-se numa perdiz (selvagem ou selvática?), o costumeiro aviso da tal (desta) voz pausada - Atenção, vai sair perdiz! - e a profecia a cumprir-se segundos após. Um tiro já distante, disparado por esta (a tal) arma, a perdiz tombando lá longe e, sempre pausadamente, - Sosseguem, ela vai buscá-la. - E foi, sim senhor. Bocou-a, iniciou o trajecto de regresso, mas algo aconteceu: um súbito mal-estar, qualquer fulminante ataque de preguiça..., não se conseguiu apurar. Ela deixou a perdiz algures entre o mato. Inspeccionado o local, detectaram-se apenas as muitas penas no ponto em que a ave tombou.

O drama escusa ser explicado. Selvagem ou selvática, isso nada interessa. Doi muito é a imperfeição da obra, a incerteza em que o mundo passará a girar, porquê? - porquê, meu Deus?! - essa perdiz jazendo entre tojo e giestas, a manhã não chegava já para a procurar nem as forças para lhe ralhar (a ela), sequer para uma zanga, tudo era tristeza, mesmo porque nem selvagens, nem selváticas, aquele tiro foi filho único e o recomendável era uma caixa inteira de perdizes soltas ali, acabadinhas de chegar do pombal, foguetório intenso, só para afinar a pontaria dela, porque isto de as deixar pelo caminho é terrível, uma desmesurada vergonha. 

 

 

 

Correio do Minho

João-Afonso Machado, 24.10.14

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Ex.mo Senhor Dr. António José Seguro

Il.mo e prezado Amigo:

Na sequência da nossa última conversa, em que me expôs os seus achaques, reafirmo o então diagnosticado: o mal reside na depamina - uma questão neurónica, portanto, que lhe afecta os circuitos cerebrais relacionados com a líbido, no seu caso ao nível do apetite político. Natural, pois, esse seu estado de abatimento e enfado que o traz mais por casa, agarrado aos comentaristas dos semanários.

Difícil se torna prescrever a medicação ideal: não se trata de um vírus ou bactéria, de uma dor fisica. Logo, não há antibiótico ou analgésico que lhe possam valer. Nem a velha aspirina aqui tem utilidade. No seu lugar experimentaria o chá de oliveira, pela manhã, como forma de combater a hipertensão arterial; e uma infusãosinha de camomila ao deitar, para lhe amenizar o sono. Liberte-se! Quanto ao mais... Isto, meu estimado Amigo, é como tudo... Ainda no outro dia, um companheiro de caça me falava de um método novo para combater a vespa asiática. Qualquer coisa como uma garrafa de água do Luso cortada pela metade, uma parte cheia de groselha e vinagre, a outra encaixada naquela com o gargalo para baixo - parece que o diacho das vespas gostam da poção e acabam morrendo afogadas. Eu não prestei muita atenção, preocupado que andava com a gravidez psicológica de uma cadela minha a espirrar leite como, salvo seja, uma vaca torina. Mas parece que a coisa funciona e hei-de pô-la em prática, a bem das minhas indispensáveis colmeias. Sabe o meu grande Amigo quanto a Ciência deve ao empirismo, razão porque o aconselho ainda - retome a catequese, olhe diaria e profundamente, inspirando fundo, o celestial infinito azul e branco. Assim estou convicto mitigará o seu mal-estar.

Há-de desculpar a minha desilegância, a apressada passagem por Castelo Branco sem o visitar em Penamacor, em mais uma correria às perdizes. Não ia sozinho, senhor do meu tempo. E foi de um restaurante brasuca, aguardando a inevitável picanha, que escolhi este postal, escrito a galope. Repare o meu dedicado Amigo nas ruas, em quanto esverdeado e quanta vermelhidão pode aplicar o seu labor - sempre inspirando profundamente, contemplando o céu infindo e azul e branco. 

Aproveite, caro Amigo, antes que o Inverno transtorne o seu tratamento e impeça nos reencontremos, como este seu admirador gostaria, o mais brevemente possível para o poder, in persona e solidariamente,

abraçar com toda a consideração

JAM

(Clínica geral e apicultura)

 

 

 

"Viagem ao passado"

João-Afonso Machado, 23.10.14

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As escadas em madeira escura, maciça, curvando sobre a esquerda, são a ponte para a grande travessia. Ainda na margem de cá, a majestosa bigodaça do recepcionista, o seu olhar congelado no Tempo, e os penduricalhos das chaves vazias porque o hotel está cheio. Não tarda a lareira será acesa, os dias vão já diminutos, anoitece cedo. Joga-se afincadamente as damas no salão contíguo e há um pedido de telefonema urgente, uma corrida travadinha para a cabine. - Alô! Alô! – Podem falar… - informa a voz nasalada da menina do PBX. Sim, o Patrão não dispensa ser inteirado sobre o andar dos negócios, a vida de caixeiro-viajante é isto e o dever está sempre à frente da vontade de desapertar os sapatos.

Os anais não registam o serviço de quartos. Dá um pouco de folga à gravata, desabotoa o colarinho e lança-se pesadamente aos degraus, em contagem decrescente, extenuada. Lá em cima, logo no início do primeiro corredor, infindo… Teve sorte, o aposento com vista para a Rua de Santo António, o colchão ajudando muito ao sono, a cama larga. Já não consegue acertar com o chapéu no cabide. Estafante dia!

Passa pelas brasas. Uma meia-horita. Escureceu já quando acorda, corre à janela, não quer ser comido pelos mosquitos. Em baixo, um desses gigantes americanos, é um De Soto, rebola preguiçosamente sobre o empedrado perseguido pela curiosidade dos gaiatos. Tivesse um assim… Mas não, não são horas de sonhar, nem de se compadecer com lamúrias. Amanhã o comboio levá-lo-á de regresso ao Porto e está aí uma meia dúzia de clientes por visitar ainda.

Abre a torneira do lavatório, molha o pente e curva-se diante do espelho. Vai pela maleta, onde deixou o frasco da brilhantina, e não esquece aquele toque especial no bigodinho à Clarque Gueible, ou como é que se diz, uma mirada final. E sai e desce então ao restaurant – à adega, lá para os seus botões. Na cave, claro, porque no piso da entrada é a sala monumental de jantar, com serviço à lista, preços tão afastados do seu bolso!, também não o desgostava a água quente no seu quarto, um apartment como não entrou ainda em algum.

Aperta os botões do paletó, não conta senão com os colegas de ofício e alguns conhecidos da terra, amantes da pinga, mas a apresentação é sempre importante, não se cansa o Patrão de lhe recordar. A tigela de caldo verde, duas sandes de presunto, um copito bem aviado do branco fresquinho da casa, e o resto serão as mais recentes façanhas dos 5 Violinos até chegar a hora da deita. É sempre assim uma vez em cada mês. A um canto, a telefonia sintonizada na Emissora Nacional e a Amália cantando o fadário todo de quem tem de batalhar pela vida.

(Que será feito dele, do Sr. Santos, um de tantos Srs. Santos durante mais de 50 anos pernoitas regulares no Hotel Garantia? Onde repousará agora, fora do Tempo, o Sr. Santos e o seu bigodinho à Clarque Gueible, ou como é que se diz, a camisa sofrivelmente engomada e os joanetes doendo calados no desconforto dos sapatos a pedir graxa?

A História não sabe. Não conhece a sua descendência, se a teve, e por isso a não pode agora chamar ao palco. A História tem destas crueldades. Apenas consente lhe sintamos os pachorrentos passos subindo as escadas, contando decrescentemente os degraus, em mais um fim de noite, diabo de vida a do caixeiro-viajante através do Passado, memória sem contornos, somente intuição no lado de lá do cerrado dos estores. Até que o Futuro retorne ao Presente. Aquando do ressuscitar do Hotel Garantia, para quem já nem nota, aí mesmo no centro de V. N. de Famalicão. Perguntem ao bigodaças recepcionista, é mesmo no termo do regresso da grande travessia).

 

(Da crónica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 23.OUT.2014). 

 

 

 

Junto à estrada

João-Afonso Machado, 22.10.14

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Tanto palavreado depois, a firme presença da imagem indiferente aos tratos do tempo e dos homens. A alma resiste a todas as noites e silêncios, mesmo deixada em plena planície onde, quase por caridade, um ou outro arado revolvem a terra e lançam algumas esmolas por ela prontamente absorvidas. Nunca o bastante para criar corpo, somente para o mundo continuar vagueando nos confins desses caules apodrecidos à sombra das asas das cegonhas.

Os sinos tocam um silêncio que desperta muitos quilómetros em redor. Aquelas portadas têm gravado o nome por todos esquecido. Talvez o edifício se mantenha em pé seguro apenas por uma cruz. Como se fossem escoras e confabulações de matemáticos a aplicá-las, mas muito menos efémera. Provavelmente indo além da historicidade.

 

 

 

Quem manda?

João-Afonso Machado, 20.10.14

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Todas as origens registadas na História ocultam ou dificultam uma causa simples - surgira, entretanto, um novo escalão social, vindo da pobreza em acelerado caminho para a riqueza. O dinheiro é Poder e o Poder começa sempre pela política.

Assim a Maçonaria actuou laboriosamente desde o século XVIII. E com a maior criatividade, acrescente-se: inventou a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade e, por essa altura ainda, o Terror. Foi buscar a República à Antiguidade Clássica, quis pintá-la de cores estóicas, e saiu-lhe, garrida como um grafitti, uma pincelada epicurista. Assim cativou os mais ambiciosos remediados citadinos que, diga-se, eram bastantes. Depois andou quase duas décadas a dar-lhes pancada na rua ou - pior ainda - a acirrar essa pobre gente uns contra os outros.

Quando Salazar quis repor a ordem não se esqueceu dos maçons: cortou cerce a liberdade de expressão em geral, mas brindou a Maçonaria com a presidência da República e da União Nacional.

Os tempos hoje são outros. Já ninguém necessita refugiar-se na clandestinidade. Nem a Maçonaria. O seu discurso cívico e "ético" resume-se a uma mera formalidade festiva, aliás. O resto são almoços de negócios, transversalidade nos partidos ditos democráticos e, claro, corrupção às mãos cheias. Especulação e habilidades financeiras, dinheiro é Poder.

 

 

 

As botas portaram-se bem

João-Afonso Machado, 19.10.14

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Ninguém madrugou e partiu-se a pé, fechando devagarinho a porta, ainda havia gente a descansar. Pela frente, uma lavrada imensa e carregada das chuvas recentes, para desenferrujar os músculos. E segue-se o cabeço, todo sujo. São, até agora, esparsos os tiros e o sol e um calor impertinente surgem para ficar.

Assim decorre o tempo, Depois, entre pinheiros cerrados, há um levante, nada mais do que o restolhar do bater de asas das perdizes. É do outro lado do muro da vegetação que fazem fogo. Um companheiro traz pendurado um coelho e, de passagem, deita abaixo uma. Cobrada pela Tareja, a virar-lhe as costas, negando a entrega a quem não seja o seu dono.

Corridas duas horas, sequer um tiro. As perdizes são da marca de nem deixar aproximar os cães. O marrar da Tareja é sempre tardio, elas já tinham partido...

Finalmente uma lebre, lá muito ao longe, falhada por um companheiro e toda coçada nas costas pelo chumbo 6 deste segundo cano. Torceu-se, rabiou, mas seguiu. Bom, pelo menos descarreguei a arma - foi a consolação com os botões da própria camisa.

A manhã demorou-se entre terrenos ásperos, muito de pinhal, suavizados um pouco à aproximação do Guadiana e na vinha final, a derradeira e frustrada esperança.

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Já no terraço da casa, foram alguns litros de água pelas goelas abaixo. E, num ímpensável alento, o reagrupar para a lavrada, o cabeço, a vinha além, "elas" estavam lá quase de certeza...

Há desistências. As pernas já obedecem mal e os cães não largam os calcanhares do grupo. Apenas a Tareja se aventura.

E "elas" estavam lá, na realidade. Um tiro largo, a perdiz de rabo, a percepção de ter caído e a dificuldade em marcá-la. Não fora Tareja, ofegante marrar-se onde acabaramos de passar, que é isto?, volta atrás, a perdiz estava lá, direitinha, a asa ligeiramente aberta, travada pelas estevas, parecia viva. Finalmente! O cansaço despareceu...

Não assim com Tareja. Arquejava, parecia trocar as pernas. Trabalhou muito essa manhã. Urgia regressar.

Pelo caminho, uma perdiz infantilmente falhada na vinha e a volta imediata do cansaço... A boca aberta da Tareja, o seu arfar, ainda lhe consentiram uma corridinha, algo foi, talvez um coelhito a fugir. Mas já não eram horas de saber... O mais foi dessedentar a pequena, deixá-la à sombra de barriga para o ar, a controlar a respiração antes que o coração lhe fugisse pela boca. 

 

 

 

 

Botas novas

João-Afonso Machado, 17.10.14

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Deve ser amanhã. Está por saber como se vai comportar o clima alentejano, capaz ou não de estabelecer relações de boa diplomacia com o reumatismo dos visitantes. E ela, a pequena, encarregada da singular tarefa de farejar para toda a gente. Tareja, o mundo inteiro tem os olhos postos em ti! Mostra quem és, quão acima estás do teu dono e da suas botas novas. Porque se correr mal, descansa, a culpa é delas, dessas botas ainda verdes.

E há-de ser um jantar de amigos, o de hoje, de onde a emoção - isto de os amigos se juntarem é o diabo! - não andará arredia. E no almoço do depois da lide e do antes da partida a mesma história... Apenas a companhia que fica não ajustará a rotação da Terra no infinito equilíbrio dos momentos absolutamente bons.

 

 

 

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