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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Nunca mais é dia...

João-Afonso Machado, 12.08.14

«É isto! Antigamente os nossos homens iam ao mar e era só largar as redes e voltar. E a gente tinha a vidinha toda para atrelar os bois ao cordame e deixá-las, às redes, varrer as águas e trazer o sustento. Eram só nossas, as horas e a praia. E a fartura do peixe pescado, um não acabar de cabazes sempre a encher e a carregar, na altura certa aí estavam as furgonetas do mercado para os levar.

Agora... Certo, os tractores facilitam, mas do preço do gasóleo vá lá a gente dizer o quê?!. E o mar esvaziou, secou, não sei para onde foi o peixe. Nem de quem o queira. Andam aqui estes forasteiros, estes turistas, andam aqui de volta, os homens nem espaço tem para trabalhar, mais parece o circo...  E no fim avareza!, um punhado de cavalas e meia dúzia de sardinhitas. São mais as vozes que as nozes...

 

Ai Praia da Tocha, Praia da Tocha! Areais de tantos anos já, vidas inteiras sem saber como foste e o que és!».

 

 

"Barbearias de ontem, cabeleireiros de hoje"

João-Afonso Machado, 09.08.14

Todos sabem, as barbearias sempre foram locais de ciência e informação. Compêndios de arte retórica, caixas de eco, o que quiserem. Provavelmente, os mais antigos e mais amplos momentos de fiável e sã liberdade de expressão do pensamento. Não exagerarei imenso ao afirmar lá se traçaram capitais destinos das populações nas terras menores.

Mas esta é uma percepção produto apenas do avançar da idade. Antes, as barbearias eram instâncias de suplício – quieto, menino! – E o “menino” mantinha o esforço hercúleo da sua cabecita à banda, enquanto o artista lhe recortava o cabelo em volta da orelha.

Assim não posso esquecer o Sr. João da Matriz, aquela velha barbearia na Rua de Santo António quase paredes meias com a igreja. Onde o meu Pai me conduzia na infância, sempre que soava a hora da tosquia. E onde, chegada a minha vez, sentava num banco de pau colocado em cima da anafada cadeira giratória. A toalha num torniquete a estrangular o pescoço, firmada num alfinete, a tesoura trique-trique, em amena cavaqueira, e o Sr. João repetidamente dirigindo-se ao Pai – está bem assim? – e o Pai insistindo em mais corte, menos repas, o tempo a passar em exasperante vagar…

O Sr. João – muita atenção! – era um amigo. O mundo, então como agora, decompunha-se em política (nem que fosse a política dos preços ou do castigo da banditismo) e em futebol (arbitragens incluídas); mas, naqueles verdes meus anos, a dita política constituía o lado lunar desta vida onde refulgiam Eusébios e outras estrelas lisboetas versus a heróica resistência azul-branca portista. O Sr. João fazia de “advogado do diabo” e sabia transformar a pasmaceira de tais manhãs em salutares picos de controvérsia, mesmo de alguma excitação, ao ponto de se tornar necessário recomendar a moderação dos gestos – esteja quieto menino, olhe que ainda se corta a fazer a barba! – sobretudo quando a navalha rapava já a penugem da nuca.

Um verdadeiro pedagogo, o Sr. João! Felizmente ainda vivo, quase centenário. Descobri há pouco onde reside, sei-o adoentado e espero, por isso, a altura favorável para uma visita e dois (vezes muitos dois) dedos de conversa. Invocando tantos famalicenses, tanta gente já desaparecida do comércio da Rua de Santo António, sua cliente no corte do cabelo ou no diário desfazer da barba.

E, com o correr das décadas, muitíssimas foram as mudanças. Onde pararão aqueles estranhos objectos metálicos que, à força da pressão digital numa bola de borracha, bufavam para cima de nós não sei que espécie de perfume típico das barbearias? Ou os talcos, as pedras que estancavam alguma gotinha de sangue, o álcool fresco e ardente, as tiras de cabedal para afiar navalhas? E a velha telefonia noticiosa e fadisteira? Com o correr das décadas, as barbearias transformaram-se em cabeleireiros. Adquiriram televisões, jornais e revistas, quase criaram salas de espera. Multiplicaram, cada uma, os barbeiros – os cabeleireiros… São tudo inovações que constato entre os jovens operacionais da Orly, onde presentemente aparo a barba ou ajusto as minhas cãs alvíssimas, sempre a acrescentarem uma dúzia de primaveras às bastantes que já somo. (Isto no juízo distraído da quase generalidade das pessoas, é claro.) Mas o sentido de humor característico destes estabelecimentos permanece. Política e futebol, como jamais deixou de ser. E toda a parafernália de “segundos sentidos”, a laracha costumeira, a brincadeira acutilante a amenizar tanta desgraça, tanta trapalhada nacional, com toda a potência do after shave final. Last but not least, o moderníssimo e arrasador secador, eliminando por completo o incómodo dos pelinhos no colarinho engravatado. Aos cinquenta e tal, ir à barbearia – ao cabeleireiro – é já, obra do Tempo, uma terapia de relaxe.

 

(Da crónica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 07.AGO.2014).

 

 

 

Mal-entendidos, seguramente

João-Afonso Machado, 08.08.14

O cavalheiro, exaltadamente, acutilou a Monarquia portuguesa porque - dizia - 90% da população era analfabeta, esfomeada e descalça, porque a Família Real tinha fugido (em Outubro de 1910?), porque, enfim, no seu imaginário as costas d'El-Rei D. Manuel (e de quantos mais?) seriam amplas o bastante para suportarem as culpas todas da nossa desgraça. A nossa - mesmo a dos que ainda por cá vão andando em carne e osso.

Pois. Facilmente se adivinha encontrarmo-nos no domínio da intelectualidade facebookiana.

Tentando acalmar o dito cavalheiro, recordaram-se-lhe os dados estatísticos reportados já à segunda metade do século XX - pouco diferenciados em taxas de analfabetismo ou de mortalidade infantil e, então sim, reveladores de um abismal atraso em relação à Europa; e o Salazar consentido pela Repúbica; e a emigração, filha da pobreza abundante; e a falta de liberdade; e a guerra colonial e o nosso isolamento diplomático... E que muito disto, enfim, se verifica ainda agora.

O cavalheiro ripostou. A dar duro na tecla da fuga do Rei, no abandono a que os portugueses ficaram votados. O cavalheiro vivera na Dinamarca, onde logrou constatar a profunda ligação entre os monarcas e o povo.

Ora, assim sendo, talvez aprouvesse ao cavalheiro pesquisar no Google - D. Manuel/I Grande Guerra ou Infanta D. Filipa/II Grande Guerra; e, por último, 87/Timor, vamos ajudar... Coisas simples, nada cansativas... Ali ao lado do seu Facebook.

 

 

 

Porto de férias

João-Afonso Machado, 07.08.14

Correm diferentes os dias na cidade. A gente é outra, vinda de muito longe do falar tripeiro. Pela Trindade, uma saltada à Praça D. João I e o início da longa subida de Sá da Bandeira. Até ao estranho Bolhão, fealdade e mamarracho arrastadamente em obras, mas um símbolo de sempre, incontornável na entidade do Porto. Agora, lá dentro, decerto se fotografa mais do que se compra, entre escadarias e corredores e casinhotos em fila onde se regateia fruta, legumes, verduras. Mais todo o colorido de flores em cascata cantada pela conversa das floristas, esperando sempre um cliente se encandeie... Porque há um silêncio resignado e quente no mercado e no exterior, por quantas vetustas fachadas o envolvem.

Escasseiam as lojas, montras entaipadas sepultam denominações antigas e saudosas. A gente nem percebe porquê - porque fechou a Casa Forte ou a Barral? Mas as sobreviventes abraçam os saldos, a sua derradeira esperança. Acentua-se este abandono na confluência com a Rua de Santa Catarina, duas estrangeirinhas atravessam célere a passadeira, como fugindo à podridão dos edifícios, o minúsculo hotel adiante tenta desesperadamente agarrar a época, antevendo o horroroso vácuo dos dias frios. E ao fundo, no alto, as densas copas da Praça do Marquês.

É já outro Porto, tristonho, fechado sobre si, sem chamarizes turísticos. E definitivamente idoso, reformado, gozando a fresca das árvores enquanto joga à sueca a tarde inteira.

 

 

 

 

"Homem rico, homem pobre"

João-Afonso Machado, 05.08.14

Entre activos tóxicos, juros fantasmasbancos bons e bancos maus, o País mergulhou - à melhor maneira estival - num enevoadíssimo oceano de incertezas financeiras. Manda a razoabilidade acreditemos a intervenção governamental é oportuna - depois de tanta porcaria semelhante, no passado recente, ou devia ser assim - e assim ser publicamente aceite - ou mais prático seria o Executivo deitar-se janela fora. Às penedias junto do hotel...

E provavelmente foi. De forma directa ou indirecta, parece que o cliente-cidadão-contribuinte não sairá lesado de este episódio mirabolante.

Restará um pouco de reflexão: o que é ser rico?; o que significa a riqueza?; para que vale a riqueza?; como é depois de ter sido rico (poderoso)?

E, já agora (e finalmente) - entre activos tóxicosjuros fantasmasbancos bons e bancos maus, ao menos desta vez a generalidade dos portugueses terá percebido o que sucedeu. O mundo das Finanças e da Economia há muito de toxicidade e fantasmagorias, de bondade e maldade. O que resulta claro quando explicado na nossa língua, como quem não busca spraids políticos e eleitorais.

 

 

Domingo

João-Afonso Machado, 03.08.14

Há dias de mar não. Sem azul nem espuma no recuo das ondas em areais ausentes. Despojado de melodia nos rochedos onde remoínhos de gente se substituem às águas da maré. O perigo é maior, é um perigo chinfrim.

São dias de quase total ausência de palavras. Chamam-lhes mesmo descanso. Podem ser também dias ribeirinhos, ainda que, por hipótese, demorados à janela.

 

 

"Não!"

João-Afonso Machado, 03.08.14

Renegou-a esse dia,

a primeira pessoa do singular.

Usou-a tanto, terá pensado,

 

mais não podia

 

mesmo quando soa

o verrumar

 

(doído, perdido)

 

do falar só, desprezado.

 

Mesmo quando em si ecoa

o pó acumulado

em lavras e lavras,

lugar ardido

das suas palavras.

 

 

 

Em política o que parece é?

João-Afonso Machado, 01.08.14

À Quadratura do Círculo de ontem não faltou uma nota prévia: os intervenientes, todos eles, aceitaram um dos temas em debate seria a disputa interna do PS; mas António Costa, como sujeito activo da mesma, abster-se-ia de quaisquer comentários relacionados.

Costa cumpriu. Era uma questão de honra e de - presume-se - ética republicana.

Assim decorreu a sessão. Com muito dispêndio de palavras sobre o caso BES e com Pacheco Pereira, cado vez mais do lado, outra vez, dos explorados e oprimidos, lançando algumas bojardas sobre a Monarquia e a «snobeira» que vislumbrou sua parente e do «dinheiro antigo» também.

E com, finalmente, António Costa em gozoso mutismo enquanto os seus pares iam garantindo a sua vitória no confronto socialista, a sua futura candidatura a 1º Ministro de Portugal.

Vale dizer, Costa não necessitou obviamente de falar. (Costa não alinha em deslealdades, perceba-se...) Outros o fizeram - falaram - por ele. E a dita ética republicana foi, por isso, cumprida, bem como o famoso aforismo de Salazar - em política o que parece é. Entre as nossas avestruzes domésticas, claro.

 

 

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